Vai por aí um charivari por causa das agências de rating, sobretudo por causa de uma canalhíssima apreciação sobre a economia pátria que, ao que parece, estava a caminhar para uma "morte lenta", análise pobre que roça o racismo econométrico, já o disse alguém, pois somos parcos em resultados, não confundir isso com porcos, ou pigs, ou lá o que é, porque em banhos e duches pedimos meças a anglo-saxónicos e povos do norte. Corações ao alto, que esta nação custou muitas cabeças a lutar contra os mouros! Isto não é a Grécia, é uma economia que tende mais para a "rápida vivacidade" do que para a "morte lenta", é um campo florido de optimismo empreendedor e de exemplo para o mundo civilizado.
Se olharmos para o coiso económico assim um bocadinho mais em termos genéricos, percebemos que não é preciso ser um especialista-analista de risco internacional para tirar uma conclusão óbvia: a economia portuguesa está a morrer lentamente, década a década, e só daqui a 20 ou 30 anos vamos perceber se houve uma inversão deste plano inclinado.
- Na década de 80, o PIB português cresceu: 3,2%;
- Na década de 90, o PIB português cresceu: 2,7%;
- Na década de 00, o PIB português cresceu: 0,5% ou 0,6%;
(Estes números não são meus, note-se, são do prof. Medina Carreira)
- Na próxima década alguém arrisca prever um valor semelhante ao dos anos 80, o único capaz de inverter a destruição de empregos e relançar o País na senda da prosperidade?
30 janeiro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Quando o economista/jornalista Martin Wolf escreve isto no Financial Times:
"Martin Wolf: It is scandal that the model of payment for the credit rating agencies has not been changed. They should be paid by agents for the buyers not by the sellers. More important, the regulatory role of ratings should be removed altogether. They have no credibility, in this regard. My own view is that, at best, ratings are a lagging indicator of what is happening in the market. At worst, they are actively misleading. Nobody should be required to hold assets of a particular grade. Will this failure cause another crisis? I don’t know. But it won’t help us avoid one, that is for sure."
"É um escândalo que o modelo de pagamento para as agências de notação de crédito não tenha sido mudado. Elas deviam ser pagas por agentes dos compradores, não dos vendedores. Mais importante, o papel regulador das notações deveria ser eliminado pura e simplesmente. Elas não têm credibilidade, nesta matéria. O meu ponto de vista é que, quando muito, elas são um persistente indicador do que está errado no mercado. Na pior das hipóteses, elas estão activamente a enganar".
Note-se como fica convenientemente fora da tradução a frase em que Wolf diz que os avisos e mudanças nas notações funcionam muitas vezes com atraso face ao mercado (não cumprindo, por isso, a sua função). O sistema actual das agências tem que mudar? Sim, claro. Até podem vir a desaparecer, quem sabe. Mas há que não esquecer uma coisa: o mercado que empresta dinheiro para as nossas extravagâncias, essa besta negra, vai andar sempre por aí. A olhar para gente extravagante, sem músculo para criar riqueza - e, talvez, sem possibilidade de pagar as suas dívidas.
29 janeiro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Nos 800 quilómetros entre Maputo e Vilanculos, só depois do Xai-Xai (a um quarto da viagem - milímetros no mapa de Moçambique) é que o queixo começa a cair. A estrada estende-se até perder de vista, quebrada por lombas. A terra ao lado é vermelha, os buracos lunares e os condutores dos chapas obrigam a estar de olho aberto. O sol fustiga o mato e as pessoas que andam pela berma da estrada - e há sempre pessoas na berma da estrada. Tudo forte, tudo vasto, como deve ser - como nós esperávamos que iria ser. A partir de Inharrime a boca abre-se mais e assim fica enquanto atravessamos a província de Inhambane. A província onde a minha mãe nasceu.
Pelo caminho passamos em Morrumbene, uma vila que o guia Lonely Planet chama de "sítio onde só vale a pena parar se ficarmos ali presos à noite". Se esse infortúnio se abater sobre o viajante, o guia sugere o único sítio com camas na vila: a Pousada do Litoral. A pousada que foi dos meus avós durante mais de 30 anos, cenário referencial das dezenas de histórias que ouvi em miúdo, enquanto eles (aqueles avós) tomavam conta de mim.
Olhando agora para trás acho que percebo porque saí do carro e puxei logo da máquina fotográfica. A Susan Sontag escreveu que a máquina é um objecto de defesa e distanciamento entre a realidade e quem a olha, e ali eu estava em zona de desconforto. É estranho visitar a cenografia virtual que construímos na infância, a partir das memórias não resolvidas das pessoas que nos são mais próximas. Os lugares que aprendemos a mitificar e que quase nunca são como imaginámos.
As fotografias foram um erro (atraíram atenção e recados indesejados) e seguimos viagem. No regresso não houve merdas - parámos o carro na estação de serviço (antiga "Estação Faria") e entrámos na pousada pelo bar. Às caras fechadas ao balcão pedimos uma 2M, que veio bem gelada. Entrámos na sala de jantar, passámos na recepção, metemos pelo corredor que dá para o pátio. Sempre imaginei que veria o lugar com a amargura da perda deles. Mas aconteceu o contrário. Afastei a decadência do lugar e imaginei-os ali noutra era - e assim reescrevi as memórias coloniais que não vivi. Deixei de vê-los como ex-colonos amargurados e a caminho da velhice, iguais aos que a Isabela Figueiredo tão bem descreve (Almeida Santos e Mário Soares eram figuras odiadas em minha casa). Vi-os ali, incansáveis e inconscientemente felizes, longe do cinzentismo e da miséria da Metrópole.
"O riso do Kindle" e "Tiros ao lado", por Alberto Gonçalves, na "Sábado".
Primeiro, a emergência dos livros electrónicos a propósito de as vendas terem superado as dos livros tradicionais no Natal passado na loja Amazon: "Quando os livros ficarem obsoletos, terei paredes e paredes de inutilidades a assombrar-me com imaginária reprovação e pó verdadeiro. É algo tão macabro quanto manter as ex-namoradas embalsamadas na sala de estar, vivas ou mortas".
Depois, a análise às razões adiantadas por Manuel Alegre para se candidatar à Presidência da República, alegando capacidade para dar aos portugueses o "direito à beleza" e aos jovens o "direito de dançar a vida": "Apesar do poder de inspiração e capacidade de invenção, as declarações de Alegre sugerem que ele próprio ainda não encontrou qualidade nenhuma [que o recomendem para a chefia do Estado]".
O messias falou e mostrou a nova tábua. E os pacóvios dos terráqueos aplaudiram, sem qualquer espécie de filtro.
O epifenómeno que a Apple criou - marketing que merece elogios - teve um acompanhamento jornalístico descerebrado. No mundo inteiro, nuns jornais mais que noutros. Somos todos crianças e aqui está o brinquedo novo. Dizem que pode ser a salvação do jornalismo. Disso não sei e, sinceramente, tenho dúvidas sobre o papel tão determinante deste brinquedo no jornalismo. Mas, antes de pensar na cura, talvez fosse boa ideia preocuparmo-nos com a doença. E não agravá-la com este tipo de comportamentos, onde andamos todos, tipo cães amestrados, atrás das guinadas da maçã.
A Apple foi revolucionária nos nossos hábitos, "canibalizando" invenções dos outros e banhando objectos com a sua habitual capa social de "estatuto". Touch screen no iPhone e a rodinha no iPod, deram imenso jeito. Mas também dão os assentos de sanita aquecidos.
O que acho curioso é que haja tanta página sobre o iPad e ninguém questione porque é que é tão barato... Se é um produto novo tão ansiado pelo público, que vai mudar a vida de todos, não faria sentido que o preço permitisse margens de lucro adequadas à histeria? Foi assim com o iPod e com o iPhone. E é assim com os Mac. Se calhar o facto de o iPad forçar comportamentos nos consumidores que ainda não são generalizados (o livro é um livro é um livro), pode ajudar a perceber o preço tão baixo. E, já agora, a Apple vai perder quanto, nos primeiros anos, com esta brincadeira?
Não sei. E essa é a questão. Tenho demasiadas incertezas sobre isto. Ao contrário das certezas de muitos outros.
27 janeiro 2010
:: Guarda-freio: João Cândido da Silva
José Sócrates considerou "injustas" e "desproporcionadas" as reacções negativas dos mercados e das agências de "rating" à proposta de Orçamento do Estado para 2010. Com esta táctica de Calimero, o primeiro-ministro não vai a lado nenhum. É preciso provar, com decisões e boa governação, que se quer, mesmo, sanear as finanças públicas. O resto é só, e apenas, conversa.
O ministro das Finanças pediu às agências de "rating" e aos mercados para que não colem Portugal à Grécia. Com uma proposta de Orçamento que não ataca nada de substancial entre os problemas que precisam de solução nas finanças públicas, o apelo parece que vai cair em saco furado como se verifica pela subida do preço a que os dois países têm que se financiar.
A viabilização do Orçamento do Estado para 2010 assumida pelo PSD e pelo CDS permitiu safar o ano corrente ao evitar a eclosão de uma grave crise política numa conjuntura inconveniente para aventuras. A questão é que a limpeza das contas públicas é tarefa para uma década, tal é a desgraça em que se encontram e que não terá cura sem cortes duros e sem hesitações.
O acordo que foi alcançado poderá ser bom no curto prazo se conseguir refrear a desconfiança dos credores de Portugal. Vamos ver. Mas está longe de ser suficiente para dar consistência às boas intenções actuais. O país precisa de um pacto bastante mais ambicioso, para durar pelo menos uma legislatura inteira, o tempo de execução de um programa de estabilidade e crescimento que faça justiça à sua designação.
Perante o potencial que contêm para contribuirem para o aumento do endividamento do país, que só em matéria de encargos que pesam sobre o Estado vai a caminho dos 90% do produto depois de terem subido vinte pontos em apenas dois anos, seria necessário que o PS revissse os seus planos para obras como o TGV e a construção de novas auto-estradas, reconhecendo que o custo de oportunidade é demasiado elevado.
Para isso, no quadro actual, talvez seja necessária outra liderança nas hostes socialistas, capaz de perceber que é preciso separar o trigo do joio em matéria de investimento público. E capaz de entender que, depois de uma década perdida, Portugal se arrisca a repetir a dose e a deixar-se enredar na espiral de empobrecimento em que já está mergulhado. O acordo entre PS, PSD e CDS é uma modesta aspirina destinada a mascarar a verdadeira doença.
Entregar o Orçamento do Estado às 22h30 do dia limite para o efeito, com sorrisos e piadinhas, é mais um daqueles sinais reveladores da importância que os factores culturais têm na organização do trabalho e, claro, na prosperidade de um país. À meia-noite está o ministro das Finanças a começar a explicar as linhas gerais do documento aos jornalistas e aos portugueses. Pela noite fora estão os comentadores a ensaiar opiniões. Tudo isto é normal, claro. Como explica Rui Ramos, nem só de aspectos técnicos se faz o crescimento económico – o governo mostrou-o ontem na perfeição.
Ontem esteve sobre a mesa o cenário de demissão do Governo por causa da Lei das Finanças Regionais, o que não deixa de ser uma loucura. Alberto João Jardim reagiu assim: "Vão dizer lá fora que isto é um país de loucos. Nenhum governo se demite por causa de 0,05 por cento. A não ser que se trate já de uma doença do foro psíquico, mas isso não é em sede de Orçamento que se trata".
Então enviai já um pelotão de psiquiatras para o Funchal: em Fevereiro de 2007, Alberto João Jardim dramatizou, chingou e demitiu-se, forçando a região a eleições, porque com a nova lei de Finanças Regionais a Madeira perdia 34 milhões de euros em 2007 (450 milhões até 2014).
Em 2007, essa verba representava apenas 1,9% do total do orçamento da região (1,7 mil milhões de euros). Se demitir-se por causa disto não é de loucos, não sei o que será.
[escrevi estes números na Sábado em 22fev07 e tb foi manchete do Expresso dessa semana]
Chegou tarde. Do ponto de vista fiscal não é tão agressivo como esperado – chega até a ser aparentemente amigo do contribuinte, com uma componente Robin dos Bosques, tão em voga nos tempos que correm. Folclore dos bónus à parte, a limitação do aproveitamento dos benefícios fiscais é uma medida a doer para a banca e as grandes empresas. No resto, de 2011 para a frente logo se verá como iremos de impostos. Na despesa não vi, mas pareceu-me mais do mesmo: aperta-se nos gastos com salários (claro) e no investimento público (ha ha ha, CLARO!).
A esta hora sobra apenas uma ideia: é positivo, sim, mas é curto. E para já não estou a ver como se conseguirá cortar o défice em três anos para 3% (pode subir-se o IVA, vender património, não sei). Veremos.
26 janeiro 2010
:: Guarda-freio: João Cândido da Silva
Este truque já tem barbas, brancas e compridas. Coloca-se todo o lixo que for possível na execução do ano anterior para poder prometer uma radiosa redução de um ponto percentual no défice público do ano corrente. E é assim que o ministro das Finanças nos garante que baixará o défice público do desastroso 9,3% de 2009 para um fantástico 8,3% em 2010.
A discriminação a que os administradores dos bancos vão ser sujeitos, em matéria de remunerações variáveis que venham a receber, em comparação com os restantes sectores de actividade, é outra medida que tresanda a demagogia.
Num dia, o Governo congratula-se pelo facto de a banca portuguesa ser sólida, não ter necessitado das ajudas que foram colocadas à sua disposição e não ter mergulhado nas águas arriscadas que comprometeram instituições financeiras noutras paragens. No dia seguinte, agrava a tributação dos respectivos gestores, o que cai sempre bem junto da populaça, disponível para não perder qualquer oportunidade de exercitar aquilo a que José Sócrates, a propósito do seu amigo Armando Vara, já chamou de "inveja social".
Adenda - Afinal, a medida abrange gestores de todas as empresas que pagam prémios de desempenho. Acaba-se com a discriminação e, de caminho, com o incentivo às boas prestações profissionais.
Cada um inventa as desculpas que quer para aumentar a cobrança fiscal. Mas esta de penalizar, em matéria de tributação, a atribuição de carros aos colaboradores das empresas sob o pretexto de incentivar o recurso a outros meios de transporte e de incentivar a aquisição de veículos eléctricos tresanda a demagogia. Seria diferente se o Governo prometesse dar o exemplo.
Não digo que os ministros e secretários de Estado fossem forçados a andar de autocarro ou metropolitano, por exemplo, mas se o objectivo é ambiental podiam começar por renovar a frota dos automóveis do sector público, substituindo-os por carros movidos a electricidade. Mas desconfio que, quanto a isso, podemos esperar sentados.
1. O Orçamento mais pré-negociado de sempre é apenas uma amostra daquilo que terá que ser feito para cumprir o prazo de 2013 acordado com a União Europeia. O sinal de consolidação orçamental será apenas isso: um ligeiro corte de 0,5 pontos num défice que em 2009 terá ficado perto de 9% do PIB (por favor, paremos de discutir décimas).
2. É muito difícil que este OE/2010 consiga abrandar a pressão externa que as agências de rating e os mercados financeiros estão a fazer sobre os custos de financiamento da economia. Para eles o sinal deste Orçamento será positivo, mas curto. Além disso, falta perceber como quer o governo português reduzir o desequilíbrio das contas públicas (dívida incluída) no médio prazo - para isso falta ver o Programa de Estabilidade e Crescimento, esse sim, o documento mais importante a ser publicado este ano.
3. Percebe-se a questão política da Madeira, mas não deixa de ser irónico que estejamos todos presos a um ponto que valerá, no limite, 100 milhões de euros - uma ínfima parte da despesa total do Orçamento.
PSD abstém-se na votação do OE, acaba de anunciar Manuela Ferreira Leite. Começou por pedir o céu com uma espécie de pacto de regime, mas satisfez-se descendo à terra com o "compromisso assumido pelo Governo de inverter a trajectória de endividamento" e de redução do défice público. O PSD não tinha grande saída, perante a pressão dos mercados internacionais, diante da possibilidade de o Governo cozinhar tudo com o CDS, e, sobretudo, não podia fazer outra coisa confrontado com a sua própria fragilidade. Se o PSD ajudasse a precipitar uma crise política - Ferreira Leite sabe-o - ia ser mau para o País e péssimo para um PSD fragmentado a sofrer com o vazio de liderança e sem condições de pegar na governação de um novo ciclo em poucos meses.
Um aluno grandalhão que umas vezes é bom estudante e outras nem por isso, ameaça o "piqueno" e tonto: se continua a portar-se mal, e a pensar que isso não tem consequências, está enganado. Alemanha avisa Portugal que se continua a contribuir para baixar a média das notas no euro-colégio, o castigo na escolinha europeia pode ser a expulsão. É arrogante. Mas se não for à força não vamos lá.
Manuel Alegre, que é poeta e tem jeito para dizer coisas, resumiu o assunto mais ou menos assim: Cavaco Silva tem gerido melhor os seus silêncios do que quando usa a palavra.
Por isso, continua incompreensível a razão que levou o PR a autorizar Fernando Lima, assessor do Presidente, a escrever um artigo no Expresso - sem trazer qualquer novidade -, ressuscitando o caso das escutas a Belém e do email do Público, quando o assunto estava enterrado.
Agora, claro, é a vez dos socráticos responderem, através de Rui Paulo Figueiredo, acusado por Fernando Lima de andar a espiar uma comitiva presidencial na Madeira (ele era o assessor em São Bento para as regiões autónomas).
Isto é óptimo para o Expresso.
Isto é péssimo para o País.
É que o PR é o garante do regular funcionamento das instituições e com este comportamento está a fomentar uma guerra com o Governo. Não dizia Cavaco que o País devia andar preocupado com o que é essencial?
Assessor a responder a ex-assessor. A voz do dono a responder à ex-voz do outro dono. Tudo num debate de ideias importante e estimulante. Valerá, suponho, para percebermos (ainda) melhor o estado das coisas entre São Bento e Belém. E para ajudar os historiadores a descrever daqui a algumas décadas o ambiente bafiento vivido nesta bela República centenária.
O PSD começou as negociações para o Orçamento de Estado com a fasquia no máximo: não se tratava de aprovar o OE, mas de assinar um pacto de regime sobre as contas públicas. Mas rapidamente essa meta se desvaneceu. O CDS, com a sua micro agenda pragmática, ultrapassou o PSD como possível parceiro do PS. E logo o PSD se tocou perante a possibilidade de ser ultrapassado à direita por Portas, que anda há meses a construir a ideia de partido que conta perante o desconchavo laranja. Agora Ferreira Leite já deixa passar o OE (abstendo-se) sem pacto, sem grande coisa, apenas com sinais e compromisso de que a despesa vai descer e o endividamento não vai aumentar - avalizando a sua decisão com uma audiência com o primeiro-ministro. Está cada vez mais evidente que as eleições internas do PSD deviam ter sido logo a seguir às legislativas.
O desemprego é como um elevador: sobe, sobe, até começar a descer. Este raciocínio de rara sapiência tem como base o que disse hoje Helena André, ministra do Trabalho, no Parlamento.
Ora, se bem entendemos, o desemprego vai descer quando deixar de subir. E olha lá que isto nunca me tinha ocorrido.
O problema é que a ministra também disse que não tem "nenhuma varinha mágica para dizer até onde vai subir a taxa de desemprego". Mas o Banco de Portugal tem uma varinha, mais do género de varinha trituradora que de condão: no fim deste ano, o desemprego pode chegar a 11,3%.
Podemos estar descansados, pode ser que o desemprego comece a descer antes de continuar a subir, ou talvez apareça por aí alguém com a varinha mágica que falta à ministra, não para fazer previsões, mas para ajudar a resolver o problema: entre a Madame Min e a Maga Patalógica eu voto na segunda.
20 janeiro 2010
:: Guarda-freio: João Cândido da Silva
O bastonário da Ordem dos Médicos avisou que, daqui por alguns anos, vai haver excesso de médicos em Portugal. Pode ser que sim, pode ser que não. O que parece óbvio é que, entretanto, convém corrigir o problema da escassez de médicos.
E digam lá se Santarém não está anormalmente recheada de profissionais competentes nos serviços municipais? Seguramente, um nível de competência só comparável às mais bem geridas cidades do norte da Europa.
Aqui começa a discutir-se (uma vez mais) o que significa esta fotografia e quais são os limites do jornalismo. E não se pense que isto é discussão de jornalistas – ninguém escapa ileso desta conversa. Porque daqui a alguns dias não vamos querer ouvir falar do Haiti. Vamos decidir que já chega de Haiti.
Fernando Lima escreve no Expresso que "o caso das escutas" a Belém se tratou de "intriga política" e de uma "armadilha". Ora isso já sabíamos. O que o assessor de Cavaco Silva deixa por dizer é mais importante: pelos espaços das palavras e do não dito, onde ficam os silêncios políticos, Lima acusa o PS de ter montado essa trama para arrastar o PR para a luta política das legislativas. Isso está no texto, embora ele não o possa dizer.
Cavaco Silva vai condecorar Pedro Santana Lopes com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Parece mentira mas é verdade, está no site da Presidência da República, e terá lugar no dia 19 de Janeiro, quando Cavaco Silva condecorar personalidades que desempenharam cargos de alto relevo.
Resta saber a diferença entre cargos de alto relevo e o alto desempenho de cargos relevantes, que são coisas diferentes, e parece que a opinião de Cavaco tinha ficado bem clara.
Ficamos à espera de saber se Pedro Santana Lopes vai mesmo a Belém receber a condecoração das mãos do homem que ele acusa de ter ajudado à confluência de factores para derrubar o seu Governo. Ou se o fará assumindo de cabeça levantada a ironia da situação.
Terá a má moeda expulsado mesmo a boa moeda, ou para Cavaco o paradigma não se alterou?
Manuel Alegre anunciou hoje em Portimão que está pronto para a luta, ou seja, que será candidato a Presidente da República. Com o provável pleno da esquerda, Alegre capitaliza dois tipos de descontentamento: os que estão insatisfeitos com Sócrates e que em Sócrates não votariam (a que se somam os votos fiéis do PS); e os que de distanciaram entretanto de Cavaco Silva. Resta saber a sua real capacidade de penetração no centro dos swing voters que ora estão com o PS ora com o PSD.
Mas parece-me evidente, que mesmo que Sócrates apoie Alegre oficialmente, vai ficar a torcer para Cavaco ganhar por um por cento...
Estou aqui que não posso para saber que "toda a verdade" vai Fernando Lima publicar amanhã no Expresso sobre o caso das escutas em Belém e seus desenvolvimentos. Estamos no segundo fim-de-semana de Janeiro, exactamente um ano antes das próximas eleições presidenciais.
Uma "trama que raia o incrível", uma "teia bem urdida pelo fértil imaginário dos criadores de factos políticos", diz o assessor do Presidente da República - e anuncia o site do Expresso para criar suspense em relação ao texto de amanhã.
Agora o PSD já acha que o dr. Constâncio é de uma competência técnica de nível europeu: "Os deputados europeus do PSD apoiam sem reservas a candidatura do dr. Vítor Constâncio a vice-presidente do BCE, em razão da sua competência técnica e da sua experiência europeia", declarou Paulo Rangel, líder dos eurodeputados sociais-democratas (aqui).
Embora não tenha sido excessivamente crítica no auge da comissão de inquérito ao BPN, Ferreira Leite disse isto numa entrevista antes das legislativas: "[Constâncio] teria feito bem se tivesse assumido algumas falhas".
Já Santana Lopes, ainda com a contabilização do défice do seu Governo feita por Constâncio atravessada na goela, escreveu isto no seu blogue: "Coerente a posição do CDS/PP, através de Nuno Melo, sobre a candidatura de Victor Constâncio à Vice - Presidência do Banco Central Europeu. Sabe bem ouvir!" Nuno Melo atacou fortemente hoje o governador do Banco de Portugal na sua audiência em Bruxelas.
No Parlamento, Manuela Ferreira Leite pede o fim do PEC que ela mesma inventou e José Sócrates defende a manutenção dessa medida segundo ele providencial tomada pelo PSD há uns anos. PEC. Qual PEC? Pergunta para queijo na categoria de acrónimos:
- PEC - Pacto de Estabilidade e Crescimento?
- PEC - Pagamento Especial por Conta?
- PEC - Programa de Estabilidade e Crescimento?
Sócrates diz que Manuela quer acabar com impostos. Mas o PEC não é um imposto, é uma antecipação do pagamento de um imposto futuro. O fim do PEC pode desafogar a tesouraria, mas não chega para resolver a asfixia fiscal.
Agora que já consegui parar de rir com a tirada de António Mendonça sobre os impactos no turismo português da ligação Lisboa-Madrid em alta velocidade, aqui vão uns comentários sobre a matéria.
O ministro diz que a ligação vai permitir fazer a viagem em duas horas e quarenta e cinco minutos. Muito bem. Digamos que há um madrileno cheio de calor que quer vir gozar as delícias das praias que rodeiam Lisboa. Digamos que esse madrileno mora perto da estação ferroviária de onde partirá o TGV e que, com a toalha e o protector solar devidamente guardados na mochila, faz o percurso entre o seu domicílio e o terminal em 15 minutos. Já lá vão três horas só para ir dar um cachucho à Caparica.
Chegado a Lisboa, à estação do Oriente, terá que apanhar transporte para alcançar o objectivo de colocar os pés na areia e estender a toalhinha. Sejamos optimistas, tão optimistas quanto o Governo que temos, e admitamos que o nosso madrileno consegue aviar a distância em meia hora. E já lá vão três horas e meia desde que saiu de casa, disposto a satisfazer as previsões de António Mendonça.
O "nuestro hermano" desfruta o dia, mas tem que se apressar porque, para regressar ao ponto de partida, está obrigado a suportar apenas mais três horas e meia de viagem, sempre com um sorriso de irredutível optimismo estampado na cara, até se encontrar novamente em casa para tomar duche e ir comer umas tapas.
Ao todo, para gozar a perspectiva de Lisboa como praia de Madrid, serão sete horas em trânsito, fazendo as contas muito por baixo, como sucedia com o voo dos crocodilos na velha União Soviética. Há malucos para tudo e quem seja capaz dos maiores sacrifícios só para ter o prazer de ir à praia. Mas também há quem, provavelmente, apanhe demasiado sol e, com o raciocínio em alta velocidade, não tenha tempo para pensar naquilo que diz.
13 janeiro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
É pena – eu até concordo com muito do que a Moody's hoje publicou sobre a economia portuguesa que, convenhamos, nem é grande novidade. O problema é que a Moody's – e as outras duas irmãs, a Fitch e a S&P – não são o FMI, a Comissão Europeia ou o Dr. Medina Carreira. O seu papel não é de analista económico ou de comentador profissional. Goste-se ou não das suas análises, estas agências (que são empresas privadas) gozam de um poder significativo nos mercados financeiros e no custo de financiamento dos Estados soberanos – nos dias que correm o que dizem é lei, como se comprova pelo salto que deram hoje os credit default swaps sobre as dívidas grega e portuguesa.
Por isso mesmo se espera que as agências se limitem a fazer o seu trabalho, o que já não é fácil como se viu pelo estrondoso falhanço no pré-crise subprime ou nos casos da Enron e da Worldcom. E este trabalho não passa por recados ao governo português no Financial Times, nem por relatórios a la FMI, com comparações precipitadas com a Grécia.
Mais importante do que as coisas importantes no relatório do Banco de Portugal – como a continuação já esperada da destruição de emprego este ano – é a previsão para o défice externo nos próximos dois anos.
Em 2011 o valor previsto (11,3%) é o mais alto que consegui encontrar desde pelo menos 1996. Esta subida acontece já num quadro de retoma moderada em 2011, com um crescimento de 1,4%: ou seja, assim que a economia portuguesa começa a levantar cabelo o défice externo sobe mais rapidamente. A conclusão é a que todos já conhecemos: economia pouco competitiva, dependente de importações e de financiamento externo (note-se que a poupança dos portugueses volta a baixar em 2010 e 2011).
11 janeiro 2010
:: Guarda-freio: Luís Miguel Afonso
As minhas dez escolhas da música que ouvi em 2009, devidamente suportadas pelas palavras de quem sabe... Sem qualquer ordem de preferência.
Camera Obscura, My Maudlin Career My Maudlin Career is the kind of record that exists to reward those both mad, and sad, in love. [NME]
Girls, Album Studio majesty be darned, this could prove a modern classic regardless. [The Guardian]
The Pains Of Being Pure At Heart, The Pains Of Being Pure At Heart The Pains of Being Pure at Heart simply made a slyly confident debut that mixes sparkling melodies with an undercurrent of sad bastard mopery. [Pitchfork]
Fuck Buttons, Tarot Sport Tarot Sport doesn’t pause to bang or whimper. Tarot Sport accelerates. [Drowned In Sound]
Grizzly Bear, Veckatimest For those patient enough to wait for this record to relinquish its quiet delights, the treasures waiting to be discovered it are rich indeed. [NME]
Yeah Yeah Yeahs, It's Blitz! It’s Blitz! is the sound of a band reborn with new momentum, and on an album that requires dancing, the message is clear: It doesn’t matter where you came from. Just keep moving. [Blender]
The XX, The xx The xx recorded not only the year’s best debut but also one of its best albums, period. [Prefix Magazine]
Phoenix, Wolfgang Amadeus Phoenix There's beauty in a sunset. Phoenix are wringing it out. [Pitchfork]
Bill Callahan, Sometimes I Wish We Were An Eagle As if in an attempt to gain the attributes of the album’s namesake bird, the songs on Eagle feel like they’re rising on thermals, shifting and soaring effortlessly where the wind takes them. And occasionally they dive right for your throat. [PopMatters]
Bat For Lashes, Two Suns Dark, but never needlessly so, Two Suns offers a rich, distinct world of subterranean lullabies, spacey timbres, and ghostly beauty. [Slant Magazine]
Luís Filipe Menezes ataca toda a gente no PSD menos José Pedro Aguiar-Branco, o qual elogia sem nomear. É uma ironia para quem sabe como ele o menosprezava e como se gabava de o ter batido vezes sem conta na distrital do Porto. É um sinal de que Menezes poderá apoiar o líder parlamentar do PSD numa eventual candidatura deste a líder do partido.
Menezes ontem no DN: "Mais uma vez elogio a postura serena do Grupo Parlamentar, oásis neste deserto. Só é pena não lhe colocar, por agora, o poder nas mãos, pois iniciativas como a que desenvolveu a propósito da união de pessoas do mesmo sexo, têm tudo a ver com a atitude tolerante e equilibrada que fez a boa história do PSD."
O PSD tem razão ao responder ao repto do PS para um entendimento no Orçamento de Estado, dizendo que é necessário um acordo sobre as contas públicas para vários anos. Mas a bondade da iniciativa padece de um grave problema. Daqui a dois ou três meses o PSD terá um novo líder que poderá, ou não, estar de acordo com esse acordo assinado pelo líder anterior, que aliás, não estará lá para lhe dar continuidade (tanto quanto se sabe).
Já não é a primeira vez que isto acontece ao PSD. Aconteceu com o Pacto da Justiça e com a Lei Eleitoral Autárquica, acordados por Marques Mendes, com os quais Luís Filipe Menezes rompeu. O PSD tem um problema de credibilidade que deve ser ultrapassado, porque as consequências nefastas que a elite do partido merece não as merece o País. Será fácil assim ao PS, na sua aparente fraqueza, fingir que dá importância ao PSD, acabando por se entender com o CDS. Vai uma aposta?
Sarkozy congratulou-se hoje de ter tido José Sócrates a seu lado num evento em França. A seguir disse estranhar que Sócrates fosse socialista. "É que estamos de acordo em quase tudo", afirmou o presidente francês.
Podia ser um jeitinho para o PSD e o CDS aprovarem o orçamento com menos complexos de culpa. Mas o PC e o Bloco não vão deixar passar em claro este louvor aos créditos de direita do PM.
Ponto prévio: não gosto do Tarantino nem com arroz de tomate. Fez um bom filme, outro excelente filme e, a partir daí, foi um descascar de paródias cinematográficas, numa sucessiva violação de propriedade intelectual alheia. E o permanente estado de histeria em que parece viver enerva-me.
Dito isto, fui de peito aberto para os Bastardos Inglórios. Mereceu-me pelo menos a atenção que todos os outros depois do intragável Kill Bill não me despertaram. Gente boa disse-me bem do filme. E saí ileso. O tipo recuperou algumas coisas que sabe fazer bem, quando quer, como a tensão cénica dos diálogos particularmente criativos. O resto, "vai bem", como diria a minha avó. Muito chantilly, para encher o olho e entreter.
No entanto, não haveria filme sem Hans Landa, o coronel nazi interpretado pelo austríaco Christoph Waltz. A personagem (e o trabalho absolutamente genial de representação) enche o filme do princípio ao fim. Nisso, o Tarantino foi porreiro: a primeira cena diz logo o que vale a película. Quem não ficar agarrado aquilo, não precisa de ver mais nada. Quem ficar, pode deliciar-se com a cena do restaurante ou, mais para o fim, com a do interrogatório à Cinderela. A cena acima é ponto extremo do trabalho camaleónico de adaptação da personagem aos seus interlocutores e ao próprio contexto das conversas.
Em época de balanços, não tenho dúvidas: este senhor ganhou! Não sei o quê, mas seja no que for que estes pedaços de cinema entrarem, é para ganhar.
Os suecos não brincam com estas coisas. Quando anda toda a população adolescente (e alguma adulta) viciada no imaginário vampiresco chunga, eis que os nórdicos partilham connosco um filme a sério sobre a temática. Eu não sou um grande fã do assunto, mas fico parvo com um grande filme. Este é um grande, grande filme. E eu ainda estou parvo, já lá vão três dias.
Ora aqui está uma frase que José Sócrates nunca diria - ou se dissesse era a custo -, porque prefere manter-se no registo do optimismo hipócrita, mas que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não tem problemas em dizer. Haja alguém como Luís Amado (também economista) para dizer mais do que nós queremos ouvir do Governo, ou seja, assim uma coisa que ande perto da verdade:
“A gestão da crise foi complexa, mas a saída da crise vai ser mais complexa e mais difícil”.
José Sócrates no discurso de Natal - "A crise económica mundial persiste, é certo, mas há agora sinais claros de que estamos a retomar lentamente um caminho de recuperação. Precisamos de investimento público que crie emprego. Precisamos de investir nos domínios que são essenciais à modernização do nosso país: as infra-estruturas de transportes e comunicações, as escolas, os hospitais, as barragens, as energias renováveis. Precisamos de continuar a apoiar as nossas empresas, com particular atenção às pequenas e médias empresas, às empresas exportadoras, às empresas criadoras de emprego."
Cavaco Silva no discurso de Ano Novo - "Mas o desemprego não é o único motivo de preocupação. A dívida do Estado tem vindo a crescer a ritmo acentuado e aproxima-se de um nível perigoso. O endividamento do País ao estrangeiro tem vindo a aumentar de forma muito rápida, atingindo já níveis preocupantes. Acresce que o tempo das taxas de juro baixas não demorará muito a chegar ao fim. (...) Com este aumento da dívida externa e do desemprego, a que se junta o desequilíbrio das contas públicas, podemos caminhar para uma situação explosiva. Em face da gravidade da situação, é preciso fazer escolhas, temos de estabelecer com clareza as nossas prioridades. Os dinheiros públicos não chegam para tudo e não nos podemos dar ao luxo de os desperdiçar."
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