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elevador da bica

O governo diz que quer fazer o que nenhum outro fez

Os "sacrifícios" estão pedidos, a palavra "austeridade" começa a ser absorvida pelos portugueses, a telenovela da aprovação do Orçamento aproxima-se do final esperado - mas, depois de apresentadas as más notícias, e com o Orçamento do Estado aprovado, qual será a maior ameaça ao cumprimento dos planos para 2011? Os riscos de um Orçamento costumam estar concentrados em factores que o governo não controla - como o cenário previsto para a economia e a evolução da receita fiscal -, mas no "Orçamento mais importante dos últimos 25 anos", como lhe chamou Teixeira dos Santos, há uma inversão inédita: o maior risco é precisamente a parte do esforço que depende directamente do governo.

Dois terços do esforço de consolidação orçamental no próximo ano virão de cortes na despesa pública - o governo socialista quer cortar cerca de 5% na factura total das administrações públicas, o maior corte desde o 25 de Abril. Para se perceber a magnitude da tarefa basta olhar para o historial da despesa nas últimas três décadas: em 32 anos, só uma vez, em 1983, com um governo de bloco central (Soares/Mota Pinto) e o FMI em acção, é que a despesa pública total desceu, e mesmo assim apenas 1,9%. Em 1994 houve uma diminuição imperceptível (-0,3%) e na década passada o melhor resultado foi um crescimento de 1,3% dos gastos, em 2006. Este ano, já com um ambiente de urgência à volta das contas públicas, o governo não evitará uma nova subida da despesa.

No meio do turbilhão mediático que rodeia a aprovação do Orçamento, este ponto fulcral tem passado largamente ao lado das atenções internas: um governo minoritário e hostilizado por toda a oposição, que em quatro anos de maioria absoluta nunca conseguiu cortar na despesa pública em termos nominais, garante agora aos portugueses e aos credores internacionais que será capaz de fazer o maior corte de despesa na história da democracia. Mais: um governo que matou a sua própria credibilidade, acabando definitivamente com que lhe restava de mobilização do país e de capacidade de liderança política, assenta a sua estratégia de consolidação orçamental num corte de 6,1% da despesa corrente sem juros, uma componente que em 32 anos nenhum governo conseguiu diminuir.

Mesmo com medidas raras como o corte de salários - e com o risco de a desorçamentação atingir níveis recorde - é precisa uma fantástica dose de optimismo e de ingenuidade para não duvidar destas metas. Se internamente este facto parece passar por enquanto sob o radar, lá fora as dúvidas vão manter-se, pelo menos até à apresentação de resultados concretos. As demoras injustificáveis na aprovação deste orçamento estão a alimentar a pressão sobre a dívida, sim - mas as dúvidas sobre a capacidade do governo de Sócrates pesam mais.

Neste cenário há dois pontos a considerar. O primeiro: com um parlamento impreparado e ignorado pelo governo, e numa sociedade civil sem think tanks credíveis na área da economia, a necessidade de criação de uma agência independente que controle a execução das contas públicas (como sugeriu o governador do Banco de Portugal) é incontornável. O segundo: enquanto mantemos aberto o acesso aos mercados de obrigações, não seria má ideia debater as vantagens e desvantagens de recorrer ao apoio do FMI como avalizador (tal como em 1983) das políticas portuguesas. Não é tanto o dinheiro do fundo que interessa, mas a credibilidade que pode emprestar, com juros, a um país enterrado pela incompetência política.
Crónica publicada no i

“O governo diz que quer fazer o que nenhum outro fez”