Divertidíssimo: ir ao Ronnie Scott's, no Soho, um dia depois de saber que estava esgotado um concerto do Brad Mehldau com a Anne Sophie von Otter e apanhar estas velhas glórias do Ghana e dos seventies.
O suplemento especial do jornal inglês Sunday Times sobre o Mundial de Futebol prevê que Portugal não passe da fase de grupos na África do Sul. Esquecem-se os ingleses que nos últimos dois campeonatos finaram-se aos pés dos portugueses. Mas podem estar cheios de razão.
Depois do curioso sinónimo que o PS arranjou para o verbo "furtar", tendo-o transformado na expressão "tomar posse", eis que saiu uma nova actualização do dicionário socialista publicado pela "Largo do Rato Editora". Para a recorrente palavra "mentira", a expressão agora adoptada é "erro de transmissão". Cada vez me sinto mais apreensiva com estas actualizações da língua portuguesa. Mas não duvido que o acordo ortográfico foi tema de conversa entre José Sócrates e Chico Buarque. A pedido deste último, claro!
Foi lançado esta manhã em Londres e ninguém me ofereceu um no dia de anos :( The Evening Standard tinha um título espectacular sobre os 800 metros de fila à porta da Apple com 1200 ifãs à espera: "igot it!"
Deve ser (é de certeza) por estar no Brasil, a acompanhar uma visita de José Sócrates. Esta noite, enquanto escrevia, a playlist do meu i-pod trouxe-me esta canção da Marisa Monte. De repente, a letra pareceu-me feita à medida do tango que Sócrates quer dançar com Passos Coelho...
"Eu só não te convido pra dançar Porque eu quero encontrar com você em particular Há tempos tento encontrar um bom momento Alguma ocasião propícia Pra que eu possa pegar sua mão, olhar nos olhos teus Seria bom, quatro paredes, eu, você e Deus
Procuro explicar o meu sentimento E só consigo encontrar Palavras que não existem no dicionário Você podia entender meu vocabulário Decifrar meus sinais, seria bom..."
Naquele seu estilo de quem não parte pratos, Mário Soares disse ontem que "acha" duas coisas sobre as próximas presidenciais.
À pergunta sobre se vai apoiar Manuel Alegre, respondeu: "Acho que não, porque eu também tenho uma coisa que é importante, que é a minha consciência."
À pergunta sobre se Fernando Nobre seria um bom Presidente da República: "Eu acho que sim, mas isso é outra questão.”
"Achar" isto é achar muito. É "achar" pela própria cabeça o que é mais do que faz a generalidade dos dirigentes do PS, que estão à espera que Sócrates decida o que hão-de "achar" sobre as presidenciais.
À chegada ao aeroporto internacional de São Paulo sou recebido por Stephanie, funcionária dos serviços de imigração e, tudo indica, mastigadora profissional de chicletes.
"Vem em negócios?... Business?"
"Não, mas venho em trabalho. Sou jornalista e vou acompanhar a visita ao Brasil do primeiro-ministro de Portugal."
Mentira, drogas e política
No caso PT-TVI, Sócrates fumou mas não inalou.
Acreditar num político pode ser um acto de fé, mas crer num político que mentiu sobre um passado com drogas só se justifica por uma crença profunda. Bill Clinton mentiu quando disse “fumei mas não inalei”. O primeiro-ministro britânico David Cameron fumou e inalou quando na adolescência esteve envolvido num escândalo de drogas no seu colégio de elite, mas recusou comentar o assunto. José Sócrates não mentiu. Fez uma manobra de evasão quando disse: “Fui um jovem do meu tempo”. A mentira em política não é um escândalo: é uma arte. Sobrevive-se na política embrulhando com mestria a verdade. Foi o que Sócrates fez. Nem todos porém são assim: George Bush admitiu ter sido viciado em drogas e Barack Obama assumiu ter consumido cocaína.
Já Clinton voltou a mentir no escândalo Lewinsky: “Não tive sexo com aquela mulher!” Sexo oral não era considerado pela lei um acto sexual. Mais uma vez, fumou, mas não inalou.
No caso que podia derrubar o Governo, José Sócrates repete à exaustão que o Governo não foi informado do negócio PT-TVI. Mas admitiu que soubesse informalmente através de amigos. Aqui Sócrates também fumou mas não inalou. Não fez sexo com aquela mulher. Foi outra vez um jovem do seu tempo. As escutas enviadas à comissão de inquérito seriam a prova definitiva. Pacheco Pereira, que as viu, disse serem "avassaladoras". Se pudessem ser usadas na comissão de inquérito, funcionariam como um teste para detectar metabolitos de drogas no sangue de um adolescente que mente.
A estratégia de Sócrates no caso PT-TVI, como na questão inócua das drogas, foi uma manobra de evasão. Desta vez, embrulhou com mestria a mentira. Mas hoje o problema político da mentira já não é a mentira em si, porque a comissão não vai conseguir provar se Sócrates "fumou e inalou" na tentativa de controlo da TVI. O problema é o de saber em cada momento quantos continuam dispostos a acreditar.
A espanhola Telefónica admite lançar uma OPA hostil sobre a PT. César Alierta, o homem forte da Telefónica, diz que a hipótese é viável. O presidente executivo da PT, Zeinal Bava, responde que não se deixa intimidar. E o que dirá José Sócrates? “Opa, y agioria? Riaio diesties ispanhiois... Ó Zieinal, nião quieiro cá iessa histiória. Estoy miesmo a vier que é ioutra viez o mialuco do Rui Piedro Soaries. Biolias, que nó piára quietio!!!”
Já é tempo de as estações de televisão em Portugal – RTP, SIC e TVI – passarem a citar os jornais de onde tiram a maior parte da informação que transmitem. Parece-me que se as televisões vendem publicidade nos intervalos dos programas de notícias e fazem dinheiro com a informação trabalhada pelos outros, o mínimo que podem fazer é pagar-lhes com notoriedade, citando-os. Tenham vergonha.
(E não me digam que citar às oito da manhã vale pelo dia inteiro)
Marcelo regressou esta noite ao comentário político na TVI. E é tão bom no metier que até consegue fazer-se passar por novato e esquecer-se do telemóvel ligado. Aos primeiros minutos de conversa toca o telefone, ele procura-o no bolso do casaco e desabafa que está tão desabituado destas coisas que até deixa o telefone ligado… Explicou a crise aos pobres e desinformados portugueses, foi até didáctico na definição de agências de ratting. Disparou contra Sócrates, como esperado. E não desperdiçou o primeiro round de TVI para dar atacar Passos Coelho, dizendo que este deveria ter imposto – e por escrito – as contra-garantias do acordo com o PM. E como quem dá conselhos a uma criança, Marcelo advertiu Pedro para que não derrube o Governo, ao estilo "o menino veja lá o que faz, porte-se bem, olhe que o tio aborrece-se!" No final ainda andou (literalmente) aos papéis, à procura do nome da associação que queria homenagear. Aposto que se lembrou de Santana na tomada de posse, mas segurou o comentário com um sorriso. Marcelo estava feliz. Brilhavam-lhe os olhos. Regressou ao palco pela porta grande. Só faltou o leitão como presente de boas vindas no regresso à estação de Queluz.
Tradução do Debate da Moção de Censura: Jerónimo de Sousa ou Jeronimês
"Não me venha com o papão" = "ser imaginário com que se mete medo às crianças" ou "ó Sócrates, não me lixes!" "Gastar à tripa forra" = "fazer algo com abundância até não querer mais" ou "prática habitual de gastos no Estado" "Reduzir défice a mata-cavalos" = "a toda a pressa" ou "quem se lixa é o mexilhão" "Uns comem os figos, a outros rebenta a boca" = "provérbio popular que traduz os efeitos das decisões dos outros” ou “a banca safa-se sempre" "Esbulho dos salários" = "privação da posse de uma coisa por meio de fraude ou de violência" ou "para dançar o tango são precisos dois"
Tradução do Debate da Moção de Censura: José Sócrates ou Socratês
"As circunstâncias mudaram muito nas últimas semanas" = "a conjuntura económica alterou-se" ou "esta é sempre uma boa desculpa que pega sempre" "As circunstâncias mudaram radicalmente" = "a conjuntura económica alterou-se bastante" ou "bolas, quando o Barroso aumentou os impostos houve menos barulho" "Este Governo fez de tudo para não aumentar os impostos" = "foram procuradas outras alternativas" ou "haveria forma mais fácil e rápida de encaixe financeiro?" "Infelizmente não há alternativas ao aumento de impostos" = "beco sem saída" ou "a bruxa da Merkl não me deu alternativa!"
- Ned, there's no such thing as adventure. There's no such thing as romance. There's only trouble and desire.
- Trouble and desire?
-That's right, and the funny thing is when you desire something you immediately get in trouble, and when you're in trouble you don't desire anything at all.
Apresento-me hoje ao serviço. A partir de hoje estreio-me como Guarda-freio. Não foi fácil passar pelo apertado crivo do processo de selecção. Currículo, entrevistas, investigação de todo o meu passado… Os Guarda-freios do Elevador da Bica não brincam com coisas sérias. Não sei se preciso de farda, não a trouxe para o meu primeiro dia. Nem de luvas, para facilitar a tarefa. Mas estudei a fundo a lição. Sei bem quem é Raoul Mesnier du Ponsard, aprendi que os elevadores têm várias partes como a cabine, o contra-peso, a caixa de corrida e até já sei o que é a cancela pantográfica! Deve dar para começar, sem grande mácula, nas minhas funções como Guarda-freio. Sei que vou ter uma missão difícil. Não apenas por ser a primeira mulher deste blogue, mas porque os Guarda-freios – e estes sete em particular – são exigentes por natureza. Prometo ser delicada, dedicada, empenhada e desde já vos aviso... Lamento, mas este Elevador da Bica nunca mais vai ser o mesmo…
Hoje o mundo mudou... E Sócrates não aumentou impostos. O mundo mudou hoje porque, finalmente, o Homem é Deus, ao fim de tantos anos de luta e ambição. A equipa de Craig Venter criou o primeiro organismo artificial vivo, uma bactéria baptizada como Mycoplasma Mycoides.. Até hoje, o que mais aproximava um homem de ser Deus era a decisão sobre a morte. A discussão filosófica sobre a vida e os limites da intervenção humana vai reacender-se em breve.
A ovelha Dolly está out. A Mycoplasma Mycoides está in.
Ouvir gestores da banca (banqueiro é Ricardo Salgado) falar do excessivo consumismo dos portugueses com ar de virgem moralista é como ouvir o proprietário de uma rede de casas de putas mostrar indignação perante o aumento excessivo da práctica do amor remunerado com terceiros em Portugal. Assim mesmo, sem vírgulas.
Até agora, este era um blogue de carecas e barbudos. A partir de hoje, o Elevador da Bica não é um quartel de bombeiros tipo-clube-do-Bolinha. Contratámos a primeira mulher da nossa história ainda por cima loura (verdadeira).
E a enorme contratação do guarda-freísmo bloguista é a...
Ana Catarina Santos, jornalista premiada da TSF, tuíteira de categoria, voleibolista, mestre em Ciência Política com uma tese sobre o voto e a cor política dos juízes do Tribunal Constitucional. Não resisto a uma das últimas tuítadas da nossa nova aquisição:
"Dioi-me la barriguia de tiantio ririe com o niossio PM a fialiar espianhioli. Josié Siócriaties fialas un espianhioli pierfiectio. Balé?!"
José Sócrates corre maratonas nos tempos livres. Pedro Passos Coelho joga xadrez. Os maratonistas inventam vozes que a meio da corrida os ajudam a aguentar o sofrimento. O site marathontraining.com aconselha os atletas a pensar: “Eu não estou cansado fisicamente; estou mais cansado mentalmente”. Nos xadrezistas, funciona ao contrário. O jogador de xadrez usa o jogo para “extravasar artificialmente a sua energia mental”, escreveu H.G Wells no livro Concerning Chess.
Nas maratonas políticas, José Sócrates diz a si mesmo perante as suas terríveis dores musculares para aguentar e aguentar. Assim tem feito com todos os escândalos e dificuldades governativas, persistindo no esforço com a resistência sobre-humana dos corredores de fundo.
Passos Coelho, xadrezista cerebral perante um maratonista em sofrimento, dispõe pacientemente as suas peças à espera que o cansaço mental do adversário o faça capitular. Se Passos for como Karl Menninger, um psicólogo da escola freudiana que diz que o xadrez lhe permite extravasar a “agressividade e os instintos destrutivos”, deixará para o tabuleiro da política a frieza da análise – com Sócrates a ferver devagar na crise e em lume brando.
Antes da corrida, o marathontraining.com aconselha os atletas a criarem um processo mental de visualização de imagens sobre o que desejam que aconteça nos 42 quilómetros seguintes. Se José Sócrates não cria imagens mentais no atletismo, pratica-as na política. Se a corrida lhe corre mal, porém, o imaginário que criou sobrepõe-se de tal forma à realidade que só uma dor muito aguda o leva a reajustar a passada ao mundo real. Sócrates será como aqueles maratonistas que crêem nas imagens mentais que eles próprios inventam para aguentar o esforço.
A descrição do psicólogo Alfred Adler também encaixa no perfil de Passos Coelho: “O xadrez é um jogo de treino na orientação para a resolução de problemas, não só na estratégia e na táctica, mas em aprender a usar as peças como uma equipa cooperativa”. Hoje, é evidente que Sócrates dificilmente terminará a maratona deste mandato. Passos Coelho prepara um xeque-mate a prazo, com o risco de ainda lhe faltarem muitas jogadas.
E agora algo completamente diferente: FBI (fontes bem informadas) garantem-nos que a professora Bruna Real será entrevistada por Mário Crespo, sexta-feira, no Jornal das 9. As mesmas fontes garantem que a professora Bruna estará vestida, pelo menos no início da entrevista.
"Deixe-me concluir" Se há coisa em que Sócrates é bom é a não se desviar do plano - mesmo que o plano só valha por um mês, uma semana, um dia, uma hora.
O plano ontem era um discurso maquinal que alternava a tese de que "o mundo mudou" sem que nada o fizesse prever (!) com a tese de que o Governo fez tudo bem (até subimos uns lugares no ranking de e-governing, como o PM fez questão de meter a despropósito numa resposta) e até éramos os "campeões do crescimento"... até ao momento da tal mudança inesperada do mundo.
A repetição exaustiva destas fantasias convidava os jornalistas a tentarem interromper a propaganda para ir à vaca fria. "Deixe-me concluir", repetia Sócrates, tentando ganhar mais uns preciosos segundos para debitar a cassete.
"Deixe-me concluir" bem pode vir a ser a frase que resume este segundo mandato de Sócrates. Infelizmente, para ele, já sabe que não o vão deixar concluir.
"Peço desculpa, mas isso não é verdade" Nada resume melhor o estado de negação em que Sócrates tem vivido nos últimos anos do que a forma como começou boa parte das respostas a negar o que lhe diziam os entrevistadores. Negação, negação, negação. O mundo está contra Sócrates.
Os serviços do Fisco avisaram várias vezes, desde Maio de 2009, para a derrapagem das receitas fiscais, como explicava um muito bem sustentado artigo do Público? "Isso não é verdade", diz o PM, desmentindo aquilo que até o Ministério das Finanças teve vergonha de desmentir.
O INE revela um desemprego recorde de 10,6%, que na prática significa cerca de 700 mil desempregados no país? "Pela primeira vez no último ano e meio o desemprego registado declinou", proclamou o PM, tentando secar os dados do INE com os números do IEFP, oportunamente divulgados ontem.
O Governo anuncia um aumento de impostos com grande impacto para classe média? "Não é um grande esforço". É injusto aumentar a taxa mínima do IVA? Ninguém vai notar, porque "as empresas incorporarão nos seus custos esse aumento de 1%". O Banco de Portugal diz que não houve redução dos funcionários públicos? "Peço desculpa, mas isso não é verdade" - quem disse que Sócrates não pediu desculpa?
"O mundo mudou..." ... "nessa semana", ou "nessas duas semanas", ou "nessas três semanas", conforme as várias vezes em que Sócrates usou este bordão. Nem vale a pena perder muito tempo com a patranha de que "o mundo mudou" na semana do Conselho Europeu, porque as obrigações do Tesouro pagavam juros de 5% que depois subiram para 7% e isso levou à "tomada de consciência" de que "a Europa" tinha que reagir em conjunto ao "ataque ao euro", bla bla bla... Numa frase: o que Sócrates tenta dizer com o bordão de que "o mundo mundou" é que a economia portuguesa até estava melhor que as outras ("campeões do crescimento, imagine-se!) e que apesar desse cenário radioso foi necessário apertar o cinto porque o euro precisava que Portugal o salvasse.
Os que há meses avisavam para o crescimento do endividamento, para o trambolhão das receitas fiscais, para a fantasia das projecções do Governo e para o erro das políticas económicas - enfim, para a necessidade de medidas muito mais duras - eram, naturalmente, gente de má fé, incompetente e que não sabia do que falava.
Agora a sério: de facto o mundo mudou naquele Conselho Europeu. Foi o momento em que Sócrates, que julgou que se ia conseguir safar pelo meio dos pingos da chuva, percebeu que se ia molhar. Nesse momento, o mundo de Sócrates - que pelos vistos acaba na ponta do seu nariz - deve ter desabado.
Este mal-me-quer-bem-me-quer da comissão de inquérito parlamentar a saber se o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento tem sentido. Se José Sócrates mentiu sobre o negócio PT-TVI é grave. Se não mentiu é apenas incompetente.
Mas há mentiras mais graves. Como esta, que o Público denunciou. O Governo ocultou o défice ao longo de 2009 por razões eleitorais à revelia das previsões da DGCI. O primeiro défice previsto para 2009 foi de 2,2%, lembram-se? Passou para 3,9%. Depois para 5,9% antes das eleições. E para 8% logo a seguir à vitória eleitoral. Grande coincidência. No fim: 9,3%. E agora estamos como estamos. Isto não faz parte daquela margem aceitável que os Governos têm para mentir. O mínimo que nos podem dar é contas em condições, e aí somos obrigados a pedir contas e transparência.
Não há comissão de inquérito? O PS ganhou as eleições com o lixo escondido debaixo do tapete. E se estamos onde chegámos foi porque as sirenes de emergência disparam tarde. É grave por ser uma mentira deliberada, estratégica, táctica. Mas é mais grave porque porque estávamos cegos. Vendiam-nos o oásis no meio da crise e não víamos como estávamos próximos do abismo.
Esta é uma imagem de uma vivenda com a marca inconfundível do mestre Mendo, cuja importância para o traço arquitectónico nacional pode ser justamente compreendida no Arquivo Municipal de Mirandela.
Um dos muitos motivos que tornam este arquivo incontornável e merecedor de uma dedicada visita.
O PR promulgou o casamento gay para não acentuar as divisões entre os portugueses. O PR não gosta de divisões, no entanto, é seguro postular o seguinte sobre as divisões dos portugueses:
- Cavaco divide os portugueses;
- Sócrates divide os portugueses;
- As soluções para a crise dividem os portugueses;
- O Parlamento reflecte as divisões entre os portugueses;
- O Benfica divide os portugueses (e o FC Porto também);
- Os árbitros de futebol dividem perigosamente os portugueses;
- As 1001 maneiras de fazer bacalhau dividem os portugueses;
- A bica curta, longa, normal, escaldada, pingada, com cheirinho, divide os portugueses;
- O casamento gay divide os portugueses;
- Saramago e Lobo Antunes dividem os portugueses;
- O Tejo e o Mondego dividem os portugueses;
- A utilização de coentros acentua a divisão entre os portugueses;
Da singular comunicação do Presidente da República ao País, retive o essencial: dois queixumes.
1) Cavaco lamentou que não tenham sido procuradas, para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, soluções jurídicas de compromisso, que gerassem menos clivagens. "Não teria sido difícil alcançar um compromisso na Assembleia da República, se tivesse sido feito um esforço sério nesse sentido", disse. Até deu exemplos dos países onde, aí sim, houve seriedade, sentido de união e compromisso. Curiosamente, em nenhum desses países é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Há outras coisas, contratos civis e sucedâneos, mas não há casamento. Ou seja, para Cavaco, a boa forma de legislar sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo seria não o permitir. Quem disse que as questões fracturantes têm que ser fracturantes?
2) Cavaco lamentou que esta lei tenha sido aprovada no pior momento (haverá um bom momento?...), quando o País vive com tamanhas dificuldades: desemprego, pobreza, elevado endividamento externo e "outras dificuldades", enumerou o PR. Pois claro: como é que um País pode sair da crise se perde tempo com isso dos homossexuais? É a velha teoria de que não é possível andar e mastigar pastilha elástica ao mesmo tempo. Por mim, ainda não tinha percebido que existisse um link entre o desemprego, a pobreza, o endividamento e "outras dificuldades" e o facto de o Parlamento legislar sobre quem pode casar com quem. Agradeço ao PR ter-me aberto os olhos.
Já agora: se o importante é a crise, o desemprego, a pobreza, o endividamento e as "outras dificuldades", por que razão o senhor Presidente da República faz uma comunicação ao País, em tom grave e sério, sobre o casamento gay, mas ainda não foi capaz de o fazer sobre esses assuntos que considera verdadeiramente importantes?
Em resumo: é como se vetasse, mas não veto, porque não podia vetar outra vez e aqueles malandros não me iam dar ouvidos.
Cavaco promulgou o casamento gay porque sabia que a lei lhe voltaria a queimar as mãos e teria de a promulgar na mesma. Não vetou porque o veto era inútil. Acontece que no semi-presidencialista, a outra parte do semi (a parlamentar) tem legitimidade para decidir, sobretudo quando a decisão tem por detrás o voto de deputados de vários partidos. Justificou-se assim Cavaco perante o seu eleitorado. Mas ao dizer que não valia a pena vetar, resignou-se ao facto de achar que os partidos não ajustariam as suas posições. Assim, fez mais uma declaração oficial de impotência presidencial em relação ao Parlamento, tal como na primeira declaração sobre o Estatuto dos Açores. Se acreditava nas justificações que deu, devia ter sido consequente. A crise financeira não se agravaria. Se tem razão, as suas razões seriam pelo menos debatidas. Cavaco diz que o tema divide os portugueses, mas foi isso que sempre afirmou sobre este tema, o aborto, ou até a regionalização. Acontece que a crise e as suas soluções também dividem os portugueses e não é menos. Cavaco gosta de uniões nacionais. Mas democracia é mais ao contrário, sobre saber lidar com divisões: é sobre a metade que não governa aceitar o poder da que manda; e sobre a parte que manda aceitar os limites do seu próprio poder.
Luís Amado dá hoje uma entrevista ao Diário Económico, e só por estar lá escrito acreditamos ser do próprio ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, dirigente do Partido Socialista com um espaço muito próprio no que se convencionou chamar "gamismo" (não confundir com "gamanço" nem com Ricardo Rodrigues).
Amado lamenta que não haja um Bloco Central formal e diz que sem essa coligação alargada não é possível reformar o País. Tendo em conta a experiência, tem a sua razão.
Amado diz que "ao longo da última década não fizemos o que deveria ter sido feito. As exigências com que fomos confrontados ao aderir À moeda única não foram entendidas". O ministro está cheio de razão - a oposição não diria melhor - mas nos últimos 10 anos esteve sete anos e meio no Governo.
Amado propõe a inscrição de um limite para o défice e para a dívida na Constituição. A proposta é de deixar Sócrates e o PS com os cabelos em pé. Como por cá estas coisas só funcionam à força, seria uma germanização higiénica e uma cópia do que os alemães fizeram: o ano passado, a Alemanha mudou a Constituição para proibir o Governo Federal de ter défices superiores a 0,35% do PIB. Eles criaram o seu próprio colete de forças. Nós esperamos que alguém nos imponha um de fora.
Mas está visto pelas reacções que o homem é um mal-amado.
Cavaco Silva fará hoje uma comunicação oficial sobre o casamento homossexual.
Uma declaração ao país, coisa pesada e solene, deve trazer decisão grave. Mas não parece em linha com o que Cavaco sempre defendeu. Quando questionado sobre o assunto na campanha presidencial de 1996 e na de 2006, e até depois de ser Presidente, Cavaco disse sempre que havia assuntos mais importantes para tratar. Assim sendo, logo nesta fase em que há assuntos muuuito mais importantes para tratar, Cavaco sobreleva finalmente o tema e dá-lhe mais atenção do que a pior crise vivida em Portugal nas últimas décadas. Cavaco Silva nada disse ainda sobre os sacrifícios exigidos aos portugueses e, recorde-se, foi eleito numa campanha assente nos argumentos do crescimento económico, para Portugal não ficar atrás dos países de Leste.
Só há dois cenários possíveis, nenhum deles bom para o Presidente e futuro candidato:
a) O PR vai anunciar um veto à lei, aprovada por uma maioria de deputados num Parlamento onde nenhum partido tem maioria, e na qual o Tribunal Constitucional não viu inconstitucionalidades. Vai cavalgar o ambiente proporcionado pela visita do Papa, posicionando-se como um protagonista conservador e colado à Igreja, exercendo uma acção política marcadamente ideológica, o que contrasta com a ideia que sempre quis dar de si, de pragmático, institucional, avesso a dogmas ideológicos. Se bem que um veto justifique mais uma comunicação oficial do que uma promulgação, neste momento haveria motivos bem mais graves do que este a merecer uma declaração oficial do PR.
b) O PR vai anunciar a promulgação do casamento de pessoas do mesmo sexo, desculpando-se com o facto de, muitas vezes, promulgar leis das quais discorda. Justificará a sua decisão por dever institucional. Embora não o diga, sentir-se-á obrigado a fazer uma comunicação ao País por causa do seu eleitorado (em parte conservador e católico) até porque a visita do Papa criou um ambiente de expectativa em relação ao assunto. Dirá, imagino, que este acto de contrição é uma questão de consciência. Se for para anunciar uma promulgação, mais uma vez, Cavaco teria assuntos mais importantes para comunicar ao País. Assim, parecerá que já está a usar a Presidência para fazer campanha eleitoral, pois esta é uma decisão desconfortável para boa parte do seu eleitorado.
“Portugal foi um dos primeiros países a sair da condição de recessão técnica depois da eclosão da crise mundial; foi também um dos países que melhor resistiu à crise em toda a Europa; e finalmente Portugal teve este trimestre o maior crescimento da Europa”.
O taxista que me transportava riu-se quando ouviu esta conversa na rádio. Não dá para acreditar. Fazer um discurso assim, um dia depois de anunciar o que anunciou, só pode ter dois efeitos: ou as pessoas pensam que o PM está a gozá-las; ou então acham que está atentar enganá-las.
Por mais que acredite que o seu dever como PM é fazer uma gestão positiva das expectativas, a verdade é que este discurso tem limites. Se Portugal fosse mesmo o campeão do crescimento, como diz Sócrates, não estávamos na situação em que estamos porque também somos os campeões do reverso da medalha. O PM devia assinalar que o crescimento é positivo mas com cautelas, dizendo que espera que a tendência se mantenha, para remarmos todos para o mesmo lado de modo que os sacrifícios durem menos tempo. O Governo podia optar por não pedir desculpas. Mas escusava de se vangloriar de não pedir desculpas por estar (a ser obrigado) a fazer tudo ao contrário do que prometeu. Essa falta de humildade, quando se pede humildade a toda a gente, também os eleitores não desculpam.
O aumento de impostos com que somos agora confrontados é inevitável - nunca na história recente das finanças públicas portuguesas houve uma subida do défice e da dívida pública sem o consequente aumento da carga fiscal. O ponto ultrajante para quem paga impostos, também revelado pelos números, é que estes aumentos da receita nunca são correspondidos por cortes drásticos e reais na despesa. O Estado gasta mais, nós pagamos mais, o Estado continua a gastar mais. Ontem, na apresentação de um aumento brutal de impostos, José Sócrates deu mais um sinal de que esta prática vai continuar: o primeiro-ministro soube detalhar todas as subidas de impostos, com prazos e taxas, mas foi vago, como sempre, nos cortes na despesa (nota: cortes nas transferências para empresas públicas e autarquias não são cortes na despesa - pode haver desorçamentação).
Serve isto para sublinhar que a nova subida de impostos, apesar de inevitável, poderia ter sido menos prejudicial para a economia. Como? Com um plano atempado e agressivo sobre a despesa. Mas Sócrates ignorou durante mais de seis meses os sinais de pressão externa dos mercados e só o humilhante puxão de orelhas de Bruxelas o acordou para a realidade. Agora, sem tempo e pressionado pelo exemplo de Zapatero, o governo é obrigado a mostrar resultados - subir impostos à pressa, violando uma promessa eleitoral irrealista, é a receita mais rápida.
O adiantamento de mil milhões de euros em impostos que seremos forçados a dar ao Estado serve para o primeiro-ministro comprar lá fora o tempo que andou a perder. Fiel ao seu estilo, Sócrates defende que o mundo mudou nos últimos 15 dias e que os portugueses perceberão o que é pedido. Esta é a admissão de que a única coisa que mudou foi o mundo do primeiro-ministro - e a confirmação da gestão desastrosa das expectativas dos portugueses.
Muitos milhares de pessoas estão neste momento em Fátima a celebrar um dos milagres mais fantásticos e notórios da história da Igreja Católica. Compreendo a necessidade de escapismo, sobretudo em momentos de grandes dificuldades, como tem acontecido em Portugal desde... digamos... 1917 (para não ir mais longe). No meu caso, em vez da religião, recorro à música - mas quem sou eu para julgar o escapismo dos outros?
No entanto, convém parar para pensar um bocadinho quando falamos do "milagre" de Fátima, que neste momento junta tantos milhares, entre eles o Presidente da República Portuguesa. Ninguém o fez melhor do que Richard Dawkins, professor da Universidade de Oxford que há-de seguramente arder no fogo do Inferno (se houver Inferno - e sobre isso a própria Igreja parece já ter algumas dúvidas). Enquanto isso não acontece, talvez Dawkins consiga abrir os olhos a mais uma ou duas almas.
«'[…] nenhum testemunho é suficiente para demonstrar um milagre, a não ser que o testemunho seja de natureza tal que a sua falsidade seja mais milagrosa do que o facto que tenta demonstrar.' David Hume, Dos Milagres (1748)
[Usarei] esta ideia de Hume no que diz respeito a um dos milagres melhor atestados de todos os tempos, um milagre que se afirma ter sido presenciado por 70 000 pessoas e recordado por algumas delas ainda vivas. Trata-se da aparição de Nossa Senhora de Fátima. Vou citar um website católico que refere que, das muitas aparições da Virgem Maria, esta é rara porque é oficialmente reconhecida pelo Vaticano:
"A 13 de Outubro de 1917 estavam mais de 70 000 pessoas reunidas na Cova da Iria, em Fátima, Portugal. Tinham vindo presenciar um milagre que tinha sido anunciado pela Virgem Maria a três jovens visionários: Lúcia dos Santos e os seus dois primos, Jacinta e Francisco Marto […] Pouco depois do meio-dia, a Nossa Senhora apareceu aos três visionários. Quando estava prestes a partir, apontou para o Sol. Lúcia repetiu o gesto, emocionada, e as pessoas olharam para o céu […] Depois, uma onda de terror varreu a multidão porque o Sol parecia romper-se dos céus e esmagar as pessoas horrorizadas […] Justamente quando parecia que a bola de fogo iria cair e destruí-los, o milagre parou e o Sol reassumiu o seu lugar normal, brilhando pacífico como nunca. "
Se o milagre do Sol em movimento tivesse sido observado apenas por Lúcia (a jovem que no fundo foi responsável pelo culto de Fátima), não haveria muita gente que o levasse a sério. Poderia facilmente ser uma alucinação individual ou uma mentira com motivos óbvios. O que impressiona são as 70 000 testemunhas. Será que 70 000 pessoas podem ser simultaneamente vítimas da mesma alucinação? Ou conspirar numa mesma mentira? Ou, se nunca houve 70 000 testemunhas, poderia o repórter do acontecimento safar-se ao inventar tanta gente?
Apliquemos o critério de Hume. Por um lado, é-nos pedido que acreditemos numa alucinação em massa, num artifício de luz ou numa mentira colectiva envolvendo 70 000 pessoas. Isto é reconhecidamente improvável, mas é menos improvável do que a alternativa: que o Sol realmente se moveu. O Sol que estava sobre Fátima não era, afinal, um Sol privado: era o mesmo Sol que aquecia todos os outros milhões de pessoas no lado do planeta em que era dia. Se o Sol se moveu de facto, mas o acontecimento só foi visto pelas pessoas de Fátima, então teria de se ter dado um milagre ainda mais notável: teria de ter sido encenada uma ilusão de não-movimento relativamente a todos os milhões de testemunhas que não estavam em Fátima. E isso se ignorarmos o facto de que, se o Sol se tivesse realmente deslocado à velocidade referida, o sistema solar se teria desintegrado. Não temos alternativa senão a de seguir Hume, escolher a menos miraculosa das alternativas disponíveis e concluir, contrariamente à doutrina oficial do Vaticano, que o milagre de Fátima nunca aconteceu. Além disso, não é de todo claro que nos caiba a nós explicar como é que aquelas 70 000 testemunhas foram enganadas.»
Quem estiver interessado, não deve perder a argumentação de Dawlins em A Desilusão de Deus (Casa das Letras) talvez o livro mais lúcido escrito neste século. Para o chamado contraditório, podem sempre ler a contra-argumentação em O Deus de Dawkins , de Alister Mcgrath (Aletheia). Aproveitai, pois estão ambos em promoção na Feira do Livro.
Lido na Lusa: "O aumento de 1,5 por cento a partir do quarto escalão hoje anunciado pelo Governo vai elevar para 46,5 por cento a taxação no novo escalão de IRS, em vez dos 45 aprovados esta quarta feira no Parlamento. O novo escalão de IRS, que taxa em 45 por cento os rendimentos anuais cuja matéria coletável seja superior a 150 mil euros, foi aprovado na quarta feira de manhã na especialidade e à noite em votação final global no Parlamento. Com a decisão do Governo de acrescentar mais 1,5 ponto percentual nos rendimentos a partir do quarto escalão de IRS, a taxa, que ainda não foi promulgada e publicada em Diário da República, já vai sofrer um aumento para 46,5 por cento."
O Parlamento aprovou uma proposta do Governo ontem à noite. Esta manhã o Governo aprovou outra proposta que contraria a que tinha sido aprovada 12 horas antes. Querem melhor metáfora do estado da governação?
A entrevista de Ricardo Rodrigues ontem na RTP-N é mais um episódio lamentável. Ele defende-se do furto dos gravadores, quando o problema não é o furto em si: é a tentativa de impedir a publicação da entrevista à Sábado, ou seja, um atentado à liberdade de imprensa por um deputado da Comissão de Direitos Liberdades e Garantias.
Ele diz que as perguntas eram capciosas e que a revista Sábado o queria condenar por crimes a que os tribunais não o condenaram. Ora estes senhores que passam a vida a encher a boca com liberdade, democracia e Estado de Direito, esquecem-se que há uma grande diferença entre o domínio do jornalismo e o da justiça.
Em caso de dúvida, os tribunais não condenam: in dubio pro reo. Pelo contrário, em caso de dúvida, os jornais escrevem a notícia, evidenciam a dúvida, escrutinam, perguntam, esgravatam, colocam em causa. É um dever da imprensa livre perante o poder político. E aqui Ricardo Rodrigues padece de uma grande fragilidade: o caso em concreto não se tratava de um artigo manhoso feito à sua revelia sobre as dúvidas que sobre si recaem. Eram perguntas colocadas directamente às quais ele podia responder e defender-se em directo e no próprio momento. Claro, podia simplesmente ter-se ido embora, e a fuga às perguntas sobre os seus estranhos casos nunca seria assunto nacional.
Mais lamentável ainda: nenhum dos deputados que passaram meses numa comissão de inquérito a ouvir toda a gente sobre a liberdade de expressão neste país triste teve uma palavra de condenação sobre a conduta de Ricardo Rodrigues. A excepção foi Marques Guedes, do PSD.
A paciência é a virtude mais sobrevalorizada – e para quem quer sair de Ponta Delgada pode ser fatal. No aeroporto João Paulo II, bloqueado há quatro dias pela cinza islandesa, a melhor regra é não seguir as regras. A competição para os cerca de 600 lugares disponibilizados ontem pela SATA (para Lisboa) era tão grande que atropelou o critério indiscutível de permitir a saída da ilha a quem está retido há mais tempo.
Sem critérios, valeu tudo.
O padre Pedro Maria, com viagem marcada para segunda-feira para ver o Papa, foi sendo enrolado com sucessivas demoras mas conseguiu bilhete. “Intervenção divina”, brincaram dois conhecidos. “Divina nada, intervenção minha: não larguei as canelas do homem até ter a confirmação”. Marco, o operacional do Desportivo das Aves, também não esperou pela chamada da SATA (que não veio) e foi mais cedo ao aeroporto para marcar lugar para os 27 atletas da comitiva.
Este escriba, ao chegar ao aeroporto, já tinha sido comido: apesar de estar retido desde Domingo, os aviões já estavam cheios com pessoas fora dos critérios (açoreanos residentes e com voos posteriores). O conselho: esperar por um voo extraordinário. Nada disso. Insistência, pressão, furar o cordão policial e ir à descarada fazer o check-in. Fintar as regras, balançar a cintura à portuguesa. E, pasme-se, afinal lá se safaram dois bilhetes.
O homem aguentou tudo: o aumento do IVA, o caso da licenciatura, as manifestações dos professores, o processo Cova da Beira, a investigação ao Freeport, o mau gosto das casinhas, a crise do subprime, o disparo do desemprego, a derrota nas presidenciais, a derrota nas autárquicas, a derrota nas europeias, o fim da maioria absoluta, os baixos níveis de crescimento, a maior crise dos últimos 80 anos, a mudança da Ota para Alcochete, os corninhos de Pinho, o deserto de Lino, a relação com Cavaco... e agora os gregos.
José Sócrates capitulou.A partir deste momento, lidera não um Governo mas um gabinete de gestão de crise que não tem o FMI cá dentro porque é obrigado a evitar que o FMI e quejandos cá entrem. O seu projecto morreu-lhe nas mãos. Não se ouve falar de choque tecnológico. Adiam-se grandes obras. Perdem-se muitos 150 mil empregos. Vai-se ao bolso da malta para safar o País. Aumentam-se impostos. Nada a fazer. Só à força é que Sócrates foi obrigado a fazer face a uma realidade que sempre negou. Ele sempre negou o diagnóstico. Portanto, não podia aplicar a terapêutica. Estamos em fase de reanimação.
O ciclo político de José Sócrates acabou. Sempre que telefona a Passos Coelho faz dele mais primeiro-ministro. O jogo está redistribuído. Resta saber até quando. E se Sócrates vai persistir ou ceder o lugar a outro.
O padre que quer ver o Papa em Lisboa, o jogador que sonha chegar a tempo para o torneio da selecção portuguesa de sub-19, as duas mulheres que vinham de Toronto e ficaram presas numa escala nos Açores, os funcionários da embaixada chinesa que já deveriam estar em Lisboa. Todos (incluindo este escriba e várias dezenas de pessoas) queriam o mesmo: sair de São Miguel.
Alguns estavam ali porque a SATA tinha avisado, outros porque viram movimento a caminho do aeroporto, outros ainda só porque viram um avião a aterrar em Ponta Delgada. Mas sair daqui não é fácil – há muitas pessoas para poucos lugares e sobra desorganização. Em teoria, para a SATA há um conjunto de eleitos: os não residentes (que custam hotel e refeições), com os voos mais atrasados. Mas quem chega ao check-in primeiro tem vantagem e isso anula as regras, que passam a servir apenas para a lista de espera. E aqui já conta tudo: a capacidade de pressionar o funcionário já exausto ajuda; ter voo pela SATA (e não pela TAP) também pareceu ajudar.
No final, o padre, o futebolista, os chineses e este jornalista ficaram em terra – só as senhoras de Toronto entraram na Arca de Noé. A cinza islandesa adensa-se. Amanhã há mais.
O mais preocupante na histeria institucional em torno da visita de Bento XVI é a constatação de que o Estado se comporta como se houvesse uma religião oficial em Portugal. Se calhar há mesmo e eu é que andei enganado este tempo todo, julgando que isso tinha acabado no tempo do dr. Salazar (que apesar de nunca ter assumido um Estado confessional, andava sempre com o cardeal Cerejeira ao lado, just in case).
A superioridade da democracia liberal e do Estado de Direito é a garantia de direitos e liberdades segundo o primado da Lei - que é cega, universal, igual para todos. Por estes dias fica à evidência que o Estado Português, supostamente laico, não trata as religiões todas por igual. O mesmo Estado que recusou receber oficialmente o Dalai Lama - um líder religioso - vai em peregrinação ao beija-mão a Bento XVI - outro líder religioso.
Como se isso não bastasse, decreta tolerância de ponto, na presunção, errada e abusiva, de que seremos todos católicos ou, no mínimo, de que nos interessamos pela vinda do senhor Ratzinger a Portugal. Nesse pressuposto fecham-se as escolas públicas (mas não as privadas - muitas delas católicas, curiosamente), adiam-se cirurgias e consultas nos hospitais públicos, cortam-se estradas a eito e esbanjam-se dinheiros públicos, de todos, para celebrar o que só interessa a alguns. Eu, pobre ateu, interrogo-me se poderei continuar a utilizar os autocarros da Carris, agora que a Carris se assumiu, com bandeirinhas em todos os autocarros, como uma transportadora católica, coisa que eu não supus que existisse tratando-se de uma empresa pública.
Dir-me-ão: ah, a Igreja Católica ajuda os pobrezinhos, e tal, e as escolas, e o papel social da Igreja, e isto e aquilo. Se é assim, reconheça-se-lhe estatuto de utilidade pública, reconheça-se essa função social com benefícios fiscais e o que bem se entender, como a qualquer outra igreja ou IPSS que desempenhe um papel semelhante e cumpra os mesmos requisitos. Mas sempre dentro da lei, com respeito pela princípio da igualdade perante a lei.
Ir contra isto é permitir que o Estado tome parte em algo de que se devia abster: a relação de cada um com a religião. As religiões não são inócuas, são o que são: facções com uma estrutura de poder e regras, que cada um deve ter a liberdade de aceitar ou recusar. São agremiações como quaisquer outras, a que cada um deve ter a liberdade de aderir ou afastar-se. Cada um deve poder escolher a sua religião ou escolher não ter religião nenhuma. Por mim, irracionalidade por irracionalidade, escolho o Benfica - os jogos são melhores e as bifanas à volta do estádio não são más. Mas para o Estado isto tem que ser absolutamente indiferente, porque faz parte da esfera de liberdade de cada cidadão.
O que o Estado Português tem feito por estes dias é a negação de tudo isto. É empurrar-me para uma celebração de que eu não quero fazer parte e que eu agradecia que não interferisse na minha vida. É pedir muito?
No fundo, Vítor Constâncio já fala como vice-presidente do BCE. E se ele já pronuncia a palavra proibida, o acrónimo terrível para os que não se sabem governar - FMI - então é porque a coisa está mesmo mal, pior ainda do que poderíamos supor. Excerto do comunicado de Constâncio divulgado hoje:
"A mudança do clima internacional tornou inevitável, como disse há dias, que o nosso ajustamento tenha que ser agora 'mais abrupto, mais rápido e mais severo'. Portugal deve fazer por si próprio o necessário para evitar ter que recorrer aos mecanismos financeiros de empréstimo agora criados e que implicariam a negociação de um programa envolvendo também o FMI".
Os senhores deste blogue explicaram-me, no jantar que formalizou o convite e adesão da minha pessoa a esta agremiação, que havia por aqui uma regra não escrita: muita parcimónia ao escrever sobre futebol. Se for sobre a bola lá fora, tudo bem; já sobre os futebóis domésticos, a prática diz que cada um escreve sobre o seu próprio clube apenas se for para gozar com as suas misérias. Talvez por ter sido no final do jantar e das respectivas garrafas de vinho, aceitei.
Sendo assim, e como não tenho qualquer razão para gozar com o meu GLORIOSO SLB-que-acaba-de-se-sagrar-Campeão-Nacional-pela-32ª-vez-depois-de-uma-época-brilhante-de-futebol-espectáculo-com-o-Saviola-e-o-Di-Maria-e-o-Aimar-e-o-Javi-e-o-David-Luiz-e-todo-um-brilhante-plantel-(menos-o-César-Peixoto-que não joga-nada)-liderado-com-génio-pelo-Jesus, abstenho-me de comentar a festa de ontem no Marquês de Pombal.
Digo-vos apenas que, mesmo ao lado, estava aberta a Feira do Livro, onde vários sportinguistas, portistas e outros istas quase esfolavam os cotovelos de tanto os coçarem nos balcões dos quiosques de cada vez que passava por eles um adepto do GLORIOSO SLB. Para disfarçar, alguns até compravam livros.
Como este post não é sobre o GLORIOSO SLB, mas sobre a Feira do Livro, aqui fica, tipo serviço público, uma lista de grandes pechinchas (até 5 euros) que já comprei na feira deste ano:
"O Homem Secreto", Bob Woodward (Quidnovi) - 1 euro "Memórias de um Agente Secreto", William Mark Felt (Quidnovi) - 1 euro "Monstros Invisíveis", Chuck Palahniuk (Casa das Letras) - 2,90 euros "O meu século", Gunter Grass (Editorial Notícias) - 4,90 euros "Aguarelas", Gunter Grass (Editorial Notícias) - 4,90 euros "O Deus de Dawkins", Alister Mcgrath (Aletheia) - 5 euros "Memórias de um Pinga-Amor", Groucho Marx (Assírio & Alvim) - 5 euros "Tóquio Ano Zero", David Peace (Tinta da China) - oferta na compra de outros três livros
O Governo vai "suspender as aquisições militares em 2010", escreve o Diário Económico hoje na edição em papel. Os submarinos estão a navegar em testes para serem entregues: como é que o Governo vai suspender a compra dos submarinos, uma vez que só falta a entrega dos navios e o respectivo reflexo nas contas públicas? Vai adiar? Vai vendê-los? Vai usar estratagemas legais para denunciar o contrato? Ou vai mesmo recebê-los?
Percebo as paixões no futebol. Até percebo que a quem feio ame bonito lhe pareça. Não entendo é o funcionamento do cérebro de certas pessoas cultas e inteligentes que perdem o discernimento a olhar para a coisa política, que devia ser racional e não é. Esta é uma das razões do meu pessimismo antropológico.
Drew Westen escreveu Political Brain, onde descreve que os cérebros dos partidários políticos são mais racionais quando analisam as contradições dos adversários e mais emocionais quando explicam as contradições dos seus próprios camaradas. Em suma, é uma questão biológica.
O Miguel Abrantes justifica aqui a louvável "tomada de posse" realizada pelo deputado Ricardo Rodrigues, com um nível de contorcionismo só possível a certos invertebrados.
Primeiro, coloca de forma enviezada o enfoque no furto dos gravadores. Mas o sr. Rodrigues tomou posse dos ditos, não para os vender na Feira da Ladra ou por ser cleptómano, mas para impedir a publicação da entrevista. E isso ele não podia fazer, pelo menos desta maneira. Podia ir embora, dar a entrevista por terminada, podia tentar uma providência cautelar e até processar os jornalistas. Mas fugir com os gravadores sem avisar?!.
Segundo: o Abrantes classifica o "nível deontológico" dos jornalistas como "abaixo de cão". Ora eu gostava de conhecer o nível do cão do Abrantes, que deve adorar aqueles jornalistas bem comportados (e eu conheço alguns) que mandam as perguntas antes das entrevistas para as fontes pensarem bem nas respostas, e que depois enviam as respostas aos ditos para as autorizarem (há assessores tão habituados a isto que nos levam a mal quando recusamos enviar entrevistas e até declarações de ministros para eles reverem...). O Abrantes gosta de jornalismo de reverência, de jornalismo manso, desde que seja para o lado dele, claro.
O cão do Abrantes, watchdog dos interesses do PS, detesta aquilo que deve ser o jornalismo: watchdog do poder. O jornalismo que incomoda, que duvida, que põe em causa, que confronta, isso é de um nível deontológico abaixo de cão.
Um senhor deputado que manteve relações muito próximas com gente nada recomendável, que foi advogado, procurador e sócio de uma senhora que está presa por burla, não pode ser incomodado com essas perguntas, porque os tribunais já decidiram? Uma coisa é o que os tribunais provaram. Outra é o jornalismo, que também pode e deve duvidar das decisões dos tribunais (um clássico do jornalismo são os artigos sobre inocentes que afinal são culpados, ou sobre os condenados que afinal estavam inocentes). E além disso há a questão política: um deputado profundamente envolvido com gente assim tem idoneidade para representar a nação, ou para fazer as críticas que fez a João Cravinho? Não devemos fazer essas perguntas para não incomodar o nível deontológico do cão do Abrantes? A questão que pôs fim à entrevista coloca-se no mesmo âmbito: Ricardo Rodrigues abandonou o Governo Regional por causa da questão da pedofilia, portanto, a questão teve efeitos políticos que foram graves - no entanto, para o Abrantes, não é aceitável que um jornalista coloque uma questão sobre o assunto...
É claro que se compreende a vergonhosa reacção do PS ao manter a confiança no deputado: tendo em conta todas as histórias que envolvem o primeiro-ministro, eles não podem deixar cair ninguém. Se abrem uma excepção e deixam cair um, nunca se sabe onde é que a coisa pode chegar. É triste que o abstracto Miguel Abrantes venha defender o sr. Rodrigues com os argumentos do seu post, defendendo que jornalistas mansos é que são deontologicamente correctos.
- Também não é o mesmo Sócrates que sentenciou: "O Governo não entra em desnorte nem muda de orientação política". A verdade é que o Governo passou a semana em desnorte, com ministros a desmentirem-se na praça pública, até Teixeira dos Santos dizer que cada um olha de maneira diferente para as preocupações das suas pastas. É a deriva total.
- E também dever ter sido Sócrates a dizer isto, enquanto inaugurava um túnel no Marão: "Quando a acção política se deixa aconselhar pelo medo ela fica paralisada". Então se não foi cagufa, meduncho, miaúfa da crise, dos alemães e dos franceses, porque é que o Governo desmentiu tudo o que disse nos últimos dias? O PM devia ir a Bruxelas mais vezes.
07 maio 2010
:: Guarda-freio: João Cândido da Silva
Cenário: loja da Companhia das Sandes, no Oeiras Parque.
Eu: "Boa noite. Quero um cachorro só com mostarda, se faz favor." Ela: "Muito bem. Vai querer uma bebida?" Eu: "Sim. Quero um 'ice tea' de limão." Ela: "De que tamanho? Pequeno, médio?" Eu: "Pode ser médio."
Ela diz-me quanto custa. Eu entrego-lhe uma nota de dez euros e recebo o troco.
Ela afasta-se em direcção à máquina das bebidas mas volta para trás.
Ela: "O 'ice tea' é de pêssego ou de limão?" Eu: "É de limão".
Ela enche um copo de tamanho médio com o 'ice tea' de limão e coloca-o no tabuleiro. Aproveita o facto de se ter aproximado novamente de mim para fazer uma pergunta.
Ela: "O cachorro é completo, né?" Eu: "Não, não, é só com mostarda."
Ela dirige-se à cozinha para ir buscar o cachorro. Surge, pouco depois, com a sanduíche embrulhada num pacote de papel. Coloca-a no tabuleiro.
Eu: "Obrigado." Ela: "De nada, bom apetite."
Pego no tabuleiro e dirijo-me a uma mesa. Sento-me e começo a puxar o cachorro para fora do saco de papel. Verifico que, além do pão, da salsicha e da mostarda, o cachorro também tem batatas fritas palha.
Levanto-me e dirijo-me ao balcão.
Eu: "Desculpe, mas houve um engano. Eu pedi um cachorro só com mostarda." Ela: "Mas eu só coloquei mostarda no cachorro." Eu: "Não, o cachorro tem mostarda mas também tem batatas fritas. E eu não tinha pedido batatas fritas." Ela: "Ah, é que, regra geral, quando pedem o cachorro só com mostarda é porque também querem com batata frita." Eu: "Pois, acredito, mas eu pedi o meu expressamente só com mostarda e, do meu ponto de vista, 'só com mostarda' é mesmo 'só com mostarda'."
Ela resigna-se e dirige-se à cozinha. Ressurge, pouco depois, com a sanduíche embrulhada num pacote de papel. Agradeço, pego no embrulho e sento-me à mesa. Desfruto a refeição e penso se não estará na hora de escrever mais um "post" sobre este assunto, ainda para mais porque suspeito que nenhum dos meus companheiros de blogue escreveu nada hoje.
Enquanto pondero uma decisão, faço um exercício de humildade e autocrítica e coloco-me as seguintes questões: "será que estou a ser demasiado exigente? Será que um cachorro 'só com mostarda' é muito mais do aquilo que eu penso? Será que um pão com uma salsicha lambuzada de mostarda apenas alcança o estatuto de 'cachorro só com mostarda' quando inclui, também, batatas fritas palha? Se eu pedir um cachorro só com batatas fritas palha, que surpreendente revelação receberei em troca? E por que será que tudo isto quase me faz chegar a mostarda ao nariz?"
A próxima semana adivinha-se penosa. O país taxista é uma realidade. Pelo menos, durante uma semana, Portugal regressa ao deprimente passado: Papa em Fátima, Benfica campeão. Aqui fica Amália, para completar os três efes :
Acho bem. Mas ainda estaria mais de acordo se Bruxelas também escrutinasse a actuação do Governo grego, e de Executivos de outros países, que conduziu à actual situação. É que, quanto muito, as agências de "rating" serão os abutres que atacam quando lhes cheira a cadáver e não os responsáveis pelas más políticas orçamentais.
A Galp e a EDP serão "privatizadas" através da emissão de obrigações convertíveis. Muito bem. Em vez de accionistas, o Estado procura (mais) credores. Com a vantagem de manter a original tradição das privatizações à portuguesa: o Estado finge que vende e continua a mandar.
Sobre a introdução de portagens nas auto-estradas sem custos para os utilizadores, Francisco Assis diz que "não fecha totalmente a porta a uma reponderação" que "não deve ser confundida com um recuo".
Claro que não haverá qualquer confusão. Tal como na cavalaria, quando percebe que é mais conveniente recuar o actual PS dá meia volta e avança. A diferença em relação aos tempos de Guterres é que, dantes, recuava-se por tudo e por nada. Agora, só se recua onde não se deve recuar.
Mais um exemplo concreto de como a reabilitação urbana devia estar nas prioridades do investimento público. Mas não. Vamos ter TGV a par de edifícios a apodrecer até cairem. Pobres, mas com um Ferrari à porta de casa.
Aqui está, na foto anexa, outra solução preventiva para os próximos jornalistas que forem entrevistar Ricardo Rodrigues e levarem perguntas incómodas na manga. É muito improvável que este gravador caiba nos bolsos das calças do deputado.
De qualquer forma, será conveniente atar o cordel à máquina. Não é seguro que o entrevistado não venha a decidir carregá-lo às costas, qual Atlas da era moderna.
Depois de ter visto, no "site" da "Sábado", a notável actuação de Ricardo Rodrigues, aconselho todos os jornalistas a passarem a ir para as entrevistas com os gravadores atados por um cordel, como acontece com as esferográficas que costumam estar nas cabines de voto, nas eleições. Assim, será mais fácil frustrar os intentos dos larápios.
O deputado do PS, Ricardo Rodrigues - que está prestes a dar uma conferência de imprensa neste momento sobre o assunto -, digamos que asfixiou, abafou, desviou, levou emprestados dois gravadores digitais dos jornalistas da Sábado que o estavam a entrevistar. Não gostou das perguntas, aborreceu-se, não quis responder, filou os aparelhos, meteu-os no bolso com uma classe profissional e recusou-se a devolvê-los. Uma parte da coisa está aqui no site da Sábado. Os taxistas que chamam gatunos e ladrões aos deputados têm agora uma boa razão para se referirem pelo menos a um.
Os mercados europeus despenham-se, na Grécia há motins e mortos, em Portugal os juros disparam (a três anos já estão acima dos 5% que vamos cobrar aos gregos), em Bruxelas grita-se contra os especuladores e em Hong Kong um Picasso bate novo recorde do mundo (106,5 milhões de dólares). Sim – há tanta coisa a acontecer e tanto, mas tanto!, para dizer.
O PSD já divulgou algumas conclusões sobre a comissão de inquérito ao Magalhães. No mínimo, ficamos com a ideia de que tudo funcionou mal e para ficarmos descansados, esperamos que o PS também publique no seu site conclusões que possam contraditar estas. Do ponto de vista político, as audições mostram que as práticas realizadas através do Ministério das Obras Públicas foram mais do que duvidosas.
Um exemplo: a Fundação para as Comunicações Móveis foi criada a 11 de Setembro; quatro dias depois foram entregues as características do Magalhães; e oito dias depois já havia três mil computadores para distribuir numa cerimónia de propaganda com José Sócrates e 11 membros do Governo anunciando o computador de fabrico português. Num País como o nosso isto é de uma rapidez para lá de exemplar.
A confiança é essencial para os negócios. E não se pode confiar em parceiros destes, só por terem muito dinheiro para gastar. Este problema mas também este, um pouco mais antigo, afectam seriamente duas empresas portuguesas. A responsabilidade primeira destes acordos não cumpridos pela Venezuela é do primeiro-ministro português que lhes serviu de avalizador e levou os empresários em sucessivas comitivas a Caracas. Sócrates confia em Chávez. Mais ninguém.
No dia em que Paulo Portas vai a Belém falar com Cavaco Silva sobre a crise, quem anda a lixar Portugal nos mercados são os CDS. Ai o significado da sigla é diferente? Pois. Mas o CDS também nunca foi do centro democrático social.
A vida tem destas coisas. Por uma grande coincidência (nós nunca falámos do assunto), a crónica abaixo publicada pelo Bruno no i, acabou por inviabilizar a minha ideia para a Sábado desta semana: contar a história da crise através da mitologia grega. Seria mais ou menos este um pedaço de texto que tinha reservado para José Sócrates:
Agamémnon, rei de Argos, chefiou a expedição punitiva dos gregos contra Tróia, mas antes de partir para a guerra vangloriou-se de ter morto uma corça com tão grande habilidade, que nem a deusa Ártemis poderia igualá-lo. José Sócrates, antes de partir para as eleições legislativas, também se vangloriou de que estava para nascer um primeiro-ministro que com um défice tão baixo quanto o dele. Artémis puniu a presunção ímpia de Agamnénon, ao proibir os ventos de empurrarem a esquadra do rei grego. Sócrates recebeu a punição da crise internacional e dos ventos que deixaram de empurrar a economia. Agamémnon ouviu então o adivinho Calcas, que disse que só o sacrifício de Ifigénia, a sua mais bela filha, poderia apaziguar a cólera da deusa. Sócrates ouviu os áugures da economia dizerem que só sacrificando as suas belas e grandiosas obras públicas poderia aplacar os deuses dos mercados. No momento em que se preparava para decepar a sua filha, Agamémnon acabou por ser poupado a esse sofrimento e no último segundo Ifigénia foi substituída no altar por uma corça. Assim fez Sócrates: mesmo depois de Teixeira dos Santos dar o sinal de que as grandes obras públicas eram para ser reavaliadas (o TGV, a terceira travessia e o aeroporto), o PM sacrificou apenas meia autoestradazita no interior, não mais do que um pequeno gamo. Pela frente, Agamémnon tinha o longo cerco a Tróia. Já Sócrates nesta história não cerca ninguém: é ele que está cada vez mais sitiado.
Começou por ser uma tragédia grega e acabou por contagiar um pequeno país de argonautas capitaneados por um primeiro-ministro com nome de filósofo grego. Mas a Grécia não nos dá só o “contágio” financeiro – também nos deixou o tesouro da mitologia. Na tempestade que assola a economia portuguesa, como em tudo o resto na vida, há muita antiguidade clássica – Teixeira dos Santos, os mercados, o FMI e Medina Carreira, todos são a personificação de pelo menos uma figura da mitologia grega. Atiremos então um pouco da luz do Olimpo sobre esta complexa questão da “crise” – pode ser mais útil para perceber o que se passa do que uma explicação de António Peres Metello.
Ninguém ouviu as Cassandras. A mitologia conta que Cassandra, uma jovem de beleza mítica, levou Apolo a apaixonar-se por ela e a ensinar-lhe os segredos da profecia. O problema veio quando Cassandra resistiu às propostas libidinosas do deus grego, que então lhe lançou uma maldição: jamais alguém acreditaria nas suas profecias. Cassandra bem tentou avisar os troianos das desgraças que aí vinham, mas poucos acreditavam. Beleza mítica à parte, estamos a olhar para Medina Carreira e Silva Lopes – há pelo menos dez anos que andam a avisar os portugueses da desgraça iminente. Mas ninguém ouviu.
O monstro Quimera. De que catástrofes falavam as cassandras? Do crescimento da Quimera, esse monstro com cabeça e corpo de leão, além de outras duas cabeças (sempre imaginativos, os antigos), uma de dragão, outra de cabra. A Quimera lançava fogo pelas narinas. Ser tão fantástico parecia… quimérico – para os portugueses, contudo, o ilusório é bem real. O monstro da dívida, com corpo de défice e ainda duas cabeças (de dívida externa e pública), está maior do que nunca e a 3D. Temos que o matar antes que acabe connosco.
Ainda outro monstro: a Medusa. Mas há mais. As cassandras avisaram que, mais dia menos dia, a temível Medusa iria olhar para nós. A Medusa, que começou por ser mais uma jovem de mítica beleza, foi possuída no chão do templo de Atena por Poseídon, deus do mar e irmão de Zeus. Quem não gostou nada foi Atena, que transformou os seus cabelos em serpentes letais e amaldiçoou o seu olhar: quem recebia uma mirada da Medusa era transformado em pedra. A Medusa habitava no extremo Ocidente, o mesmo lugar onde habitam hoje os maiores mercados financeiros. Com os seus ferozes especuladores, os mercados foram atraídos pelo tamanho da nossa Quimera e estão a olhar para nós – mais um segundo e ficamos feitos em pedra.
Artemis na Lua. A nossa esperança actual contra esta dupla monstruosa está em Artemis (a deusa Diana dos romanos). Artemis – de óptimas famílias: filha de Zeus e irmã gémea de Apolo – era a deusa da caça, dos animais e do mundo selvagem. Levava para todo o lado o seu arco e flecha e não era divindade para brincadeiras – a lista de figuras mitológicas que matou ou transformou em animais é longa. Mais tarde, no entanto, os gregos passaram a associar Artemis a uma titã chamada Selene, deusa da Lua – e o mesmo parece estar a acontecer entre os portugueses e o Ministro das Finanças. Teixeira dos Santos foi o deus da caça ao défice nos primeiros anos no Terreiro do Paço, conseguindo com as suas flechas diminuir o tamanho da Quimera. Mas depois da crise mundial, este Artemis parece isolado e cansado, mais na Lua do que na sua coutada. Perante o olhar prolongado da Medusa assobiou para o lado e fingiu que não era com ele. Acordou esta semana – esperemos que a tempo de evitar a vinda de Hades.
Hades, austero e impiedoso. No fim da luta contra os titãs, Zeus, Poseidon e Hades partilharam entre si os despojos – nada menos que o universo. Zeus ficou com o céu e a terra, Poseidon (o Neptuno dos romanos) com os mares e Hades tornou-se deus do submundo e das riquezas. Hades reinava também sobre os mortos. Era um deus austero e insensível a preces, que inspirava tal dose de medo que as pessoas tentavam nem pronunciar o seu nome. Mas também dava bons conselhos e, no seu reino dos mortos, havia sempre espaço para mais um (razão pela qual era conhecido como o Hospitaleiro). No reino subterrâneo do Fundo Monetário Internacional (FMI) também há sempre lugar para economias mortas ou moribundas – assim como para conselhos implacáveis de austeridade e insensibilidade social. Hades já visitou Portugal nos anos 80 e deve estar agora a limpar o pó ao guia Michelin. Se voltar para controlar os monstros por nós, será a admissão humilhante do nosso fracasso. Há que fazer tudo para o manter lá longe – no submundo.
Crónica publicada este sábado, na Index, a nova revista do i
"Eu sigo o meu plano [de obras públicas] e não me impressiono. O pior que pode acontecer a um político é quando tem um plano pensar mudá-lo quando encontra uma dificuldade. Eu não sou desses".
José Sócrates, no Parlamento. 19 valores no índice de teimosia.
O país está como está. Malzinho e estagnado. Mas dá gosto saber que há áreas em que se trabalha e até se fazem planos para resolver problemas e ameaças. Ou seja, não se anda a encanar a perna à rã.
Guarda-freios: João Cândido da Silva Vítor Matos Bruno Faria Lopes Luís Miguel Afonso Pedro Esteves Adriano Nobre Filipe Santos Costa Ana Catarina Santos