As meninas afegãs são forçada a casar e espancadas em público quando desobedecem. Saber que acontece é diferente de ver o que acontece. O cérebro é mais sensível às imagens do que às palavras que evocam as imagens. No fim deste vídeo fica uma sensação de enjoo. A humanidade foi sempre injusta, violenta e sem remissão. Ainda assim, o mundo tem melhorado aos poucos. Há uns séculos queimavam-se pessoas no nosso querido Rossio. As nossas sociedades já foram como isto que vemos no Afeganistão. Mas "ver" dá-nos a volta ao estômago e pensamos que ainda estamos na Idade Média.
Este cavalheiro tenta, há uma semana, ver no discurso de vingança de Cavaco o discurso de vitória de um Presidente. Está no seu direito.
Ninguém duvida que ele, tendo estado na festa da vitória com o fervor e a bandeirinha dos fiéis, tenha ouvido no tal discurso uma ou duas banalidades a que os jornalistas não deram importância - pela simples razão de que não a tinham. O soundbite do discurso de Cavaco era um relambório sobre "a vitória da verdade sobre a calúnia" e "a vitória da honra sobre a infâmia." A exortação que tinha para fazer a alguns portugueses era que denunciassem as fontes de umas notícias. O cavalheiro em questão acha que sim senhor, isto é digno de um Presidente na hora da vitória. Tenho todo o prazer em discordar.
Mas na sua cegueira de defender Cavaco, aparentemente também ficou surdo. E ouviu-me dizer esta noite na SIC-N não só o que eu não disse, mas o contrário do que eu disse. Ouviu-me imputar, imagine-se, "gravitas" a Almeida Santos - talvez quando comentei que as intervenções do dito têm o mérito, se não de nos fazer pensar a política, pelo menos de nos divertir.
Oh homem, quer chafurdar nas misérias do cavaquismo, faça bom proveito. Quer discordar de mim, vamos a isso. Mas acredite, não é sobre o dr. Santos que vamos discordar. Como teria percebido, se não tivesse os ouvidos cheios de merda.
Apesar do complicadómetro eufemístico do título marinheiro é de louvar o esforço de transparência da Marinha ao publicar as fotos do navio afundado, anunciado que daqui a meia hora terá um vídeo on-line sobre o assunto. É positivo, desde que não inviabilize a ida da imprensa do local.
Carlos Beato, presidente da câmara de Grândola (independente eleito em listas do PS), que apoiou pela segunda vez a candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República, escreve hoje um artigo intrigante no Público (sem link). Basicamente, argumenta que os 53% que o povo deu a Cavaco deviam fazer esquecer os casos SLN e casa da Coelha.
Citando: "Os políticos portugueses continuam a enveredar pela via mais fácil, que é a de partirem do princípio - absolutamente ridículo e cabotino, diga-se - de que as suas certezas são as únicas respostas às mais legítimas e sentidas dúvidas do povo. Ora, como uma vez mais se constatou, o povo tem algumas dúvidas, mas tem também muitas certezas".
No fim do texto, citou-se a si próprio, como não poderia deixar de ser, e meteu Salgueiro Maia ao barulho, e estranho seria que não o fizesse. No dia 25 de Abril de 1974, Carlos Beato era alferes do capitão Maia. Quando contou espingardas e avaliou as forças do Quartel do Carmo, disse a Salgueiro Maia: "E temos o povo meu capitão!"
Ora a minha questão é só esta: se Carlos Beato arriscou o pescoço no 25 de Abril para os políticos continuarem "unnacountable" ou tão "inscrutináveis" como eram no dia 24? Foi para isso? O povo dá o mandato. Mas porque o mandato é em nome do povo, o eleito tem obrigações éticas perante o povo de justificar politicamente determinados comportamentos e condutas, coisa que Cavaco se recusou a fazer. José Sócrates noutras ocasiões também se recusou a fazê-lo. Aliás, a maioria dos políticos recusa-se a fazê-lo, mas é pena que tenha o apoio moral dos alferes de Abril...
A dedicatória "aos jovens" da vitória eleitoral de Cavaco Silva é o exemplo supremo da hipocrisia de toda uma geração de políticos que, com palavras mansas, arruínam o presente e o futuro desses "jovens". Mostra ainda uma fantástica inconsciência da frustração acumulada por milhares de pessoas, pais e filhos, um caldo de desilusão que ferve sob o verniz da sociedade.
Cavaco Silva, o principal político português da sua geração, tem por bandeira a defesa da estabilidade. Acontece que o tipo de estabilidade que Cavaco defende - que perpetua um regime com instituições fracas, um Estado social que distorce o contrato implícito entre gerações a favor dos mais velhos e uma política laboral discriminatória - é incompatível com os interesses dos jovens a quem dedicou a sua vitória.
Para esses jovens há um choque grande entre as expectativas criadas - pela família e pela educação - e a realidade do país. A bolha especulativa no ensino superior, iniciada na era de Cavaco, significou cursos sem empregabilidade, anos e dinheiro lançados ao vento. A geração mais qualificada de sempre em Portugal não tem oportunidades de trabalho que correspondam às expectativas e é a cobaia da globalização e das mudanças no paradigma do emprego, suportando com a sua precariedade a protecção conferida aos outros. Porque não conseguem o primeiro emprego ou porque saltam entre empregos precários, este jovens não são alvo das atenções generosas do Estado social quando estão desempregados. A razão: não têm "carreira contributiva", como os que estão dentro do círculo protegido. Este é o mesmo Estado social que prolongou as generosas regras de cálculo das pensões, que atribuiu centenas de milhares de pensões sociais e expandiu os gastos da Segurança Social ao arrepio da transformação demográfica - tudo elementos da factura que, a somar à conta do despesismo público, será paga pelos mesmos jovens lá mais à frente.
Estes problemas de justiça geracional, transversais à Europa social, têm sido amortizados em Portugal pela ajuda financeira da família, pela emigração e pela anestesia da cultura de entretenimento. Mas não se pode ignorar o risco que o país enfrenta ao discriminar uma geração inteira. Estes jovens, traídos no seu enorme e muitas vezes artificial amor-próprio, não terão contemplações com a geração seguinte, nem com a anterior (mais velha). Fora da política "séria", que nada lhes dá, são uma presa fácil para populistas eficazes.
A política não é a tábua de salvação para resolver o problema. Está limitada pela vontade dos eleitores e, em Portugal como noutros países europeus, as pessoas são melhores pais e avós que cidadãos. Mas a política tem de ser o ponto de partida para mudar a lei do trabalho e a respectiva fiscalização, para alterar a lógica de protecção social ou repartir o fardo social com os pensionistas. É a política que pode reforçar instituições como a justiça ou o parlamento.
Sobre este novo enquadramento de base para os "jovens", Cavaco Silva nunca se distinguiu como Presidente da República, função em que preferiu os avisos anódinos e a exaltação dos exemplos mais cómodos de "jovens de sucesso". Terá de fazer um segundo mandato espectacular para justificar esta dedicatória na noite eleitoral, o que é pouco provável. Com raras excepções, quer a sua geração política, quer a do actual primeiro-ministro, têm-se quedado imóveis, usando os jovens sobretudo para adornar discursos demagógicos virados para "o futuro da nossa nação" enquanto tratam da vidinha. São, também eles, melhores pais e avós do que políticos.
"A honra venceu a infâmia", proclamou Cavaco Silva, este domingo, no seu discurso da "vitória da verdade sobre a calúnia". Acusou os adversários: "Nunca se tinha visto os candidatos a descer a tão vil baixeza". Insinuou urdiduras: "Eles [os jornalistas] sabem quem meteu a campanha de calúnias e insinuações". Fez pedagogia: "Numa democracia debatem-se ideias e linhas de rumo". E concluiu: "Uma vez mais o povo não se deixa enganar"
Cavaco é como todos os outros políticos: não aceita que uma campanha negativa sobre si possa ser positiva para a democracia. Afinal o mau é bom? O mau não é bom, mas é positivo que os eleitores conheçam o lado negativo dos políticos que se dizem melhor que bons. Não foi Cavaco Silva a declarar que alguns tinham de nascer duas vezes para serem tão honestos quanto ele?
Falhou a Cavaco Silva um artigo de um professor de Harvard que José Sócrates também nunca leu, pois ambos partilham o discurso quando são alvo de notícias negativas em campanhas eleitorais.
William G. Meyer escreveu em 1996 um artigo na Political Science Quarterly com o título "In Defense of Negative Campaigning", onde defende que "as campanhas negativas são uma forma necessária e legítima de qualquer eleição". O artigo foi recentemente divulgado no twittter por Pedro Magalhães, investigador do ICS.
Segundo Meyer, a campanha negativa foca-se nas "fraquezas e defeitos" dos adversários, nos "erros que fizeram, nas falhas no seu carácter ou desempenho, nas más políticas que iam promover". Uma campanha negativa fornece aos eleitores "uma quantidade de informação que eles definitivamente precisam de conhecer quando decidem em que votar". Assim, escreve Meyer, "precisamos de saber os pontos fortes dos candidatos mas também precisamos de conhecer as suas fraquezas: as capacidades e as virtudes que não têm; os erros que cometeram, os problemas com que não lidaram; os assuntos de que preferem não falar."
Se um candidato "é desonesto, os eleitores precisam de ser informados", escreve o politólogo. No caso português, se um candidato diz que é duplamente mais honesto, deve ser duplamente escrutinado. O problema é que Cavaco não aceita o escrutínio público e só isso diz muito sobre ele. Até hoje, nunca respondeu com clareza a nenhuma questão sobre as acções da SLN nem sobre a permuta das casas no Algarve. Não se trata de insinuações: são factos publicados na imprensa e que levantam questões sérias e legítimas.
Ninguém na campanha de Cavaco leu Michael Pfau e Henry Kenski para decidir usar a tempo a técnica da "inoculação", e não deixar escorrer o fio viscoso da suspeita para o mandato presidencial. Estes dois investigadores fizeram experiências de campo e estudaram o efeito da "inoculação" para neutralizar campanhas negativas. É quando os candidatos tentam antecipar os ataques que provavelmente o seu adversário vão fazer, respondendo aos ataques antes de serem levantados pela oposição.
A campanha negativa foi muito positiva: deu-nos a conhecer melhor Cavaco. Se dúvidas persistem, a responsabilidade é inteiramente dele porque nunca as esclareceu.
O ponto de partida para saber se um gestor público ganha demasiado não é a comparação com o salário do primeiro-ministro, do Presidente, da chanceler alemã ou de Obama - isso é demagogia. Para avaliar há que começar por comparar o que é comparável: o pacote remuneratório total desse gestor com o equivalente para a mesma função noutras empresas, públicas (de outro país) ou privadas, olhando ainda para o desempenho. Assim, o facto de o presidente da TAP ganhar x vezes mais do que o Obama nada me diz - mas se ele ganhar 20% mais do que o CEO da Iberia já é de estranhar. Topam?
Será que vi bem? Será que me enganei no site? Não. É mesmo no site da Rádio Renascença que aparece uma rapariga decotada com este anúncio a dizer assim: "Ela: Olá. estás aí? Entra online e conversa comigo no chat!" Não havia nexexidade... tss...tss...
Às vezes esquecemo-nos que jornalismo é encontrar boas histórias e saber contá-las. Podem ser peças curtas e enxutas, e mesmo assim caber lá dentro uma história maior que a vida e um coração do tamanho do mundo.
É isso que faz este novo programa da Antena 1. Chama-se "Nós, Vencedores". São 4 minutos por dia. É a vitória do jornalismo sem peneiras.
26 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Ana Catarina Santos
Agora ficou claro porque é que os Deputados rejeitaram, afinal, que se substituíssem as pequenas garrafas de água mineral pela água da torneira no Parlamento. Vejam bem o efeito que um pequeno copo de água provoca num homem. Imaginem em 230...
O artigo de Negócios que em 2003 noticiou as reservas da Delloitte às contas do BPN. Como se viu, não valeu muito a pena. O jornalismo às vezes tem destas. Noticia-se um assunto na esperança de que não passe despercebido. Mas às vezes passa e com consequências graves.
Manchete do Diário Económico online: "PT conclui negócio com a Oi". Clicamos no título e abre o texto, repetindo o destaque: "PT conclui negócio com a Oi". Ante-título: "Exclusivo Diário Económico" Início do segundo parágrafo: "De acordo com as mesmas fontes, a assinatura do negócio não está ainda concluída."
Em que ficamos? Está concluído ou não está concluído? É que se não está concluído, está tudo na mesma e não há notícia. Muito menos para destaque em "exclusivo".
É por estas e por outras que são cada vez mais frequentes as críticas aos jornalistas pela falta de rigor e de credibilidade. Neste caso, com razão.
O ministro Rui Pereira pediu desculpa mas não esperou pela resposta. Eu costumo dizer ao meu filho mais velho de cinco anos, para não pensar que basta pedir desculpa quando faz um disparate daqueles, para se poupar ao castigo. Ele, humílimo, a dizer "mas eu já pedi desculpa". É preciso estar arrependido, explico eu, a pensar que o educo: para estar arrependido é preciso assumir o erro.
Se um ministro que pede desculpa é porque assume o erro, não pode desculpar-se à espera que alguém lhe responda sim desculpo. Dirá o ministro humílimo nas entrevistas: "Mas eu já pedi desculpa..." Não serve de nada porque ninguém lhe dá o castigo.
2.655 carros, carrinhas, viaturas de várias rodas, formas, até motas e nenhum veículo eléctrico, que se saiba, para o gabinete do PM, que devia começar a ir da Castilho a São Bento nessa grande invenção que vai fazer de nós um País da ponta por que na ponta já estamos. O Estado vai comprar, nunca é demais repeti-lo, 2.655 carros e gastar 35 milhões de euros no glorioso ano de 2011. É o que faz falta, é ter a malta bem montada, os cavalos bem arreados, que não podendo sê-lo resta-nos mesmo parecê-lo.
Poupa-se dinheiro, sim. Mas quem faz estes genéricos? Qual a percentagem de substância activa que cada um tem? Com que frequência são fiscalizados pelo Infarmed (a tal instituição cujo ex-presidente, Vasco Maria, disse há poucos anos não ter meios para fazer o seu trabalho)? E quais são as consequências do desrespeito pelas patentes, hipocritamente tolerado pelos governos? E o que restará do papel do médico se o farmacêutico tiver poder para dar o que quiser aos clientes? E como se tece a relação entre as empresas de genéricos e as farmácias?
Os genéricos trazem vantagens no preço, quer às famílias, quer ao Estado (aos contribuintes) que comparticipa os medicamentos. Mas há ainda muitas perguntas a gritar por respostas.
24 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
No discurso de Jerónimo de Sousa, no discurso de Francisco Lopes, em comentários como este. Boa parte da esquerda [com as devidas excepções] que se auto-consagra no Olimpo da moralidade e que tem a certeza inabalável sobre aquilo que o "povo" quer - aquilo que é melhor para "o povo" - não disfarça a azia quando esse mesmo povo a) elege um candidato de outras latitudes políticas, b) se abstém, urinando de grande altitude sobre todas as candidaturas políticas, incluindo obviamente as da esquerda. A democracia é muito linda e tal, mas tem destes inconvenientes - as pessoas votam se quiserem e escolhem entre aquilo que lhes põem à frente.
O lamentável discurso de vitória de Cavaco Silva dá bem a medida do seu sentido de Estado e dimensão para o cargo: ZERO. Miguel Sousa Tavares tem razão, aquela intervenção foi o "facto político da noite". Um discurso à medida de Cavaco: mesquinho, revanchista, sem grandeza nem futuro. Tudo o que não deve ser um PR, ainda para mais no momento em que acaba de ser reeleito para mais cinco anos no cargo.
Registe-se, em particular, o apelo do Presidente reeleito para que os jornalistas denunciem as fontes das notícias sobre as acções do BPN e a casa de férias de Cavaco (vulgo, casa da aldeia do BPN). Para quem não saiba, trata-se de notícias fundadas em dúvidas legítimas sobre o passado de Cavaco, mas que o próprio se recusa a esclarecer, julgando agora que a vitória de ontem resolveu o assunto. Não resolveu.
Cavaco, quando conjurou o que era manifestamente uma campanha negra contra Sócrates - o caso das escutas - ficou muito incomodado ao ver denunciada a fonte. E tinha boas razões para isso; o que o DN fez é uma mancha no jornalismo português. Agora, perante o que abusivamente chama "campanha suja", o mesmo Cavaco quer que os jornalistas façam a Sócrates aquilo que não gostou que lhe fizessem a ele.
Estamos conversados sobre o homem. É isto um Presidente?
PS: Só fica uma dúvida sobre o discurso de ontem: foi o último acto do ajuste de contas com Sócrates ou foi o primeiro?
Cavaco Silva qualificou hoje de "grande vitória" a sua reeleição como Presidente da República e dedicou-a aos jovens, "futuro da nossa pátria", a quem prometeu tudo fazer para que "reencontrem motivos para acreditar em Portugal".[Lusa]
Vai ter de ser um segundo mandato do cacete para conseguir cumprir esta.
10,6% das pessoas que se dignaram sair para o frio votaram a desperdiçar votos. Não, não desperdiçaram: os brancos e nulos não contam como votos validamente expressos, mas expressam um sentimento forte de quem faz questão de exercer um dever de cidadania e exigir: arranjem lá alguém de jeito para a próxima, senão eu voto no candidato Coelho. Cuidado e medo... Quando um cidadão destes tem esta votação significa que, se quiser, pode eleger deputados. E, se eleger deputados... onde isto está a chegar...
Tudo somado: Nobre + Coelho + brancos + nulos dá 25% dos votos, ou seja, um quarto das pessoas que foram votar estão contra o sistema. Não tenham cuidado, ou as coisas podem vir a correr muito mal.
25% do eleitorado que vota acha que o regime está esgotado. Os partidos que pensem nisto, mas na história portuguesa os regimes nunca se auto-reformam. Fiquem de olho na tropa.
Passaram mais de doze horas sobre o desfecho das eleições presidenciais. Cavaco foi reeleito à primeira volta. Constato que, apesar dessa feliz notícia, os juros da dívida ainda não começaram a descer. Noto que, apesar dessa notícia funesta, ainda vivemos em democracia. Concluo que os argumentos da campanha eleitoral talvez tenham sido ligeiramente exagerados.
A maioria silenciosa venceu e bateu todos os recordes em presidenciais. De um ponto de vista cínico, uma abstenção elevada destas significa a maturidade da democracia: quem não vota aceita que os outros escolham por si e no fim aceita o resultado sem protestos. De um ponto de vista realista, revela decepção, ignorância, protesto, passividade, desinteresse, revolta com a classe política, um voto não exercido contra a hipocrisia e o "mais do mesmo" enquanto à volta de cada um tudo piora.
Ganhou. Um independente fora do sistema com uma péssima campanha que consegue este resultado só pode pensar em formar um partido ou manter-se no activo político. Meio milhão de descontentes com o sistema deram-se ao trabalho de ir votar para escolher Nobre. Significa que há espaço político para lá dos partidos.
O poeta vale mais sozinho do que acompanhado, o que diz tudo sobre o desgaste do Governo, do Partido Socialista e do próprio Alegre. Perder 200 mil votos quando se é apoiado por dois partidos é uma dupla, tripla derrota. É claro que Sócrates não o disse: mas Alegre o quis, Alegre o teve. Com aquela soberba aparente, a derrota é toda dele. É um conforto para Sócrates que assim anula mais um adversário com um abraço de urso. Mais: o Bloco de Esquerda assim não cola. Uma vez que o BE se aburguese ao lado do PS, desaparece.
Há cinco anos, no CCB, houve gravidade, encenação e cerimonial, com Cavaco a falar no pequeno auditório, onde entrou rígido, mão dada com a mulher, ao mesmo tempo que imensa gente corria para Belém. O Presidente eleito encaixava no seu próprio guião e tinha um discurso mobilizador.
Agora, na reeleição, houve pouco entusiasmo e ausência de cerimonial, uma banalidade em linha com os resultados, menos 500 mil votos e uma triste campanha. Cavaco fez um discurso oficial sem rasgo nem novidade, quando era necessário do PR uma retórica de mobilização nacional para aguentar as dificuldades graves que o País vai viver durante o seu mandato. Parece que o País do discurso do PR não é o País em que vivemos. Quando a seguir falou aos poucos que se dignaram ir ao CCB festejar, fez um péssimo discurso, populista e que lhe vai sair caro. Convidou os jornalistas a revelarem as fontes das notícias sobre si, em vez de se oferecer para as explicar melhor. "A honra venceu a infâmia", foi a frase da noite. Resumindo, Cavaco sentiu-se ungido pelo povo, ou seja, não tem mais nada a dizer quando lhe falta dizer tudo.
Lavados os cestos da vindima, tanto faz, Cavaco ganhou e agora vai ter a prova de fogo. Tem menos credibilidade que há cinco anos, menor base de apoio, mais distância do Governo, um País muito pior e não tem uma reeleição pela frente. Vamos ver...
Perfil de Manuel Alegre, hoje no El Pais. "Manuel Alegre sigue, probablemente, convencido de que la sociedad socialista es un objetivo por el que merece la pena luchar. Un hombre de pasiones que no cree en la literatura aunque sí en la poesía, su gran pasión junto a la política, "como una forma de relación mágica con el mundo".
Perfil de Cavaco Silva, hoje no El País: “La estampa, el talante, la mirada, los discursos, los silencios, la pompa, transmiten distancia. Distancia incluso de quienes van a escuchar a su candidato en un mitin, o tratan de rozar su mano en la calle. Cavaco Silva no es un político carismático y él lo sabe.”
Cavaco não diz nada, não responde a nada, não explica nada. Mas depois diz que as notícias são "encomendas". É engraçado, porque a perspectiva da maioria dos políticos (profissionais de todos os partidos) sobre o jornalismo é esta. As notícias que não lhes agradam são "encomendas". Não são informações que os jornalistas trabalham cumprindo o seu dever de escrutinar aqueles que ocupam os cargos públicos em nome de todos nós. O candidato-presidente ainda tem a lata de convidar os jornalistas a revelarem quem os anda a alimentar. Não só sacode a água do capote, como convida os jornalistas à delação das fontes, coisa que Belém devia considerar de má memória. Curiosamente, o PS também acusou Cavaco de andar a promover "encomendas" há uns tempos e a fonte chegou a ser revelada - coisa que nunca devia ter acontecido - mas, como é óbvio, trata-se da conversa da treta habitual de quem atira ao mensageiro para esconder o que importa. Bela encomenda nos saiu...
Estas são as quartas eleições intercalares Presidenciais da democracia. São apenas intercalares e sobretudo inúteis. De 10 em 10 anos, concorrem as figuras de primeiro plano que depois cumprem os mandatos; nas décadas de permeio, umas figurinhas curiosas em bicos de pés desafiam o incumbente sem sucesso, com a noção prévia da sua impotência.
Até o Alegre de 2010 não é o mesmo de 2006. É o primeiro desta história a atirar-se contra a parede, concorrendo cinco anos depois de ter sido derrotado pelo entretanto incumbente. Entalado entre o PS e o BE, sem a aura poética da liberdade anti-sistema da campanha do milhão de votos, tem o apoio interesseiro de José Sócrates que nunca partilhará uma derrota que será exclusivamente dele. Alegre ainda não perdeu, mas:
- Em 1980, Soares Carneiro teve 40%, não foi mau, mas ficou a 15% de Ramalho Eanes.
- Em 1991, Basílio Horta teve 14% contra Mário Soares apoiado pelo PSD, que rebentou a escala com 70%.
- Em 2001, Joaquim Ferreira do Amaral prestou-se ao sacrifício: 34% contra 55% de Sampaio.
- Em 2011, resta saber por quantos ganhará Cavaco ou de que forma a desmobilização do seu eleitorado o pode prejudicar.
Feita esta conversa, conclusão: já se percebeu que, com esta história constitucional, talvez fosse melhor a solução do mandato único de sete anos. A justificação de submeter o mandato do Presidente da República ao escrutínio do voto perdeu sentido:
a) porque dada a natureza do cargo é fácil ganhar e a história prova-o;
b) porque no segundo mandato é que os Presidentes da República abandonam o cinismo do primeiro e agem descomprometidos.
Na realidade, aumentando o mandato para sete anos, sem hipótese de recandidatura, estaríamos a diminuir em três anos a duração do verdadeiro mandato presidencial de 10 anos. Era higiénico para a democracia e acabavam-se as campanhas sobre as galinhas que fogem dos pobres... dos pobres candidatos.
Enquanto o candidato presidencial Cavaco Silva executava a derradeira chantagem do "se isto for à segunda volta os juros vão subir" e o candidato Fernando Nobre sugeria que o executassem ("Dêem-me um tiro na cabeça porque sem um tiro na cabeça eu vou para Belém"), o ministro das Finanças perorava sobre outra execução - a orçamental. Teixeira dos Santos tem o dom de transformar derrotas em vitórias e ontem não foi excepção: pelas suas palavras parece que em 2010 a execução correu muito bem. Os números até foram melhores do que o governo previa em Outubro do ano passado (a velha táctica) e fornecem uma "base sólida" para chegarmos a um défice inferior a 7,3%, apontou o ministro. Boa notícia para os portugueses? Não. Fará diferença para "os mercados"? Também não.
20 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Noutros tempos, e com outros protagonistas, estes números da execução orçamental de 2010, acumulados com a manipulação e fracasso de 2009, seriam mais do que razão suficiente para demitir o Ministro das Finanças. Noutros tempos.
Com infalível regularidade Cavaco Silva lembra-nos a profundidade do seu pensamento democrático. Desta vez, avisando-nos, incautos nativos, contra uma eventual segunda volta nas presidenciais, defende que "não podemos prolongar esta campanha por mais três semanas". Não "podemos"? Porquê? Porque uma segunda volta não faz parte do combate político eleitoral em democracia? Porque numa segunda volta a coisa já piaria bem mais fino para o candidato-não-político? Porque numa segunda volta se calhar os candidatos já teriam realmente que discutir política? Porque as inconvenientes questões de carácter poderiam ficar mais inconvenientes? Porque nós, portugueses, já não aguentaríamos mais desta miserável campanha eleitoral? Não. Porque "os custos seriam muito elevados para o país e seriam sentidos pelas empresas, pelas famílias, pelos trabalhadores, desde logo, pela via da contenção do crédito e pela subida das taxas de juro". Ah, ok, então está bem. É por causa da contenção do crédito. Os mercados, sabes? Pronto, desculpa. Tudo bem, vou já ali tirar o pó ao cartão de eleitor.
Cavaco Silva, o melhor (e talvez único) não-político-profissional a ganhar eleições, é o pior em pedagogia política.
Hélas! Cavaco não sabia do papel, mas o António José Vilela descobriu-o e a Sábado já o publicou no site.
A vivenda "Marani" foi permutada pelo terreno da "Gaivota Azul" e ambos os imóveis foram avaliados em 135 mil euros.
A imprensa que o candidato preferia suave fez o seu trabalho. Até ao momento, não consigo descortinar por que razão Cavaco escondeu esta informação. Mas espero que nos próximos dias alguém me explique se, do ponto de vista do negócio, permutar a casa a um preço aparentemente baixo trazia alguma vantagem ao ex-primeiro-ministro.
Só vejo aqui algum embaraço pelo facto de a transacção meter Fantasia e "amigos" do BPN ao barulho, gente pouco recomendável.
Parece que Sócrates telefonou aflito a Merkel e o Guardian soube de tudo. A história é um furo, mas só o facto de existir torna-a eloquente: são raras as fugas de informação desta natureza e a este nível tão elevado. Parece que alguém lá naquelas bandas quer lixar "o menino de ouro do PS".
Não admira. Parece que "lá fora" já ninguém leva José Sócrates a sério:
Merkel asked Strauss-Kahn about Sócrates' dilemma. The German-speaking IMF chief was dismissive. The Portuguese plea was pointless, he said, because Sócrates would not follow any advice he was given.
ADENDA: O gabinete do PM português desmentiu a notícia e disse que a conversa relatada pelo Guardian não ocorreu. Lembram-se da história do Pedro e do Lobo?
A boca cheia de bolo rei... Década e meia depois, pelo menos Cavaco Silva não finge. Cavaco não fala porque não quer falar e dá-se ao luxo de não falar só porque não quer, o que lhe fica pior do que falar de mandíbula atulhada de massa.
As notícias da Visão a semana passada e a de hoje, provam que os vizinhos de Cavaco e aqueles com que fez negócios tinham de nascer duas vezes para serem tão honestos quanto ele.
Podíamos falar da escritura pública da permuta da Gaivota Azul. O papel desapareceu. Mas o problema de base é o papel de Cavaco que não está em vias de desaparecer porque tudo indica que será reeleito. O Presidente acha-se acima dos outros. Acha que não tem de dar explicações sobre aspectos mal explicados da sua vida. Não fala porque não lhe convém, claro, em campanha. A um Presidente exige-se mais do que a um cidadão comum, ele deve clarificar todas estas questões para que não reste uma dúvida sobre os estranhos mistérios do seu património.
Caso contrário, caminha a passo acelerado para ser mais parecido com José Sócrates do que ele gostaria, e do que nós precisaríamos.
A notícia diz que "três dirigentes sindicais foram detidos em São Bento". Para Manuel Alegre, isto já deve fazer parte da questão de vida ou de morte da democracia para a qual alertou a propósito das presidenciais. Talvez não contasse era que a longa noite (re)começasse antes das eleições.
Os principais argumentos são estes: 1) encostar Portugal às boxes não pára o contágio; 2) a ajuda é demasiado cara; 3) não há ainda mecanismo de saída. O primeiro é verdadeiro, - Portugal é agora a pequena pedra no dique - mas o oposto é também verdade: se os juros da dívida portuguesa a dez anos estiverem persistentemente acima de 7% o país é um ponto de infecção da crise da dívida. O segundo argumento, também correcto, poderá estar prestes a cair, isto se a Alemanha concordar em alargar o papel do fundo de estabilização e baixar os juros (o que levantaria um problema grande de legitimidade face à Irlanda e à Grécia...). O terceiro é verdade: todos falam da entrada, muito poucos da saída.
O Massa Monetária, que arrancou esta semana no site do Jornal de Negócios, é a primeira tentativa séria de ter (bons) jornalistas de economia a esgalharem um blogue exclusivamente dedicado à matéria - uma espécie de Alphaville à portuguesa, com as devidas diferenças ideológicas. Tivéssemos uma barra de blogues aqui no Elevador e este para lá iria. Sem barra, fica a recomendação: fiquem de olho na massa.
À falta de outros argumentos, em situações de aperto eleitoral e em desespero perante a perspectiva de uma derrota, a esquerda costuma lançar-se nas mãos de um estratagema pouco criativo mas, pelos vistos, irresistível.
Há uns anos, em eleições para a Câmara de Lisboa, por exemplo, João Soares e os seus companheiros de campanha alertaram o povo de Lisboa que uma vitória de Pedro Santana Lopes na corrida à presidência da edilidade representaria o regresso do fascismo. O povo de Lisboa não lhes ligou nenhuma, talvez porque não precisa que lhe acenem com papões para comer a sopa que bem lhe apetecer.
Agora, já se estranhava que Manuel Alegre e o albergue espanhol que o apoia, ainda não se tivessem lembrado de alertar que, com uma vitória de Cavaco Silva nas eleições presidenciais, é a própria democracia que está em perigo. Enfim, demorou mas lá acabou por acontecer.
Num estilo apoplético, Alegre declarou que esta é "uma luta de vida e de morte para a nossa democracia". Por outras palavras, se Cavaco vencer, fujam porque vem aí o fascismo. Pior: além da Presidência, a tenebrosa direita ainda vai ter uma maioria no Parlamento e o controlo do Governo, segundo as previsões do candidato Alegre que Sócrates não deve ter gostado de escutar.
Se o cenário é tão assustador quanto o poeta-candidato o pinta, talvez fosse mais avisado recolher a casa e questionar-se porque será que, dispondo de tanta superioridade moral e democracia para partilhar com o povo português, este, provavelmente, lhe vai mostrar ingratidão nas urnas.
Após o 25 de Abril já 28 cidadãos se candidataram ao Palácio de Belém. Representam, pela sua proveniência, o país quase todo: já tivemos candidatos do Minho a África, do Algarve a Trás-os-Montes, das Beiras a Lisboa e arredores. Da Madeira, nem um. Até agora.
O nome de José Manuel Coelho foi confirmado pelo Tribunal Constitucional no último momento. Talvez por essa entrada tardia, é um nome que custa a fixar para quem vive fora da Madeira. Para a maioria dos meus amigos e colegas, é simplesmente "o maluco da Madeira". Suponho que não seja por mal, mas por facilidade e hábito - a maioria já se referia assim ao dr. Jardim.
Curiosa coincidência. Também AJJ teve em tempos o sonho presidencial. Não chegou a candidatar-se porque a ideia, lançada por Marcelo Rebelo de Sousa, não passava de uma manobra de ocasião. Só Jardim a levou a sério, mas não o suficiente para arriscar o poder que tem pelo cargo que poderia ter. AJJ, já se sabe, só entra em jogos ganhos à partida. Por essa razão nunca sairá da ilha.
Parecendo que não, a candidatura de Coelho é um caso sério. Primeiro, por existir: consta que nem o próprio acreditava que conseguiria as assinaturas suficientes - mas conseguiu, e recolheu-as na coutada de AJJ. Segundo, pelo impacto: Coelho criou a oportunidade para fazer a maior campanha nacional de denúncia do jardinismo. Aliás, já eram dele e do PND as iniciativas mais impactantes de oposição a AJJ - haverá melhor exemplo da prepotência do que impedir um deputado da oposição de entrar no Parlamento para o qual foi eleito? Terceiro, pela ousadia: como é que nunca ninguém tinha pensado nisto?
Porque nunca a oposição na Madeira usou mesmas armas de Jardim, sobretudo irreverência, "lata" e populismo. O antigo presidente norte-americano Eisenhower dizia que alguém que queira ser presidente ou é doido ou é egomaníaco. Aí está, portanto, um Coelho à altura de Jardim. Que consequências retirará a oposição regional se for ele o candidato mais votado contra Cavaco?
Nos últimos anos AJJ monopolizou as notícias que saíram da Madeira: pela obra - que a houve -, mas sobretudo pelos insultos, a chantagem, a má-educação, os comícios no Chão da Lagoa ou no Bar do Henrique, as teorias conspirativas, a asneira pura e simples. Mas AJJ tornou-se repetitivo e previsível. Deixou de ter graça.
Agora, como me dizia há dias um amigo, "têm um maluco novo". Vista de fora, a relevância da política madeirense está reduzida a isto. Uma democracia a precisar de cuidados intensivos - esta é uma das heranças do jardinismo.
Ter aparecido "um maluco novo" não faz dele uma alternativa. Mas evidencia ainda mais a necessidade dessa alternativa, venha de onde vier.
" (...) Portugal’s gross general government debt-to-GDP ratio is likely to be around 80% this year, not far from the EA average and it largely avoided the housing bubbles and banking sector excesses of Ireland (or Spain). However, the government deficit remains stubbornly high and the private sector is highly indebted, to the point that Portugal has the largest negative net foreign investment position in the EA (at minus 113% of GDP at the end of 2009). In times of crisis, the debt of private institutions deemed systemically important or too politically well-connected to fail tends to become public debt. (...)
Despite the fiscal austerity package approved in May 2010, the Portuguese central government budget deficit had not yet shown meaningful signs of improvement at the end of November 2010. The year-end target of 7.3% for the general government deficit-to-GDP ratio may only be reached through an accounting trick. Another round of adjustment measures is planned for 2011, amounting to 3% of GDP on top of a 1% of GDP adjustment for 2011 already included in the May 2010 fiscal package. However, this year’s experience shows that implementation risks remain high.
Moreover, Portugal also has one of the EA’s highest levels of gross debt in the non-financial private sector, close to 250% of GDP. (...) Unlike in Spain or Ireland, the private deleveraging process does not seem to have started. The current account deficit is still very high at 9½ % of GDP in Q3 2010 — almost unchanged from pre-crisis levels, so there is no evidence either that the country in the aggregate is beginning to live within its means or that it is shifting resources from the non-traded towards the tradable sectors.
Growth in Portugal this year has been less weak than in the other EA periphery countries (Real GDP likely expanded by 1.6% in 2010) and has not fallen short of expectations yet. However, this is at least in part because Portugal has engaged in less fiscal tightening than the other EA periphery nations. The growth outlook is poor. Portugal has suffered from low growth for many years. (…) A recession in 2011 looks likely. The lack of economic growth and the limited impact of past fiscal tightening measures (...) also imply that there is a substantial risk that deficit targets for 2011 and beyond will not be met.
Yields of Portuguese sovereign debt have already risen markedly. At such high interest rates and with low growth, we consider Portugal to be quietly insolvent and likely to access the EFSF soon."
- "Muda aí de canal, que já não posso ver esta história do défice e do FMI em Portugal" - "Tens a certeza? Olha que no outro canal estão a passar as peças da campanha..."
14 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
"(...) muito provavelmente Cavaco ganhará em 23 de Janeiro. Nem Alegre, nem os quatro ou cinco diletantes que andam por aí a fingir que se tomam a sério são um obstáculo.O único autêntico obstáculo é a abstenção, que se exceder largamente o habitual talvez force uma segunda volta. Não admira que o PSD e o próprio Cavaco andem por aí a insistir que a abstenção é ilegítima.Ora a abstenção não é ilegítima. É um acto de recusa total do regime que um cidadão está no direito de não legitimar pelo seu voto (mesmo com um voto em branco). E confessemos que um regime que propõe, como alternativa para a Presidência da República, Alegre ou Cavaco merece amplamente uma recusa total. Chegou a altura de não pactuar em nada com a miséria estabelecida da política portuguesa."
Da leitura superficial do artigo que faz a capa da Visão desta semana - "Geração Nem-Nem" - comprova-se que tão ou mais importante do que as limitações no mercado de trabalho são as expectativas da geração mais nova, nascida depois de 1986. É claro que há injustiças inter-geracionais em Portugal, seja no mercado de trabalho, na segurança social ou na herança pesada de endividamento privado e público. O contrato social não está a ser respeitado pelos mais velhos. Mas o ponto fundamental num país como Portugal - que é hoje um país bem melhor do que há 30 anos - está nas expectativas criadas depois da adesão à Europa. E no choque dessas expectativas com a dura realidade.
O recurso ao FMI pouco tem a ver com patriotismo, mas sim com a vontade da Europa e a razoabilidade do actual custo do financiamento.
Tal como a aldeia gaulesa de Asterix, Portugal continua a resistir. A Grécia demorou 17 dias até ser forçada a pedir ajuda externa depois de passar os 7% nos juros da dívida pública a dez anos e a Irlanda durou pouco menos de um mês. Portugal luta: 65 dias depois de termos rompido essa linha da vida ainda estamos oficialmente de pé. Mas até quando? E a que preço?
Amigos à esquerda e à direita têm estranhado o discurso e a atitude mais agressiva de Cavaco Silva na campanha eleitoral. Parece estranho, não é, um Presidente incumbente com uma vantagem do caraças nas sondagens, a correr riscos desnecessários, a baixar a máscara da pose, e a jogar ao ataque em vez de fazer catenaccio e deixar correr o jogo até a vitória lhe cair no colo. Acontece que as coisas não são bem assim, como mostra Pedro Magalhães do Margem de Erro, neste quadro que compara as sondagens e os resultados das presidenciais em 2001. Nunca fiando...
Se a direita vier a conquistar uma maioria, um Governo e um Presidente, Manuel Alegre garante que "a democracia será mutilada". Já agora, como é que o candidato acha que a tenebrosa direita vai executar o plano? Com um canivete? Ou bastará um saca-rolhas?
Manuel Alegre parece que tem DRD4. Francisco Louçã caiu num caldeirão de DRD4 quando era pequenino. O camarada Chico Lopes é um DRD4. Cavaco Silva não parece ter nascido com DRD4. José Sócrates é um mistério. Pedro Passos Coelho é provável que não tenha. E você, sabe se tem DRD4?
O DRD4 é o gene da esquerda, segundo um estudo norte-americano de Outubro de 2010, da autoria de James H. Fowler, da Universidade da Califórnia, San Diego. O professor, cujos estudos cruzam genética com política, concluiu que a ideologia não é apenas um factor influenciado pela vida social.
“Este não é apenas um estudo típico de associação genética”, disse Fowler à Fox News. “Há uma combinação de genes e do ambiente que importam”. O estudo, publicado no Journal of Politics, analisou dois mil indivíduos e, com base nos resultados, os investigadores demonstraram que as pessoas com uma variante específica do gene DRD4 em adultos, tinham mais tendência para serem “liberais” – o que nos EUA quer dizer ser de esquerda –, desde que tivessem tido uma vida social activa na adolescência.
A investigação focou-se na dopamina, um neurotransmissor que afecta os processamento cerebral de movimentos, emoções, dor e prazer. O investigador afirma que a ideologia também se transmite geneticamente em 40% dos casos: “É quase metade genes e metade o ambiente”.
Embora não se conheça o perfil genético de Manuel Alegre ou de Cavaco Silva, parece evidente qual deles terá herdado o dito gene da esquerda. Manuel Alegre terá alimentado essa tendência genética com o seu vivido passado antifascista. Cavaco, pelo contrário teve uma juventude pacata: o rapaz de Boliqueime age como um conservador, mas umas vezes diz-se de esquerda social-democrata, outras defende que as ideologias não fazem sentido hoje, o que traduz uma posição de direita.
Na véspera das presidências, porém, a questão genética-eleitoral que se impõe é outra: quantos eleitores portugueses cheios de DRD4 vão deixar de votar em Alegre para votarem em Cavaco Silva?
O leilão de hoje de dívida pública correu bem, dadas as circunstâncias. Na maturidade a dez anos, a procura foi forte e a taxa média de 6,7% é diferente (sobretudo do ponto de vista psicológico) da linha da vida dos 7% e está abaixo dos 6,806% conseguidos no último leilão. Contudo, nos títulos a três anos o resultado foi pior: Portugal colocou 650 milhões de euros a uma taxa média de 5,396%, mais do no último leilão (4,041%) e mais do que a Grécia está a pagar (5%) pela ajuda externa a três anos (menos do que a Irlanda).
Significa este leilão que Portugal pode afastar a ideia de uma ajuda externa? A resposta: claro que não. Por um lado, mesmo com as ajudas do BCE os juros pagos continuam a ser muito altos e no mercado secundário a pressão continua a fixar as taxas na casa dos 7% - o país não só está a pagar muito caro pelo que pede emprestado, como se mantém muito vulnerável a más notícias (como estas). Por outro lado, o mercado - investidores, analistas e media internacionais - parece já estar a contar com o recurso de Portugal a essa ajuda e bem sabemos como estas profecias acabam por cumprirem-se. O país encostará se a Europa e os mercados assim o quiserem: e parecem querer. As borboletas podem não aguentar o Inverno.
Vi fugazmente, nas imagens de campanha eleitoral de ontem, o ministro Augusto Santos Silva. Disse coisas, não retive o quê.
A última vez que o vi numa ação de campanha presidencial foi em janeiro de 2006, em Vila Real. Estava com Mário Soares, contra Manuel Alegre. Avisou que Cavaco se preparava para fazer um "golpe de estado constitucional" caso fosse eleito.
Com este currículo, compreende-se que Santos Silva seja chamado para a campanha de Alegre.
Estava-se mesmo a ver: Portugal está sob um ataque especulativo (diz Manuel Alegre), portanto, para acabar com essa ingomínia e acalmar os mercados, dá-se um Xanax, ou seja, pára-se a campanha eleitoral para o Presidente da República ir falar com as "entidades europeias" explicar a "injustiça" da subida dos juros. Já agora, leva-se a Bruxelas uns manifestantes altermundialistas do Bloco. Em linguagem manuelista (era uma Manuela), "suspende-se a democracia" por uns dias para lançar gasolina sobre a fogueira à espera que o fogo nos faça o favor se apagar. Esta perspicácia dá vontade de rir, mas só me apetece chorar. O professor Cavaco andava a merecer um aperto, mas assim...
Entre o défice orçamental melhor do que o esperado e a previsão de recessão em 2011 divulgada pelo Banco de Portugal adivinhem qual é a notícia que o Financial Times e a Bloomberg estão a dar mais destaque. São estas coisas - e não as garantias oficiais do políticos - que mostram que, mais tarde ou mais cedo, Portugal irá receber ajuda externa.
Teodora Cardoso, menos redonda e mais conhecedora do que o seu governador, veio centrar a discussão sobre a situação financeira de Portugal no essencial: vai ser importante negociar bem as condições do empréstimo concedido pelo FMI e pelo fundo de emergência do euro. Mais do que declarações vazias sobre autonomia política ou do que o medo da sigla maldita é isto que interessa agora: fazer as contas do actual custo de financiamento da República e esgravatar para que o juro fixado no empréstimo seja o menos penalizador possível. Claro que para isto correr bem, o país deveria evitar fazer o negócio quando estiver já totalmente prensado contra as cordas. Mas há outras considerações na equação - a sobrevivência política do governo é uma delas.
Mesmo com a sombra lançada pelo caso BPN - que ataca os dois pilares da candidatura de Cavaco Silva, a credibilidade e a honestidade - será improvável que haja uma segunda volta. Cavaco tem sorte com os opositores: um Alegre mal preparado e refém de uma coligação anti-natura, um marxista-leninista-estalinista bem preparado e três tristes figurantes. Mas tem ainda mais sorte: Sócrates não quererá seguramente ver Manuel Alegre em Belém, com o seu discurso poético-afastado da realidade financeira do país e da Europa. E este facto estará seguramente a limitar a lama atirada contra Cavaco - coze-se o Presidente em lume brando para lhe tirar força e influência mais à frente (quando o FMI chegar e forem ventiladas ideias de demissão do governo), mas não se levanta a chama.
Além das parcas explicações de Cavaco Silva, o que mais se estranha é o silêncio generalizado das tropas cavaquistas, incluindo ex-colaboradores, amigos e, sobretudo, o presidente do partido que o apoia, o PSD. Marques Mendes falou, Teresa Caeiro também, mas pouco mais. Estratégia (de quem?) ou silêncio ensurdecedor?
Dizem os economistas que um ciclo económico tem a duração de sete anos, espantando-se quando períodos de crescimento ultrapassam esta marca. Agora, têm os estudiosos da matéria razões para ficarem deslumbrados com um outro fenómeno, um pouco menos feliz. Se as previsões mais recentes do banco central, para 2007 e 2008, se cumprirem, Portugal completará sete anos de divergência em relação à Europa. Isto é, durante aquilo que é um ciclo económico inteirinho e apesar dos sacrifícios exigidos em troca de benefícios futuros, teremos apenas conseguido ficar mais pobres em relação aos nossos principais parceiros. Se a economia portuguesa fosse como o elevador da Bica, pelo menos por cada ano a descer, passava outro a subir.
Os elevadores de Lisboa têm esta particularidade que hoje os torna únicos entre os transportes públicos: ainda têm bancos de pau, como eram antes os dos velhos eléctricos, para gente mais dada a coisas práticas que a confortos desnecessários. Não sabemos se o Elevador da Bica será um blogue desconfortável. Não será com certeza dos mais almofadados. E esperamos, pelo menos, que seja tão divertido para quem sobe como para quem desce.
Um grande Obrigado! ao Afonso, o nosso art director.
Na entrevista de hoje à RTP Cavaco Silva continuou sem clarificar a sua relação com o BPN. Do meu ponto de vista, neste momento o mais grave pode nem ser a compra das acções a €1 que estavam reservadas a Oliveira e Costa (a não ser que venha a perceber-se que essa venda foi estatutariamente ilegal). Do ponto de vista da avaliação política do candidato, o mais grave é:
a) Cavaco nunca ter dado explicações, contribuindo para a opacidade e para as dúvidas sobre o caso; é um erro político grave, mas é sobretudo um contributo para a falta de transparência em democracia;
b) remeter sempre para um comunicado manhoso, sem informação objectiva (nada diz sobre as acções da SLN), ao melhor estilo de "com a verdade me enganas", para iludir os jornais e a opinião pública;
c) remeter sempre para as declarações no Tribunal Constitucional, que nada explicam nem adiantam à informação avançada pelo Expresso em 2009;
d) sugerir na entrevista à RTP (como se fôssemos parvos), que o BPN comprou as acções da SLN sem lhe dar cavaco. Parece-me inverosímil que um gestor de conta lhe comprasse voluntariamente acções da SLN, uma sociedade fechada que detinha o próprio banco, e nada lhe dizer, sabendo-se a relação próxima que tinha com algumas figuras de proa. Mais um buraco nesta narrativa: é uma grande coincidência o gestor ter comprado os papelinhos de €1 da SLN ao pai, ao mesmo tempo que se lembrou de comprar para a filha. Foi em pacote familiar e sem avisar. Mas foi amigo.
Conclusão: com a informação que temos até ao momento, Cavaco nada fez de ilegal, talvez até tenha sido usado. Mas há leituras políticas que se podem fazer: numa eleição unipessoal coisas destas contam, porque a pessoa é a instituição; um PR não pode ser ingénuo ao ponto de se deixar usar por bandidos (ele já conhecia o perfil do Oliveira e Costa e não o evitou...); fez um mau julgamento, até porque nessa época já muita gente desconfiava do BPN, mas um PR não pode fazer muitos maus julgamentos (embora 140% de lucro não seja um julgamento tão mau...). Só uma estratégia de vitimização ou a arrogância de achar que ninguém lhe pode pedir explicações pode justificar esta atitude. Da maneira como o caso foi gerido, ficará sempre no ar que ele tinha algo a esconder.
10 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Uma das ficções sobre a actual situação financeira de Portugal é acreditar que o governo pode dar sinais aos mercados até Fevereiro ou Março de que irá cumprir a meta de défice orçamental de 4,6% - e que os mercados irão rejubilar de alívio perante esses sinais.
É ficção porque até pelo menos Abril/Maio a execução orçamental pouco diz sobre o andamento das finanças públicas. Este ano haverá um efeito imediato na despesa visível no boletim a publicar em Fevereiro (com os cortes nos salários, por exemplo), mas é cedo para perceber coisas como a) a evolução da receita fiscal (fora do controlo do governo e origem do descalabro de 2009) e b) a capacidade de execução orçamental por parte deste governo, que falhou os últimos três exercícios.
Curiosamente, as pessoas que defendem que estes sinais serão decisivos são quase sempre as mesmas que chamam a atenção para o facto de esta crise ser do euro e não um exclusivo de Portugal. Quer isto dizer que acreditam que informação prematura e pouco fiável sobre a execução orçamental portuguesa - falhada com estrondo em dois anos seguidos - pode tirar o país do meio de um furacão que já se alastra ao coração da zona euro. A isto chama-se fé.
Guarda-freios: João Cândido da Silva Vítor Matos Bruno Faria Lopes Luís Miguel Afonso Pedro Esteves Adriano Nobre Filipe Santos Costa Ana Catarina Santos