A incrível dedicatória de Cavaco aos "jovens"
A dedicatória "aos jovens" da vitória eleitoral de Cavaco Silva é o exemplo supremo da hipocrisia de toda uma geração de políticos que, com palavras mansas, arruínam o presente e o futuro desses "jovens". Mostra ainda uma fantástica inconsciência da frustração acumulada por milhares de pessoas, pais e filhos, um caldo de desilusão que ferve sob o verniz da sociedade.
Cavaco Silva, o principal político português da sua geração, tem por bandeira a defesa da estabilidade. Acontece que o tipo de estabilidade que Cavaco defende - que perpetua um regime com instituições fracas, um Estado social que distorce o contrato implícito entre gerações a favor dos mais velhos e uma política laboral discriminatória - é incompatível com os interesses dos jovens a quem dedicou a sua vitória.
Para esses jovens há um choque grande entre as expectativas criadas - pela família e pela educação - e a realidade do país. A bolha especulativa no ensino superior, iniciada na era de Cavaco, significou cursos sem empregabilidade, anos e dinheiro lançados ao vento. A geração mais qualificada de sempre em Portugal não tem oportunidades de trabalho que correspondam às expectativas e é a cobaia da globalização e das mudanças no paradigma do emprego, suportando com a sua precariedade a protecção conferida aos outros. Porque não conseguem o primeiro emprego ou porque saltam entre empregos precários, este jovens não são alvo das atenções generosas do Estado social quando estão desempregados. A razão: não têm "carreira contributiva", como os que estão dentro do círculo protegido. Este é o mesmo Estado social que prolongou as generosas regras de cálculo das pensões, que atribuiu centenas de milhares de pensões sociais e expandiu os gastos da Segurança Social ao arrepio da transformação demográfica - tudo elementos da factura que, a somar à conta do despesismo público, será paga pelos mesmos jovens lá mais à frente.
Estes problemas de justiça geracional, transversais à Europa social, têm sido amortizados em Portugal pela ajuda financeira da família, pela emigração e pela anestesia da cultura de entretenimento. Mas não se pode ignorar o risco que o país enfrenta ao discriminar uma geração inteira. Estes jovens, traídos no seu enorme e muitas vezes artificial amor-próprio, não terão contemplações com a geração seguinte, nem com a anterior (mais velha). Fora da política "séria", que nada lhes dá, são uma presa fácil para populistas eficazes.
A política não é a tábua de salvação para resolver o problema. Está limitada pela vontade dos eleitores e, em Portugal como noutros países europeus, as pessoas são melhores pais e avós que cidadãos. Mas a política tem de ser o ponto de partida para mudar a lei do trabalho e a respectiva fiscalização, para alterar a lógica de protecção social ou repartir o fardo social com os pensionistas. É a política que pode reforçar instituições como a justiça ou o parlamento.
Sobre este novo enquadramento de base para os "jovens", Cavaco Silva nunca se distinguiu como Presidente da República, função em que preferiu os avisos anódinos e a exaltação dos exemplos mais cómodos de "jovens de sucesso". Terá de fazer um segundo mandato espectacular para justificar esta dedicatória na noite eleitoral, o que é pouco provável. Com raras excepções, quer a sua geração política, quer a do actual primeiro-ministro, têm-se quedado imóveis, usando os jovens sobretudo para adornar discursos demagógicos virados para "o futuro da nossa nação" enquanto tratam da vidinha. São, também eles, melhores pais e avós do que políticos.