O nível do cão do Abrantes
O Miguel Abrantes justifica aqui a louvável "tomada de posse" realizada pelo deputado Ricardo Rodrigues, com um nível de contorcionismo só possível a certos invertebrados.
Primeiro, coloca de forma enviezada o enfoque no furto dos gravadores. Mas o sr. Rodrigues tomou posse dos ditos, não para os vender na Feira da Ladra ou por ser cleptómano, mas para impedir a publicação da entrevista. E isso ele não podia fazer, pelo menos desta maneira. Podia ir embora, dar a entrevista por terminada, podia tentar uma providência cautelar e até processar os jornalistas. Mas fugir com os gravadores sem avisar?!.
Segundo: o Abrantes classifica o "nível deontológico" dos jornalistas como "abaixo de cão". Ora eu gostava de conhecer o nível do cão do Abrantes, que deve adorar aqueles jornalistas bem comportados (e eu conheço alguns) que mandam as perguntas antes das entrevistas para as fontes pensarem bem nas respostas, e que depois enviam as respostas aos ditos para as autorizarem (há assessores tão habituados a isto que nos levam a mal quando recusamos enviar entrevistas e até declarações de ministros para eles reverem...). O Abrantes gosta de jornalismo de reverência, de jornalismo manso, desde que seja para o lado dele, claro.
O cão do Abrantes, watchdog dos interesses do PS, detesta aquilo que deve ser o jornalismo: watchdog do poder. O jornalismo que incomoda, que duvida, que põe em causa, que confronta, isso é de um nível deontológico abaixo de cão.
Um senhor deputado que manteve relações muito próximas com gente nada recomendável, que foi advogado, procurador e sócio de uma senhora que está presa por burla, não pode ser incomodado com essas perguntas, porque os tribunais já decidiram? Uma coisa é o que os tribunais provaram. Outra é o jornalismo, que também pode e deve duvidar das decisões dos tribunais (um clássico do jornalismo são os artigos sobre inocentes que afinal são culpados, ou sobre os condenados que afinal estavam inocentes). E além disso há a questão política: um deputado profundamente envolvido com gente assim tem idoneidade para representar a nação, ou para fazer as críticas que fez a João Cravinho? Não devemos fazer essas perguntas para não incomodar o nível deontológico do cão do Abrantes? A questão que pôs fim à entrevista coloca-se no mesmo âmbito: Ricardo Rodrigues abandonou o Governo Regional por causa da questão da pedofilia, portanto, a questão teve efeitos políticos que foram graves - no entanto, para o Abrantes, não é aceitável que um jornalista coloque uma questão sobre o assunto...
É claro que se compreende a vergonhosa reacção do PS ao manter a confiança no deputado: tendo em conta todas as histórias que envolvem o primeiro-ministro, eles não podem deixar cair ninguém. Se abrem uma excepção e deixam cair um, nunca se sabe onde é que a coisa pode chegar. É triste que o abstracto Miguel Abrantes venha defender o sr. Rodrigues com os argumentos do seu post, defendendo que jornalistas mansos é que são deontologicamente correctos.
O cão do Abrantes devia ter vergonha do dono.
Etiquetas: Abrantes, gravador, Ricardo Rodrigues
10/5/10 12:44
Muito bem. A cumplicidade dos actuais responsáveis do PS com Ricardo Rodrigues revela o estado de degradação a que o partido chegou. Em vez de terem vergonha na cara, inventam desculpas.