Já andam aí os moralistas do costume a dizer que o jogo de ontem em Coimbra deveria ter sido interrompido porque jogar naquela piscina não é futebol e porque o espectáculo foi mau e porque os espectadores pagaram o bilhete e mereciam melhor e etc. etc. Tangas. Muitos jogos da I Liga portuguesa são uma merda com ou sem chuva: 90 minutos de faltas e lentidão. Ontem houve combate, raça e um bom golo – e quando se passar o filme da época este Académica vs. Porto vai ser daqueles momentos exóticos em que se perceberá quem teve fibra para ganhar o campeonato.
Ao longo do seu mandato, Cavaco Silva tem parecido aqueles jogadores de futebol que fazem entradas fora de tempo.
Muitas vezes, tendo razão, ao entrar fora de tempo, não tocou na bola e foi às canelas do sujeito.
Hoje voltou a entrar fora de tempo. Fez o discurso que devia ter feito há semanas.
O momento é grave, explosivo e insustentável, mas Cavaco - que chegou a falar à nação para justificar a promulgação dos casamentos gay - intervém in extremis. Desta vez entrou tarde, mas felizmente já nem lá estavam bola nem pernas de outros jogadores. A coisa já estava resolvida. Menos mal.
São quase 21h.
Parece que Governo e PSD chegaram a acordo para o orçamento.
É estranha esta sensação de alívio por ter acontecido uma coisa má.
De mestre: Governo e PSD anunciarem o acordo antes de Cavaco falar. Agora a Cavaco resta o quê? Cancelar a comunicação? Congratular-se? Ou reclamar parte dos louros da solução?
Ainda nem nasceu e já é um morto-vivo, como de forma brilhante demonstrou hoje o nosso Bruno Faria Lopes no i.
«Para David Schnautz, Portugal é uma linha numa folha de cálculo.
Ontem de manhã, emprestou-nos dinheiro, comprando obrigações da República. Depois, foi surpreendido: afinal não há Orçamento - os juros dispararam. Schnautz sentiu-se enganado. E ironizou, ao Negócios: "Da próxima vez que participar num leilão de dívida de Portugal, é provável que queira cobrar um prémio de juro 'contra todos os riscos'...".»
«Quando José Sócrates e Passos Coelho saem de Portugal, como saíram ontem, ficam imediatamente lúcidos.»
"Não há espaço para Salomão: os vilões da negociação orçamental", por José Manuel Fernandes, no "Público", sobre a reserva mental com que Fernando Teixeira dos Santos se sentou à mesa nas negociações e os sinais claros de que as principais reponsabilidades no fracasso têm que ser atribuídas ao Governo.
Cavaco&Maria no papel de representantes máximos da pátria é algo que não deixa muita boa gente esquecer-se de onde vem. Cavaco&Maria rompem a narrativa de sofisticação e de indiferença urbana construída por essa boa gente que, tal como a maioria do país, partilha as origens de Cavaco&Maria. É como se tivessem que renegar a família duas vezes. E isso, essa boa gente não perdoa.
Esta proposta de Orçamento do Estado para 2011 até pode ser viabilizada, mas nunca vai ser cumprida. Se passar, vai ser executada por um governo fraco, a prazo, sem força política para conseguir os cortes de despesa que ali estão inscritos, os maiores desta jovem democracia portuguesa.
A novela gordurosa sobre o Orçamento é, por isso, como a novela gordurosa sobre as obras públicas e outras novelas gordurosas que tais - longas e oleosas conversas sobre uma coisa que está morta à nascença. Nesse sentido, é uma novela muito portuguesa.
Vamos simular um jogo: você confia mais em José Sócrates ou em Pedro Passos Coelho? Então imagine que você é um Investidor e está sentado numa sala. Em duas salas diferentes, contíguas à sua, estão José Sócrates e Passos Coelho, que terão o papel de Administradores. Nunca podem falar uns com os outros.
O jogo funciona assim: como Investidor, você tem €10 e pode aumentar o património com a ajuda dos Administradores. Você tem a possibilidade de enviar parte ou a totalidade do seu dinheiro para as outras salas. Todo o valor que você enviar, triplicará antes de chegar às mãos dos Administradores. Mas você está nas mãos de Sócrates e de Passos Coelho. Cada um deles tem liberdade para lhe devolver uma parte ou a totalidade do dinheiro. Por exemplo: se o Investidor enviar €1, o Administrador pode devolver €1, €2, €3, ou não devolver nada.
- Que parte dos seus €10 dará você a cada um? E quantos euros espera que cada um deles devolva? Escreva os resultados num papel e compare. (Se quiser, responda na caixa de comentários)
Este jogo mede a confiança que tem em cada um deles. Se desejar, ponha outros políticos na equação. Você vai pensar quais as probabilidades deles o enganarem, tendo em conta a reputação de ambos e os preconceitos foi criando ao longo do tempo em relação aos dois.
O resultado final também serve para apurar quem você acha que mentiu durante as negociações doOrçamento do Estado.
A confiança influencia a economia Este tipo de jogos é comum nas escolas superiores de gestão e as suas variações estão descritas no livro Secrets of the Moneylab, do economista Kay-Yut Chen e da jornalista Marina Krakovsky.
Agora que já fez o jogo, fique a saber que uma das conclusões deste tipo de estudos nas universidades a seguinte: há uma grande probabilidade de o Administrador trair o Investidor em qualquer fase do processo.
A confiança é um factor essencial na economia e na política. A subida das taxas de juro da dívida públicaassim que se soube do falhanço das negociações entre PS e PSD mostram falta de confiança dos mercados nos políticos portugueses. Esse é outro dos défices de Portugal. Os economistas Paul Zak e Stephen Knac concluíram que a confiança é um dos mais fortes indicadores da riqueza de um Pais.
Quando se pergunta no Brasil ou no Uganda se podemos confiar na maioria das pessoas, a resposta não chega a 10%. Na Dinamarca e na Suécia é de 60%. E você, acha que se pode confiar na maioria das pessoas em Portugal?
As várias estimativas para o fosso entre PSD e governo – 0,13% (Público), 0,08% (DE), 0,25% (DN), 0,29% (i - feito por mim) – são a prova maior de que andam, de facto, a gozar connosco.
... em que havia líderes políticos em Portugal que se entendiam em nome dos superiores interesses da nação. É engraçado ver os jornais de 1983 e ler Silva Lopes chamar irresponsável a João Salgueiro, que tinha sido o ministro das Finanças do Governo AD de Balsemão.
...Era preciso aplicar medidas tão duras, tão duras, impostas de fora, que só um acordo entre os dois maiores partidos políticos tornaria possível a sua viabilização. Vinha aí o FMI, e com ele perdas no poder de compra superiores a 5% para toda a gente, e sacrifícios dramáticos.
As pessoas assustaram-se e com razão. Os portugueses tinham medo de ter fome e de não haver bens nas mercearias. Houve fome. A economia contraiu-se 1% em 1984. Mas em 1987 já crescia 7%.
Hoje em Portugal só não há mais fome por causa das instituições sociais. Mas com esta crise de irresponsabilidade política corremos muitos riscos. Um deles é voltarmos a ter um drama social grave. Se o FMI regressar com as suas fórmulas cegas, o que virá aí?
É curioso como os Abrantes acusam Passos Coelho começar a sair demasiado caro ao País. Nas anteriores variações dos mercados desfavoráveis a Portugal, nunca repararam como José Sócrates estava a sair demasiado caro ao País: por exemplo, enganado toda a gente no valor do défice e deixando a despesa derrapar sem controlo.
É claro que a estratégia de Passos é suicidária se chumbar o orçamento. Devia ter anunciado a abstenção há muito tempo. Mas agora, com este compasso de espera do PSD, Sócrates vai fritar no Conselho Europeu e no Conselho de Estado. Se o PSD anunciar a abstenção invocando as consequências catastróficas de um chumbo, então Passos salva a face e amarra Sócrates solitário a um mau orçamento, que o penalizará eleitoralmente. Se não o fizer, alguém tem aí um bilhete de avião baratucho?... Vou para qualquer lado.
Nunca António Borges imaginou que ia chegar tão cedo ao poder em Portugal. Depois da tentativa falhada de entrar pelos canais formais, oficiais, de acesso ao poder, ou seja pelo interior do sistema político através dos partidos políticos (neste caso o PSD) e do voto, Borges tem agora a porta escancarada para entrar (e mandar) em Portugal através de canais alternativos de acesso ao poder. António Borges foi nomeado Director do Departamento Europeu do FMI, que está com um pé (ou os dois) em Portugal. Esta é uma perversidade grave do sistema político, não apenas o português. E é, mais grave ainda, uma subversão da democracia representativa e do poder dos Estados. A ascensão e cada vez maior domínio dos meios não representativos e, como tal, não democráticos, de acesso aos órgãos de poder político em nações soberanas como a nossa, são preocupantes e deviam merecer uma reflexão colectiva urgente. Quem escolheu os homens do FMI? Quem votou neles? Que interesses representam? Por que mandam em Estados independentes? A que leis obedecem? Qual a Constituição que defendem? Quem os fiscaliza?
Eu bem avisei aqui, que se eles não levassem gravadores para as reuniões, corríamos o risco de nunca saber quem falava verdade. Mas confesso que falhei uma previsão: nunca pensei que fosse tão rápido...
Cheira-me que nesta troca de argumentos entre Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos, tudo se resume a uma questão de credibilidade. É ouvir um e outro e ponderar que credibilidade um e outro nos merecem. Por mim, apesar de nesta novela não haver meninos de coro, sei bem em quem não acredito.
26 outubro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
A maratona negocial sobre o Orçamento do Estado para 2011 é ridícula.
O que está a ser discutido?
Mais cortes na despesa para evitar a subida de 1 ponto do IVA: um ponto de negociação que vale cerca de 550 milhões de euros (1,3% da receita fiscal prevista para 2011). A reversão dos cortes nas deduções e nos benefícios fiscais, que o PSD já viabilizou, via abstenção, no PEC votado em Março. O adiamento de parcerias-público privadas sem impacto orçamental em 2011, com eventual necessidade de indemnizar empresas. O IVA nos achocolatados e nos óleos alimentares. A "verdade" das contas públicas em 2010. A agência para controlar a execução orçamental.
Alguém acredita que estes pontos são suficientes para alterar profudamente a proposta governamental de Orçamento do Estado para 2011? Alguém acredita que o país possa mergulhar numa recessão ainda mais profunda, sem acesso a financiamento externo, devido ao fracasso das negociações sobre estes pontos?
A crise económica é a mais dura porque afecta directamente o nosso bolso, o nosso emprego, os nossos planos. Mas é a crise política – o enorme défice de liderança política num momento tão delicado – que mata definitivamente a esperança.
25 outubro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Estes teasers da French Connection são tão bons que foi difícil escolher um para mostrar aqui. Fica este, da colecção feminina. The woman. Outros se seguirão.
As principais exigências feitas há semanas pelo PSD – e agora concretamente negociadas nas rondas com o governo – passam por cima de um problema essencial neste Orçamento: a capacidade de, em apenas um ano, o Executivo socialista conseguir cortar ainda mais despesa pública.
O PSD tem razão ao castigar politicamente o governo pelo incompreensível fracasso na consolidação orçamental em 2010. Mas age de forma ingénua ao pedir que praticamente todo o esforço no próximo ano seja feito do lado dos gastos – eu já me daria por muito satisfeito se este governo minoritário e politicamente fragilizado fosse capaz de fazer o que prevê na proposta de OE/2011, ou seja, consolidar dois terços pelo lado dos gastos e realizar o maior corte na despesa pública total em democracia. Pedir mais do que isso sob pressão externa e em tão curto espaço de tempo – e com estes actores – arrisca ser puro irrealismo político.
Nesta época (1976) era difícil metê-los no bolso. Franciso Pinto Balsemão e Marcelo Rebelo de Sousa entrevistavam aqui para o Expresso o candidato presidencial Ramalho Eanes. A grande ironia desta foto é que, seis anos depois, os dois homens seriam Presidente e primeiro-ministro e passariam a conversar na presença de gravadores para depois não haver versões diferentes das conversas, diz-que-disse e tal...
Avancemos agora 34 anos na história: Pedro Passos Coelho disse que não voltava a falar com José Sócrates sem ser na presença de testemunhas. Portanto, recomendamos a Eduardo Catroga e a Teixeira dos Santos que se façam acompanhar do devido gravador para registarem para sempre as conversas durante as negociações do Orçamento de Estado: a posteridade agradecerá e assim para o ano quando descobrirem o fracasso da execução orçamental, evitaremos o triste espectáculo de os senhores se andarem a acusar de mentirosos.
Se eles dantes se davam ao trabalho com tijolos para cassetes de fita magnética, agora com os modelos pequeninos daqueles que o deputado Ricardo Rodrigues "tomou posse" é muito mais fácil.
Um doente que não acredita estar doente não se trata e um viciado que não assume a adição consome-se no vício. Como eles, José Sócrates e Passos Coelho vivem em estado de negação sobre as doenças do País e os seus próprios vícios, portanto isso impede-os de governar.
O caso de José Sócrates é grave por ser crónico e permanente. A última manifestação do estado de negação agudo em que vive o primeiro-ministro deu-se esta semana, quando declarou que este Orçamento do Estado, que aumenta impostos e corta abonos de família, “protege a economia, o emprego e o modelo social em que queremos viver”. É novilíngua pura, prova de que o duplipensar não é exclusivo dos totalitarismos. Só George Orwell inventaria uma fala melhor se criasse um personagem que fosse speachwriter em São Bento.
Por sua vez, Pedro Passos Coelho culpa o PS: o estado de negação da realidade por parte do Governo e o optimismo utópico do primeiro-ministro deixaram o País como está. Passos Coelho começa a desenvolver, porém, um estado de negação que pode degenerar na doença política de Sócrates: esteve semanas em estado de negação sobre a gravidade das consequências de um chumbo do OE, quando isso poderá arrastar-nos a todos para a catástrofe, em vez de ser apenas uma desgraça.
A negação é um mecanismo de defesa postulado por Sigmund Freud – segundo explica a Wikipédia – através do qual uma pessoa confrontada com um facto demasiado desconfortável acaba por o rejeitar, insistindo que não é verdade apesar da clareza das evidências. Há vários graus de negação:
a) a negação simples – trata-se da negação da realidade e do facto desagradável: é o que faz José Sócrates há anos; b) a minimização – o sujeito admite o facto mas nega a seriedade do mesmo: é o que tem feito Passos Coelho em relação ao chumbo do OE;
c) a projecção – admite o facto e a seriedade mas nega a responsabilidade: caso de Sócrates quando admite a necessidade de medidas dramáticas mas culpa os mercados; situação de Passos ao projectar todas as responsabilidades no Governo em vez de se preocupar com as consequências de um chumbo orçamental;
Anna Freud aprofundou o conceito de negação e classificou-o como um mecanismo da mente imatura, porque entra em conflito com a capacidade de aprender e lidar com a realidade. À luz desta análise, os dois políticos parecem padecer de mentes imaturas, com agravantes: evitar a negação é um dos primeiros passos para um doente se tratar ou um viciado começar uma desintoxicação. Mas Sócrates está tão viciado no poder que não admite que os malefícios da sua governação levaram o doente a precisar de tratamento de choque; e Passos não percebe que o paciente precisa de se tratar já, tempo para não entrar em coma.
Se Passos ainda vive apenas num estado de negação sobre o impacto dos seus actos, Sócrates chegou ao grau da negação da negação, estado último que só um tratamento compulsivo consegue resolver.
Os "sacrifícios" estão pedidos, a palavra "austeridade" começa a ser absorvida pelos portugueses, a telenovela da aprovação do Orçamento aproxima-se do final esperado - mas, depois de apresentadas as más notícias, e com o Orçamento do Estado aprovado, qual será a maior ameaça ao cumprimento dos planos para 2011? Os riscos de um Orçamento costumam estar concentrados em factores que o governo não controla - como o cenário previsto para a economia e a evolução da receita fiscal -, mas no "Orçamento mais importante dos últimos 25 anos", como lhe chamou Teixeira dos Santos, há uma inversão inédita: o maior risco é precisamente a parte do esforço que depende directamente do governo.
Dois terços do esforço de consolidação orçamental no próximo ano virão de cortes na despesa pública - o governo socialista quer cortar cerca de 5% na factura total das administrações públicas, o maior corte desde o 25 de Abril. Para se perceber a magnitude da tarefa basta olhar para o historial da despesa nas últimas três décadas: em 32 anos, só uma vez, em 1983, com um governo de bloco central (Soares/Mota Pinto) e o FMI em acção, é que a despesa pública total desceu, e mesmo assim apenas 1,9%. Em 1994 houve uma diminuição imperceptível (-0,3%) e na década passada o melhor resultado foi um crescimento de 1,3% dos gastos, em 2006. Este ano, já com um ambiente de urgência à volta das contas públicas, o governo não evitará uma nova subida da despesa.
No meio do turbilhão mediático que rodeia a aprovação do Orçamento, este ponto fulcral tem passado largamente ao lado das atenções internas: um governo minoritário e hostilizado por toda a oposição, que em quatro anos de maioria absoluta nunca conseguiu cortar na despesa pública em termos nominais, garante agora aos portugueses e aos credores internacionais que será capaz de fazer o maior corte de despesa na história da democracia. Mais: um governo que matou a sua própria credibilidade, acabando definitivamente com que lhe restava de mobilização do país e de capacidade de liderança política, assenta a sua estratégia de consolidação orçamental num corte de 6,1% da despesa corrente sem juros, uma componente que em 32 anos nenhum governo conseguiu diminuir.
Mesmo com medidas raras como o corte de salários - e com o risco de a desorçamentação atingir níveis recorde - é precisa uma fantástica dose de optimismo e de ingenuidade para não duvidar destas metas. Se internamente este facto parece passar por enquanto sob o radar, lá fora as dúvidas vão manter-se, pelo menos até à apresentação de resultados concretos. As demoras injustificáveis na aprovação deste orçamento estão a alimentar a pressão sobre a dívida, sim - mas as dúvidas sobre a capacidade do governo de Sócrates pesam mais.
Neste cenário há dois pontos a considerar. O primeiro: com um parlamento impreparado e ignorado pelo governo, e numa sociedade civil sem think tanks credíveis na área da economia, a necessidade de criação de uma agência independente que controle a execução das contas públicas (como sugeriu o governador do Banco de Portugal) é incontornável. O segundo: enquanto mantemos aberto o acesso aos mercados de obrigações, não seria má ideia debater as vantagens e desvantagens de recorrer ao apoio do FMI como avalizador (tal como em 1983) das políticas portuguesas. Não é tanto o dinheiro do fundo que interessa, mas a credibilidade que pode emprestar, com juros, a um país enterrado pela incompetência política.
Um tipo passa a vida a escrever sobre intrigalhada política menor e um dia vai ouvir o que custa vida da boca de quem sofre tão inocentemente que nem sabe porque dói. E depois um tipo fica aflito, aquilo passa dias a moer a cabeça de um gajo, por parecer tudo tão frágil nesta vida e porque sabemos que las hay mas não queremos ver, porque o Estado Social é uma abstracção sem face, mas o estado de necessidade tem vidas lá dentro, tem crianças que de manhã bebem meio copo de leite para os seis pacotes darem para a semana toda. As que bebem têm sorte.
O artigo que escrevi na Sábado há uma semana sobre as cinco "crianças com fome" foi das coisas mais compensadoras que fiz em 16 anos de jornalismo. Tudo porque ao longo dos últimos dias, recebi dezenas de emails e telefonemas de gente de todo o país a querer ajudar, e hoje continuei receber emails e telefonemas de gente que insiste em auxiliar anonimamente aquelas famílias, e que se emocionou com as histórias contadas na primeira pessoa pelas crianças. É claro que há mais crianças necessitadas em Portugal e casos mais dramáticos ainda, mas estas têm (não um rosto), mas uma narrativa que pela sua ingenuidade nos cospe na cara o mundo infame por detrás dos discursos sobre percentagens de pobreza (à esquerda) ou "preguiçosos" que vivem à custa do rendimento mínimo (à direita).
Resumindo: em plena crise e no meio desta sociedade egoísta, há quem se sinta incomodado e tenha a iniciativa de contribuir para mudar um pouco os males deste mundo, na medida que puder. Não é caridadezinha. São pessoas que sentem uma pulsão para fazerem elas próprias alguma coisa, que não atiram as responsabilidades para o social do Estado e talvez seja verdade, talvez assim as nossas vidas tenham mais sentido. Afinal, nem tudo está perdido quando tudo parece perdido. E às vezes vale a pena ser jornalista.
A nossa sorte é a União Europeia. Sem Europa, momentos como este seriam perigosíssimos para Portugal. Fora do mundo da partidarite, quem é que ainda acredita nos nossos líderes? O FSC falava ontem "nesta gente", quando ao comentar na SIC-N se referia às lideranças dos partidos do arco do poder. Em momentos como este, se não fosse a Europa, já havia tropas a preparar um golpe de Estado para dar o poder a homem providencial qualquer. Mas como felizmente somos menos latino-americanos do que já fomos, o meu temor já não é o de uma ditadura vinda do nada: são os fenómenos de populismos perigosos para a democracia que têm nestes momentos de crise a humidade perfeita para se desenvolverem como fungos.
20 outubro 2010
:: Guarda-freio: Ana Catarina Santos
Hoje ficámos todos a saber que o Pedro gosta de leite com chocolate e aprecia a margarina e o óleo alimentar. Ficámos também todos a saber que o Pedro, apesar do ar pouco latino, gosta muito de dançar o tango. Quem sabe se um destes dias, aproveitando a presença do Cirque du Soleil em Portugal, vai pedir um emprego em part-time como bailarino. Ou até como contorcionista. Impondo algumas condições, claro!
O nosso Fernando tem conseguido consecutivamente manter-se à frente do ranking europeu e voltou a ser escolhido como número um, Portugal está em grande: eis senhoras e senhores, segundo o Financial Times, o pior ministro das Finanças da União Europeia:
Entendo que professores universitários, comentadores, economistas e políticos brinquem com a noção de chumbo deste orçamento - que desafiem a lógica de "aplacar os mercados de obrigações", que proponham um regresso-à-política-sem-pensar-em-consequências, que aconselhem Passos a chumbar se "achar que o Orçamento não é bom", etc. etc. Parece-me tudo muito nobre. E corajoso. Deixemos o receio mesquinho da reacção dos mercados para, por exemplo, essa gente pequena e de vistas curtas que, por azar ou burrice, teve a ideia de fundar um negócio e de criar emprego em Portugal.
José Sócrates está tão sozinho que mesmo assim não mete dó. Nunca se viu nada igual: Cavaco Silva teve sempre o seu Vasco Graça Moura para defender o indefensável nos jornais; Santana Lopes contou sempre com o seu Luís Delgado para o apoiar na televisão e na imprensa. Hoje, já não consigo vislumbrar um único cronista a defender o PM.Ninguém acredita nele, nem na "determinação", nem no "optimismo". Os 35% que a sondagem do Expresso ainda dão ao PS parecem ter mais a ver com o efeito dos tiros nos pés de Passos Coelho do que com a popularidade de Sócrates. Quantos acreditarão nele dentro do Governo, com excepção dos Abrantes?
Alberto João Jardim e José Sócrates parecem gémeos separados à nascença. É verdade que Sócrates gosta de comer risotto em restaurantes finos e AJJ gosta de espetada com vinho seco no Chão da Lagoa; AJJ não se engasga com línguas estrangeiras e Sócrates envergonha-nos com o “portunhol” e o “bad english”; Sócrates aposta num look cool e AJJ... não. Mas se olharmos para o que é politicamente relevante, veremos que são cada vez mais parecidos.
1. Ambos se dão mal com o controlo democrático da governação. Para Sócrates, o Parlamento é um palco de propaganda e ataque às oposições – vai lá muito, mas responde a pouco. E a comunicação social que insiste em fazer jornalismo é tratada com pressões e acusações. Com AJJ também, mas em pior. O clássico sistema de freios e contrapesos para prevenir abusos do poder é treta. Jardim mal põe os pés no parlamento regional, que manifestamente despreza. Graças à hegemonia obediente do PSD, a ALR é tratada como uma criada a quem cabe fazer trabalhos menores. E a comunicação social que não segue o estilo do Jornal da Madeira (que deve fazer corar de vergonha a redacção do Avante!) é vítima de bullying, asfixia financeira e concorrência desleal.
2. Os dois vivem da crispação permanente com adversários reais ou inventados. Sócrates passou o primeiro mandato a comprar brigas no Parlamento e a declarar guerra a alvos escolhidos a dedo (incluindo Jardim). Neste mandato, quer convencer-nos de que o milagre económico português só não se vê por causa de uma conspiração mundial de capitalistas, especuladores e neoliberais. Quanto a AJJ, tem trinta e tal anos de provocação e insulto non stop, enfrentado comunistas, fascistas, Lisboa, a Internacional Socialista mais o Bush e a Trilateral, o lobi gay, o lobi da droga e o lobi da comunicação social, a Madeira Velha e até gente infiltrada no seu PSD.
3. Um e outro gastam demais e deixam a conta para os outros. Sócrates tem-nos endividado como nenhum outro governo. Essa sempre foi a base do alegado “modelo de desenvolvimento” de AJJ: faz-se e alguém paga. Bastam duas condições para que Lisboa assuma a conta: cumplicidade partidária ou poder de chantagem (quando os votos de Jardim na AR fazem maiorias absolutas). O problema é quando aparece um governo socialista e os votos da Madeira não fazem diferença. Como com Sócrates. Por isso se percebe que AJJ queira o chumbo do Orçamento do Estado. Com eleições antecipadas, talvez os votos do PSD-M voltem a fazer a diferença em Lisboa. Seria a sorte grande para Jardim. Era como livrar-se de um irmão chato, ou passar a ser o gémeo dominante.
Mas à luz do argumento do PSD contra o aumento de impostos, esta frase não faz sentido e é contraditória, pois seriam necessários muitos mais cortes e muito mais insensibilidade social para cumprir o défice. Arranja-se alguém no laranjal de hoje que tenha um argumento mais sério contra o eng. Sócrates (é muito fácil), sem parecer que está a brincar com coisas sérias?
Fernando Teixeira dos Santos repisou a tese de que a proposta de Orçamento do Estado para 2011 foi feita com "muita coragem". É a teoria do fanfarrão, que foi inaugurada por Sócrates.
A questão é que o Governo agiu como o candidato a pára-quedista que está à porta do avião a olhar para o vazio, sem vontade nenhuma de se atirar. E só se manda para fora do aparelho depois de ser empurrado, o que foi o caso quanto às medidas draconianas que o Executivo se viu forçado a adoptar.
Quando chega cá abaixo, o pára-quedista vangloria-se que foi capaz e que teve muita coragem. Está bem, abelha.
A primeira marca do rigor do Governo no OE2011 é o facto de este ter sido entregue no Parlamento rigorosamente dentro do prazo estabelecido por lei - e não há nada na lei que diga que o OE deve ser entregue a horas decentes. Como diria a ministra da Educação, um dia tem 24 horas, há que aproveitá-las todas. Mas o rigor não se fica por aqui. O ministro das Finanças garante que não se limitou a entregar uma pen para o boneco, mas uma pen com "a proposta de lei e os mapas anexos", o que é um enorme upgrade em relação à entrega do último Orçamento, que era só uma pen vazia. Infelizmente, este rigor tem um custo. No mínimo, terá o custo das horas extraordinárias dos funcionários do Ministério das Finanças e da Assembleia da República.
Adenda Parece que o ministro não entregou o relatório do OE. Foi o suficiente para desatarem todos a comportar-se como um funcionário das Finanças... "Ah, falta um papel, assim não podemos aceitar, e tal..." Só vos digo, meus amigos, que com esta atitude negativista o país não vai prá frente.
Os últimos saíram à meia noite – o penúltimo nem tinha números. No último, a tradicional conferência de imprensa foi pela noite fora – desta vez, será Sábado às 10 da matina. Deve ser para impressionar "os mercados". "Oh, dear God!, they're working overtime and on Saturday. Buy their debt! Buy!"
Não era preciso conhecer em detalhe a proposta de Orçamento do Estado para 2011 para saber que seria fraca - esbanjada uma maioria absoluta e perdido tanto tempo desde o início da crise é irrealista exigir a este governo que faça agora bem, sob insustentável pressão externa, o trabalho atrasado de anos num só exercício orçamental.
A proposta de Orçamento do Estado para 2011 é fraca porque faz depender da subida de impostos, sobretudo do IVA e do IRS, pelo menos um terço do esforço de consolidação orçamental. A experiência portuguesa mostra que estas sucessivas subidas da carga fiscal criam um novo patamar a que a máquina do Estado se acomoda - significam mais bolo para gastar e desincentivam, a médio prazo, cortes estruturais na despesa. Pelo caminho são um peso adicional para o crescimento da economia - o mesmo governo que se gaba das linhas de crédito às pequenas e médias empresas, sobrecarrega-as com impostos e, com o arrastar de pés na consolidação orçamental, dificulta-lhes o acesso ao financiamento. Mais impostos significam também mais peso para a minoria de famílias que ainda paga IRS em Portugal (45% das que declaram) - famílias que estão cada vez mais esmagadas entre o despesismo público e a falta de coragem para atacar a evasão fiscal.
A proposta de Orçamento do Estado para 2011 é fraca porque os cortes na despesa não reflectem uma estratégia política ou uma alteração na forma como o Estado funciona - são, simplesmente, uma tentativa de controlar um incêndio que vem alastrando há anos. São cortes cegos e reveladores de total desorientação e cálculo político. Dois exemplos: a tesourada brutal nas comparticipações dos medicamentos custará mais 300 milhões aos portugueses em 2011, isto depois do aumento das comparticipações para pensionistas em vésperas de eleições; nos salários do Estado, onde também houve aumento em ano eleitoral, o corte geral anula o mérito e arrasa a já escassa motivação nos serviços públicos.
A proposta de Orçamento do Estado é fraca porque parte de um governo fraco e sem credibilidade. Internamente violou quase todas as promessas e garantias dadas aos portugueses (quem acredita na palavra deste governo?). Lá fora, José Sócrates alimentou dúvidas sobre a capacidade de Portugal de controlar as contas, numa altura crucial para o euro. Por falta de visão e manigância política, o governo cedeu a outros o seu lugar à mesa do Orçamento. Esta é a proposta orçamental dos banqueiros preocupados, da chanceler Merkel, do comissário Barroso (cúmplice na tragédia) e principalmente do presidente da instituição que tem sustentado o país em 2010: o Banco Central Europeu.
A proposta é fraca - mas, chegados a esta situação, talvez seja a possível. Portugal tem 23 mil milhões de euros de dívida para amortizar no próximo ano (8 mil milhões nos primeiros dois meses do ano), os juros cobrados à República a dez anos estão acima de 6% e a pressão política é enorme. Não há tempo para analisar o impacto das medidas nem para ponderar alternativas mais eficientes do ponto de vista económico. Agora é isto - e chumbar "isto", como ameaça irresponsavelmente o PSD de Passos Coelho, é aumentar a dimensão do problema, obrigar ao recurso ao fundo europeu e ao FMI, lançar a economia numa recessão ainda mais profunda. É neste nó cego - dado pelos credores externos e pela incompetência interna - que morre o ânimo dos portugueses.
O corte de salários é desesperante, o aumento do IVA no leite achocolatado é esbulho, a crise económica, financeira e política é uma catástrofe, portanto, a malta pensava que podia ficar feliz com algumas coisas que ainda eram gratuitas e que mesmo quando pagas não eram taxadas. Mas agora a sexóloga Marta Crawford diz hoje noi que "o sexo pode ser afectado pela crise, sobretudo nas mulheres"...
Uma pessoa anda a limpar o pó aos jornais nos arquivos e depois aparecem estas coisas estranhas. Um jovem revolucionário trotskista, dirigente da LCI chamado Ferreira Fernandes, então muito camarada do camarada Francisco Louçã, dá uma entrevista ao Expresso em Abril de 1976, verberando esse cronista burguês chamado Rebelo de Sousa. O dito jovem havia de se tornar mais tarde não um cronista burguês mas, digamos assim, um proletário da crónica.
Eis dois tesourinhos deprimentes do camarada FF, muito próprios da época (e então generalizados a tão boa gente):
"Alguns dirão que Marcelo Rebelo de Sousa tem de passar a usar óculos para melhor ler e compreender a luta de classes; mas nós não acreditamos. Como jornalista burguês, o seu objectivo é intimidar os trabalhadores, transformar as próximas eleições num instrumento de estabilização de um regime ao inteiro serviço da burguesia, utilizando a cumplicidade, ou pelo menos a capitulação dos partidos reformistas".
"O Governo teria que ser portador de um programa operário de luta, discutido e decidido pelos trabalhadores, e não submetido à aprovação de um Presidente ou de uma assembleia burgueses".
O leitinho com chocolate vai aumentar? Olha que grande maçada para os meninos que consomem esta mistela infanto-juvenil.
O aumento da carga fiscal sobre as tiras de milho, petisco essencial para acompanhar a(s) cervejinha(s) em tarde ou noite de futebol na televisão, é que é verdadeiramente dramático.
Subam-me o IRS, lixem-me os benefícios fiscais, aumentem a taxa máxima do IVA, apertem no imposto sobre o tabaco e os combustíveis, ponham os medicamentos e as análises clínicas mais caras, façam o que têm a fazer depois de terem dito que não era preciso – mas, foda-se!, não me dêem é cabo do leite achocolatado!
Confirma-se. O Governo tudo fará para impedir que o Orçamento do Estado seja aprovado. Incluindo enxovalhar o líder do partido que o pode viabilizar, e retirar-lhe qualquer margem de negociação, no momento mais crítico do processo.
Bloco Central, dizem eles - editorial do João Cândido da Silva no Negócios: numa fase em que a crispação vai crescer sem tréguas até José Sócrates perceber que tem de dar lugar a outro, a única solução sensata para o país é um Bloco Central que concorde em resolver os problemas de raiz, sem querelas ideológicas, porque o caminho é estreito.
12 outubro 2010
:: Guarda-freio: Luís Miguel Afonso
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Quando faltam pouco mais de quinze dias para a votação na generalidade do Orçamento de Estado para 2011, são já certos os sentidos de voto de todos os partidos políticos. Excepção feita ao PSD que praticamente só está à espera dos resultados dos estudos de mercado encomendados pelo próprio partido para saber, junto dos eleitores, qual o mal menor: se chumbar o OE ou acabar por optar pela (mais provável) abstenção.
Cavaco Silva está farto de dizer o que quer que Pedro Passos Coelho faça. Mas o problema é que Passos faz com Cavaco o que um filho rebelde faz com o padrasto: quanto mais este diz “é branco”, mais aquele diz “é preto”. Se Cavaco dissesse que o OE 2010 devia ser chumbado, PPC faria faria o contrário.
Na cabeça de Passos, filho rebelde da geração Cavaquista, ser do contra “é cool”. Mais ainda porque, além de ouvir Cavaco, tem de ouvir também as opiniões das vizinhas amigas do padrasto, dos avós da outra família, das “tias-avós” que vão lanchar lá a casa. “Sê homenzinho”, “Pedro, porta-te bem”, “vê lá o que fazes, rapazolas”. Frases que martelam a cabeça do jovem rebelde e lhe dão fermento para continuar a dizer que quer ser do contra. Quer ser. Mas no dia da votação, terá Passos coragem para passar das palavras aos actos?
Curioso seria também acompanhar a votação de Manuel Alegre no dia 29. O Bloco de Esquerda votará contra o OE; o PS votará a favor. E Alegre? O que faria? Ausentar-se-ia da sala? Metia baixa? Tinha que ir à caça nesse dia sem falta? O jeito que dá já não ser deputado…
Divirto-me infinitamente com a "crítica literária" portuguesa. Sobretudo com a crítica de rebanho que não resiste às modas ditadas "lá de fora" ou por um ou dois spin doctors caseiros.
Um exemplo recente foi o embasbacanço com que a generalidade desta gente recebeu o novo romance de Bret Easton Ellis - que teve um único momento de felicidade criativa, há mais de vinte anos ("Psicopata Americano"). Desde então limitou-se a inchar, mas continua a ser celebrado como um "autor".
Perdi a conta ao espaço e ao latim que os jornais portugueses perderam com "Quartos Imperiais", o seu novo livro. Para ir directo ao assunto, é uma bela bosta.
Mas não gastaria um post para escrever isto - quem sou eu para contrariar o entusiasmo do rebanho? Felizmente, na última edição da Intelligent Life, a Clara Ferreira Alves elabora sobre aquilo que eu no parágrafo anterior resumi numa única palavra. Se percebesse alguma coisa de literatura, gostaria de ter escrito isto. Como não percebo, limito-me a reproduzir parte da crítica:
"(...) Nada nos interessa nestas personagens, nem como retrato social. Scott Fitzgerald teria feito maravilhas com este material, Ellis sabe repetir-se. Nunca conseguiu criar uma personagem, a não ser o 'Psicopata Americano', e um escritor não vive num mundo realista sem personagens. 'Glamorama' poderia ter sido uma obra-prima e não passa de um flop pela mesma razão. Esquece-se o parágrafo no parágrafo seguinte. Dito isto, recomendo 'Quartos Imperiais' aos candidatos a ficcionistas. É um manual de tudo o que não se deve fazer. (...)"
Parece que o nosso blogue é lido com toda a atenção em Vila Nova de Gaia, o que nos deixa extremamente satisfeitos por termos tanta clientela num dos maiores concelhos do País. Os comentários merecem resposta, sobretudo os que estão assinados:
- O facto de o dr. Marco António Costa ser o vice-praticamente-presidente-da-câmara-de-Gaia gera uma contradição política no interior da direcção do PSD: sempre que criticarem e com toda a razão o nível de endividamento da responsabilidade do PS, não poderá ser Marco António a fazê-lo. Está politicamente ferido desse ponto de vista par ao fazer, não só porque o endividamento das autarquias cresceu 13%, mas também pelo contributo da sua própria gestão para o problema.
- A srª Clara Cardoso fica lisonjeada por eu me preocupar com "a vida dos Dirigentes Políticos no Norte", assim, com maiúsculas, para não termos dúvidas sobre a grandeza de tamanhos servidores do bem público, decerto diferentes dos do centro e sul. Eu sou alentejano, mouro como vocês dizem, adepto do FCP por não ver fronteiras internas no país onde não escolhi nascer. Não percebo qual a qualidade especial para um comentador poder falar dos "políticos do Norte". Os meus impostos também pagam "o Norte". A democracia portuguesa também chegou "ao Norte", ou não? Por falar em democracia, a srª sugere-me que encaminhe as minhas energias para algo que contribua para o desenvolvimento económico do país. É pois uma democrata que prefere aquela máxima salazarista para não se criticar o poder: "Eu cá não me meto em políticas, a minha política é o trabalho". Não é bem a minha ideia de participação numa democracia. Acredito que Marco António faça o melhor que sabe, é verdade que Gaia é exemplar a muitos níveis, eu conheço Gaia, a obra da autarquia e o próprio Marco António Costa, com quem falo com sinceridade e abertura, mas isso não o coloca acima da crítica civilizada como fazemos aqui no Elevador. Obrigado por ter assinado o comentário.
- O sr. Jorge Cruz nota que Santo Tirso gasta num jornal local um terço das despesas de Gaia com a imprensa. Fica assinalado: abaixo a câmara de Santo Tirso!, que gasta mal o dinheiro dos meus e dos seus impostos.
- Um sr. anónimo assinala as nomeações de boys para institutos públicos e etc.Tem toda a razão. É uma prática lamentavelmente indiferente ao PS e ao PSD, depende de quem lá está. Isso é verdade. Tão verdadeiro quanto o nível de endividamento da câmara de Gaia. É fácil fazer obra se os bolsos não tiverem fundo. O Alberto João é mestre nisso, não é?
Além do peso que alguns destes monopólios com benção estatal têm na competitividade de quem exporta, há também o peso das remunerações neles praticadas – não tenho prova numérica sobre este último ponto, mas imagino que na PT e na EDP, por exemplo, não se ande há anos a esmagar salários como nas PME exportadoras. É por isso que olhar apenas para indicadores agregados sobre custo unitário do trabalho e afins não chega para recomendar cortes salariais no privado.
É claro que o PSD está preocupado com o endividamento, não duvidamos, sobretudo o vice-presidente do partido, Marco António Costa, também vice-presidente da câmara de Gaia, uma das mais endividadas do país. Imaginamos o dr. Marco António, a meio de comissões permanentes e políticas na São Caetano, a insurgir-se com os gastos do Governo à tripa forra. Depois em Santarém, outro apoiante de Passos aposta na dívida para crescer...
Ainda bem que o próprio PCP faz questão de nos lembrar o que é o verdadeiro PCP, como hoje, ao condenar a atribuição do Nobel da Paz ao dissidente chinês Lui Xiaobo, cujas sucessivas condenações para "reeducação" não o reeducaram, deve ser um problema genético.
Agradecemos ao Comité Central que nos lembre de vez em quando os valores que defende, para não esquecermos o que seria esta choldra se fosse governada pelos nossos camaradas. Ficamos assim a supor que o PCP defende o regime político chinês na forma e na prática, com o seu capitalismo sui generis, onde não há exploradores nem explorados, como aliás todos sabemos e não ousamos contestar. A China conjuga assim o melhor do comunismo e o melhor do capitalismo com as piores das dissidências e o PCP é o melhor partido comunista do mundo por ser às vezes tão transparente.
Só por uma incompreensível irresponsabilidade é que o PSD deve votar contra o OE. (1)
Só por uma incompreensível irresponsabilidade é que o Governo de José Sócrates deixou a situação arrastar-se até onde estamos. E agora Passos Coelho quer ser cúmplice de Sócrates na irresponsabilidade.
A ironia deste momento é que Passos se torna cúmplice de Sócrates votando contra ele e não votando a favor, porque tornam-se ambos cúmplices na catástrofe por soberba.
Se Passos agora recua mostra duas coisas péssimas: falta e sentido estratégico ao não tomar a decisão certa no timming certo; mostra ainda que andou a brincar com coisas sérias e a fazer politiquice quando devia mostrar que acima da sua ambição estava um sentido de Estado que havia de render votos na altura certa. Agora, se deixar passar o OE, parece que foi empurrado e isso será um sinal de fraqueza. Mas se quiser mostrar-se fortena irredutibilidade, o sinal não deixa de ser de fraqueza, até porque sobra para o País.
Se Passos não apresentar esta semana uma proposta de cortes credível, e rápida de aplicar, que substitua o aumento de impostos, então estas semanas andou a brincar com coisas sérias.
Mário Soares queixava-se o outro dia dos políticos europeus como do vinho, dizia ele que as últimas colheitas "não prestam". Terá razão. Mas cá em casa não parece diferente.
(1) Desde o 25 de Abril (em rigor, pelo menos desde 1933) que só um orçamento foi rejeitado Portugal: em 1979, no Governo de iniciativa presidencial de Mota Pinto, era Jacinto Nunes ministro das Finanças.
Guarda-freios: João Cândido da Silva Vítor Matos Bruno Faria Lopes Luís Miguel Afonso Pedro Esteves Adriano Nobre Filipe Santos Costa Ana Catarina Santos