29 dezembro 2009
:: Guarda-freio: João Cândido da Silva
"O último recurso", por Pedro Lomba, no "Público", sobre o sistema semipresidencialista português: "Enquanto o Governo for tão poderoso como é, enquanto o primeiro-ministro exercer um controlo único e dado a toda a espécie de abusos sobre o Estado e a sociedade, enquanto os partidos gerarem políticos sem credenciais, prescindir do estatuto do Presidente da República e assim do semipresidencialismo pode implicar um suicídio." Nem mais.
Para um cultor juvenil de Sherlock Holmes, o filme Sherlock Holmes que vi ontem sem ter lido qualquer crítica, é como ter ido ao cinema para ver um filme que não é sobre Sherlock Holmes.
Aquele Sherlock (Robert Downey Jr.) é mais músculo do que cérebro e o filme parece-se mais com um 007 ou um western do que com as aventuras criadas por Conan Doyle. Aquilo é o que seria Holmes se fosse americano. Aliás, o vilão é mais parecido com Jeremy Brett - o mais célebre Holmes dos anos 80 - do que o próprio herói. Mas isto é o meu imaginário a debater-se com o filme.
Posto isto: diverti-me, embora tenha saído da sala sabendo que tinha visto uma história mediana. A coreografia é boa, o conteúdo é fraco.A produção é fabulosa, a sucessão de planos das lutas em que Holmes pensa mais depressa do que os seus golpes é genial, a intriga é interessante, mas o argumento não chega de perto aos calcanhares do original.
Vamos aguardar, com muita ansiedade, se os esquizofrénicos de serviço no PS vêm hoje a público dizer que o Presidente da República se colou escandalosamente aos socialistas ao promulgar o Orçamento Rectificativo (ou "redistributivo", segundo o original entendimento do ministro das Finanças).
"EDP recusa responsabilidade de indemnizar clientes que ficaram sem luz" - título de notícia do Jornal de Negócios.
"Este Natal dê o que tem a mais a quem tem menos" - texto de um anúncio da mesma EDP no mesmo jornal, onde aparece uma caixa de sapatos de senhora, supostamente para oferecer aos pobrezinhos.
Mas quando se trata de cumprir as suas obrigações como fornecedor praticamente monopolista de electricidade aos habitantes da região Oeste que passaram o Natal sem luz, a EDP já não dá nada a ninguém. A caridade recomenda-se. Aos outros. Até já tenho os olhos marejados de lágrimas.
Para fazer estádios e outros disparates caros há dinheiro. Mas para investir na qualidade da água imunda dos rios portugueses não há recursos. É curioso, como se pode ler na notícia do "Público", que Leiria, um dos municípios que suporta os encargos absurdos de um vistoso estádio de futebol, tem sob a sua responsabilidade dois dos 12 locais do país em que a água é de pior qualidade. Mais palavras para quê, quando os factos revelam quão demente pode ser a definição de prioridades por parte dos responsáveis políticos?
Uma vez mais, parabéns aos basbaques que acham que Portugal deve organizar grandes eventos internacionais para mostrar aos outros que também consegue fazer coisas supostamente exigentes apenas ao alcance das nações civilizadas e que o dinheiro, como para todo o novo-rico que se preze, não é problema.
O estádio de Leiria, um dos dez construidos ou remodelados para o Euro 2004, era suposto ter custado menos de 20 milhões de euros mas já vai nos 90 milhões e, qual esponja impiedosa, absorve cinco mil euros por dia à Câmara da cidade, isto é, aos contribuintes. Com este fardo às costas, é óbvio que o município não tem dinheiro para fazer outras coisas que seriam mais importantes para os cidadãos do que terem um estádio novo e às moscas no seu concelho.
Em relação aos "elefantes brancos" herdados do Euro, este não é caso único, como se sabe. Mas é um bom retrato das consequências das decisões de governantes, e cúmplices dos mais diversos lóbis, que têm uma concepção parola do que é "fazer obra". Os estádios são uma pequena amostra do que vai suceder com o grandioso projecto do TGV e não suprreende que por detrás da persistência no investimento na alta velocidade e da candidatura ao Euro 2004 esteja a mesmíssima personagem, de nome José Sócrates.
Só nos resta ansiar que a candidatura ao Mundial de futebol seja chumbada e que as mentes alucinadas que querem ter uns Jogos Olímpicos em Portugal jamais consigam concretizar o seu sonho delirante.
Lamento muito mas, embora compreenda que o local está de cheio de história e que, por isso, o acidente puxa ao sentimento, acho que o incêndio que atingiu o Hot Clube, em Lisboa, é uma oportunidade para que esta instituição do jazz em Portugal seja reinstalada num sítio com boas condições para quem toca e para quem escuta. Já há muitos anos que aquela cave exígua se tinha transformado num anacronismo, alimentado por nostálgicos incapazes de aceitarem a passagem do tempo.
22 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Lá vêm estes senhores com a magna missão de defender esse mítico conceito que dá pelo nome de centros de decisão nacional. Portugal até tem uma competitiva e fabulosa economia do betão, convenientemente financiada pela banca - deve ser por isso que para a Caixa o cimento é um activo estratégico nacional que vale a pena defender com unhas e dentes. Haja paciência.
Ele quer um congresso no PSD e diz que não se candidata... por enquanto;
Ele é vereador na câmara municipal;
Ele fez um tabu sobre a vereação do PSD na CML;
Ele candidatou-se à CML e perdeu;
Ele candidatou-se à liderança do PSD e perdeu;
Ele foi líder da bancada parlamentar;
Ele foi deputado;
Ele culpou Cavaco e Marcelo quando escreveu um livro sobre quando o céu que lhe caiu em cima;
Ele regressou à CML e deu um chega para lá em Carmona;
Ele viu uma maioria absoluta dissolvida e não percebeu o que lhe aconteceu;
Ele foi primeiro-ministro e líder do PSD sem saber como;
Ele abandonou a CML para cobrir a retaguarda de Barroso e do partido no Governo;
Ele debatia com Sócrates na RTP;
Ele quis ser Presidente da República;
Ele era o número dois do PSD;
Ele ganhou a câmara de Lisboa a João Soares e empurrou Guterres para o pantanal;
Ele candidatou-se a líder em Coimbra contra Barroso e Mendes;
Ele ganhou a Figueira da Foz;
Ele era o enfant-terrible, mas nunca foi a votos nos congressos com Marcelo;
Ele deixou a presidência do Sporting para se candidatar ao PSD;
Ele pediu ao PR para o receber porque ia abandonar a política por causa do João Baião;
Ele foi presidente do Sporting;
Ele comentou na televisão;
Ele foi candidato a líder no congresso do Coliseu, mas não foi a votos com Durão e Nogueira;
Ele zangou-se com Cavaco por causa do tabu;
Ele foi secretário de Estado da Cultura de Cavaco;
Ele foi secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de Cavaco;
Ele apoiou Cavaco na Figueira da Foz;
Ele era da tendência Nova Esperança liderada por Marcelo contra o Bloco Central;
Ele era dos Críticos a Balsemão e conspirava com Cavaco para o derrubar;
Ele era colaborador de Sá Carneiro;
Ele era amigo de Barroso e falavam do dia em que seriam primeiros-ministros;
Ele era um estudante de direita;
Ele nasceu para isto e nunca deixará de voltar a isto, mesmo que diga que não voltará para o PSD, se um dia sair do PSD. Agora pode candidatar-se a líder. Mas também pode apenas ser uma reserva moral para ajudar o partido a pensar, porque ele faz parte da derrocada. Parece-me que desta vez PSL vai tirar o pulso ao partido e quem sabe se não provocará a cisão que se desenha há tanto tempo: elitistas para um lado e populista para o outro. Um partido novo que retira definitivamente ao PSD a possibilidade de ser poder sem ser em coligação com uma ala perdida ou com o CDS. Será isso?
Chiado, dia livre para compras de Natal. Na rua Garrett uma manifestação da CGTP faz barulho ("natal solidário só com mais salário") e entrega os folhetos do costume: os lucros da banca, a "precariedade", os aumentos reais em 2010, etc. Num dos lados do folheto domina a imagem de um Zé Povinho a aguentar o tecto da República, enquanto Constâncio ("os bancos") e Francisco Van Zeller ("os patrões") observam o esforço sob esse mesmo tecto, de perna cruzada, e pedem mais lucros e sacrifícios. Um mimo de propaganda.
Uns metros mais abaixo, na mesma rua Garrett, quem haveria de estar: Francisco Van Zeller. Saquinho da FNAC na mão, a olhar ora para o topo da rua, ora para o relógio, com ar apressado. Fiquei com a impressão – a vantagem de ter um blogue é esta, um gajo pode ventilar impressões sem ter de confirmar – que o líder da CIP (que anda em guerra acesa com os sindicatos por causa do salário mínimo) estava à espera que a manif se evaporasse para poder levantar tranquilamente o carro no parque Camões. É a conflitualidade social à portuguesa, suponho.
O Público só queria saber quantas crianças estavam abrangidas pela Acção Social Escolar e quantas em cada escalão receberam Magalhães, porque a comparticipação do Estado para pagar os computadores é diferente conforme o apoio social. O que o jornal escreve é, digamos assim, kafkiano. Eu sei. Durante a semana senti o mesmo. Embora o Governo tenha o dever de informar onde gasta cada um dos nossos euros, o Público nesta peça escreve isto:
"Mas se o Ministério de Isabel Alçada remeteu as explicações para o de António Mendonça, já este remeteu a questão para a FCM, que por sua vez remeteu todo e qualquer esclarecimento para um comunicado conjunto emitido pelo MOPTC, Vodafone, Optimus e TMN em Julho (divulgado na época em que a polémica sobre a FCM foi levantada no Parlamento pelo PSD) e para um esclarecimento do MOPTC do final da semana passada."
Victorian America Outubro 2009 :: Emily Jane White
Tarefa difícil a de catalogar a música de Emily Jane White. Talvez seja precisamente essa a primeira pista que nos diz para a ouvirmos com atenção. Esta californiana que ainda não fez 30 anos (difícil de acreditar...) apresenta-nos um universo sonoro que toca muitos dos ambientes que costumo habitar: a folk intimista dos Lambchop, a voz onírica de Joanna Newsom, o blues de Billie Holiday, o post-rock de GYBE! ou Yo La Tengo. Depois há as referências da chamber pop, do jazz e do blues e da folk americana. A forma como Emily Jane cozinha tudo isto é magistral. E o resultado é uma complexa colecção de pequenas histórias de melancolia e solidão. Já não têm desculpa para não oferecer um disco neste Natal.
14 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Estou há cinco minutos a ouvir a Fátima Campos Ferreira a interrogar um empresário do bacalhau sobre como conseguiu chegar à liderança mundial no seu negócio. Este é mais um programa sobre a capacidade mítica dos portugueses serem tão bons e organizados como os melhores. Mais uma sessão de soul searching, com o país no divã e a Fátima e os empresários como nossos terapeutas. Dizem que é importante para criar optimismo e alevantar o país. Talvez, mas agora se não se importam vou ali apertar o nó da corda.
13 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Parece que o próximo Orçamento do Estado vai contemplar medidas semelhantes às que o Reino Unido e França adoptaram: um imposto extraordinário sobre os bónus pagos na banca. Diz o primeiro-ministro José Sócrates que a ideia é evitar a repetição de "situações verdadeiramente chocantes e escandalosas de pura ganância". Sócrates admite que este tipo de situações "não está a acontecer em Portugal", mas que "o que ficou visível nesta crise é que os grandes riscos foram assumidos pelo público."
O bullshit detector não dá sinal – grita. Convém lembrar o seguinte:
1. Em Portugal o governo concedeu um aval à banca, para facilitar o acesso ao crédito numa altura em que os mercados estavam paralisados pela desconfiança. Foi uma boa medida. Os bancos portugueses recorreram ao aval (num montante global que nem chega a um quinto do limite de 20 mil milhões de euros), mas deverão cumprir. Ou seja, o Estado não vai pagar um cêntimo.
2. Em Portugal houve um banco que custou já 3,5 mil milhões de euros ao Estado: o BPN. Não se sabe quanto deste dinheiro voltará aos cofres públicos. O governo decidiu que a falência desta banqueta – que reúne um sem número de falcatruagem que prende pelo rabo boa parte do bloco central e não só – implicava um risco sistémico. A ideia que fica é que este risco seria sobretudo político.
3. Em Portugal, o governo reduziu o tecto de 20 mil milhões destinado para os avales em 5 mil milhões, valor que somou ao limite de endividamento do Estado. Ou seja, o que fica visível no nosso país não é o preço que o Estado teve de pagar para ajudar o sistema financeiro. O que fica claro é a fragilidade das contas públicas portuguesas – alimentada por má despesa e más decisões ao longo dos últimos 30 anos – que obriga o contribuinte a assumir riscos no futuro.
4. Em Portugal, a banca de investimento (onde se pagam prémios a sério) é liliputiana: uma medida como a britânica abrangeria no máximo 4.500 pessoas, os dirigentes e administradores dos bancos. O impacto na receita seria mínimo. Por outro lado, como reconhece o próprio Sócrates, em Portugal não houve grandes comportamentos de risco: não porque a banca portuguesa seja espectacular, mas porque é deficitária de financiamento, sem liquidez para aventuras de subprime.
5. Em Portugal, a banca paga uma taxa efectiva de imposto (cerca de 15%) bem abaixo da nominal (25%). A mais valias em bolsa não são taxadas. Não quero aqui discutir se deveria haver mais empenho fiscal neste campo – quero apenas notar que onde este ímpeto moralizador teria um impacto financeiro maior o governo não mexe.
Ficamos, pois, com mais um exercício de infantilização do eleitor português. Enquanto isso esperamos para ver se o Orçamento do Estado para 2010 terá realmente alguma medida com impacto, que comece a desatar o nó das contas públicas.
Adenda: Explica o guarda-freio Pedro Esteves, mestre nas matérias financeiras, que na melhor das hipóteses o BPN deverá custar 1,5 mil milhões ao Estado. Fica aqui a devida correcção.
Erro clamoroso do Inatel – aquilo não era a Casa do Lago, nem tão pouco uma boa e animada revista com a Marina Mota – e um espírito de brigada do gangue sénior. O resultado é precioso. Afinal, o país ainda está vivo.
Adenda: Escrevi isto ontem de manhã, ainda imbuído de relativa compaixão para com os desmandos desta brigada inateleira. Mas ao longo do dia, consoante ia pensado no assunto, fui achando cada vez menos piada e a encarar a coisa como ela é: um sinal do velho país salazarento e pobre de espírito, dos moralistas de merda do costume, aqui vestidos com a pele de cordeiro que só a terceira idade pode oferecer. Se eu tivesse comprado um bilhete para a peça e me saísse na rifa esta brigada de ectoplasmas revisteiros a cheirar a naftalina teria ficado bem lixado da vida.
11 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
A questão essencial não está tanto em saber se Obama já fez o suficiente para receber o prémio. A questão é que o líder da maior potência militar do mundo jamais será um bom candidato a esta distinção. Não discuto aqui se a decisão de mandar mais 30 mil soldados para o Afeganistão é uma boa decisão do ponto de vista estratégico ou político, mas para mim é razoável o argumento invocado por Obama de que há guerras que têm de ser travadas - e, quando assim é, os Estados Unidos costumam ser quem se chega à frente primeiro. Mas do que se sabe (e do que já ouvi de quem lá esteve) uma guerra envolve tiros e brutalidade, carne e sangue, mortos e pesadelo. É fodida. E, se não quisermos cair no doublespeak de Orwell, está longe de ser paz. Em Oslo, alguém devia perceber isto antes de ceder ao optimismo vazio e ao marketing político.
É muito boa, mereceu a distinção de segunda melhor capa nos EUA em 2009 (atribuída pela Time) e é de Jorge Colombo (por favor, vão ao site do homem), um daqueles nomes até agora para mim desconhecidos. Not any more.
Espreito a Agenda Anual da Lusa. Título: "Previsões para o período de 01 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2010". - Mundial de futebol, ok; - reprivatização do BPN, ok; - visita do Papa, ok; - salário mínimo nos 475 euros, ok; - cimeira da Nato em Lisboa, ok; - desfecho do processo Casa Pia... hã?!
O discurso correspondeu às expectativas. Teve momentos brilhantes e frases contundentes. Lançou apelos, apontou caminhos, deixou recados e teve a capacidade de fazer-nos abandonar, por breves momentos, o cinismo que geralmente nos guia nestas matérias. Piscou o olho ao mundo ideal, sem receio da ingenuidade dessas palavras. Porque nunca tirou os pés do nosso mundo, aquele que vivemos. O real: guerra, guerra, guerra. A palavra foi repetida incessantemente. Num texto pela Paz. E todos achámos que fez sentido. Obama provou hoje que ninguém discursa como ele. Durante breves minutos teve o mundo suspenso nas suas palavras. E ao mesmo tempo confirmou o dia de hoje como aquele em que ocorreu a maior campanha de marketing alguma vez feita em prol da Paz.
Maria Cavaco Silva é humana, como nós. Tem paixões e sonhos, como nós. E age no sentido de as alimentar (as paixões) ou de os cumprir (os sonhos). Está de parabéns, é uma nobre lição de vida, para todos nós.
O problema é quando as paixões e os sonhos de Maria Cavaco Silva se cruzam, ainda que de forma enviesada, connosco. Ou porque a visita oficial do Presidente da República faz um "ligeiro" desvio, para visitar a Capadócia, um velho sonho de Maria. Ou porque o Museu da Presidência "promove" a exposição dos presépios da sra. Cavaco Silva.
Não me parece que o mais alto cargo público da República Portuguesa dê um "cartão livre" para tomar decisões de natureza pessoal, "às cavalitas" das funções do cônjuge. Nem é tanto pelo dinheiro (gasto em outras coisas tão inúteis como protocolos e rituais quase tribais), mas mais pelo respeito. Por todos nós.
Ao menos, descobri uma motivação - a única, até agora - para querer ser Presidente de todos nós. Como sonho a verde e branco e tenho uma paixão por passas (de uva), se for eleito Presidente posso apenas prometer que os jardins e a fachada do Palácio de Belém vão sofrer uma alteração profunda. Por todos nós.
Os sinais de que isto não vai durar muito andam aí. O facto de António Vitorino mais uma série de socialistas virem pedir a intervenção de Cavaco em nome da estabilidade é eloquente do que se está a passar. É claro que o PR não age a pedido, muito menos assim pressionado em público. Se Sócrates não consegue nada de Cavaco nas reuniões de quinta-feira, que hoje não devem passar mais do que pura formalidade, é porque o PR não está para aí virado. As relações com Sócrates e o Governo são péssimas. A desconfiança é mútua e assumida. A má gestão do "caso das escutas" foi arrasadora para o PR e tirou-lhe margem de manobra. A sucessão de casos mal explicados em torno no PM também não ajuda. Se Cavaco pedir às oposições apoio para o Governo, para onde é que se vira a sua base de apoio nas eleições daqui a um ano? Se não frisa a necessidade de estabilidade, que foi sempre uma das suas bandeiras, para que lado conduzirá o seu discurso em Janeiro de 2011? O PS acaba de entalar Cavaco: se ele não faz parte da solução, então tratam de o meter como parte do problema.
Quando diz que não volta ao BCP enquanto não estiver resolvida a questão judicial, o dr. Armando Vara quer dizer exactamente o quê? Que não entra pela porta da sede do banco, que não cumprimenta o porteiro, que não sobe no elevador, que não se senta no seu gabinete, que não vai às reuniões da administração, que não atende clientes?
Ou seja, quer dizer que continuará a trabalhar a partir de casa, suponho, já que o salário ele continua a recebê-lo... Como diz o outro, "o homem tem o direito de viver também".
08 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Dois em um: a Foreign Policy elegeu uma lista de 100 "pensadores globais do ano" e pediu-lhes para recomendarem um livro. Oscila-se entre Dostoievski e Dambisa Moyo, entre Kapuscinski e Wilfred Thesiger.
Onde é que já ouvi esta conversa? Tudo tão parecido connosco, tudo tão igual. Será a corrupção um problema ibérico? É da natureza humana? A fraqueza perante o poder é. Mas a Justiça podia ser mais rápida e eficaz em Portugal como em Espanha, porque a ineficácia da justiça não é da natureza humana. Os eleitores também podiam castigar os candidatos arguidos ou acusados em vez de os premiarem. Aqui, como ali do outro lado da fronteira...
O escritor Javier Marías escreve esta crónica na revista El País Semanal, da qual copio estes trechos em castelhano:
"en las localidades en que había alcaldes (...) acusados de corrupción, esos individuos y sus respectivos partidos (...), lejos de ser castigados, han recibido un mayor número de votos que la vez anterior(...)"
"Es cierto que, con la exasperante lentitud de la justicia –que ya casi nunca lo es–, la mayoría no estaban condenados ni tan siquiera juzgados. Así que limitémonos a las apariencias: cuanto más parece un político ser deshonesto, o directamente un ladrón o un rufián, más favorecido se ve por sus electores, más lo admiran éstos y más desean que sea él quien los siga gobernando".
05 dezembro 2009
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Em (raro) desacordo com o mestre guarda-freio na questão do aumento do salário mínimo para 475 euros. É verdade que os salários na função pública e no privado devem ter aumentos muito moderados em 2010. E é também verdade que a questão dos aumentos salariais não pode ser vista de forma isolada: o trabalho é mais um custo para as empresas, a somar a outras condicionantes como os juros e o acesso ao financiamento (que não está fácil), a factura energética, etc. Contudo, no caso do salário mínimo (que abrange cerca de 365 mil pessoas) há um acordo político e social que deve ser honrado: chegar aos 500 euros até 2011. O salto para 475 euros é um passo intermédio para chegar a essa meta - se não, como dizem e bem os sindicatos, nunca se chegaria aos 500 euros em 2011.
Do ponto de vista económico o impacto das subidas do salário mínimo no emprego continua a ser daquelas matérias escorregadias. Mas, se há um consenso, esse parece apontar para que o impacto nas falências e no mercado de trabalho seja muito pequeno. Análises económicas à parte, sobra isto: uma empresa sedeada no espaço da zona euro que não sobreviva porque o salário mínimo cresce 25 euros por ano é uma chafarica no fio da navalha que compete exclusivamente pelo preço. Não tem grande razão para existir. A subida do salário mínimo - socialmente justa - é apenas um sopro de vento ligeiro que só acelera a queda de muita folha já caduca.
(faz-me lembrar uma entrevista de Vasco Pulido Valente ao Expresso, depois de ter estado a escrever o livro Glória ao estilo romântico, e em que teve uma tirada romantíssima. Perguntaram-lhe como é que estaria Portugal dali a 10 anos. Ele respondeu que esperava não estar vivo ao fim de 10 anos para ver o que não merecia que alguém estivesse vivo para ver)
Ninguém merece ganhar o salário mínimo, porque ninguém consegue viver ou criar uma família com essa miséria de vencimento. Mas duvido que o aumento do salário mínimo em 25 euros anunciado hoje pelo PM seja a medida certa no tempo certo. Quando o Governo gasta milhões para estimular a economia em plena crise, com empresas a fecharem todos os dias e o desemprego nos dois dígitos, uma decisão aparentemente bem intencionada como esta pode voltar-se contra os beneficiários. Dito isto, fica-se com a sensação de que ainda estamos em campanha eleitoral e que esta é uma decisão para entrar directamente na propaganda do PS, no caso de o Governo cair antes da legislatura acabar.
Manuela Ferreira Leite e José Sócrates protagonizaram há minutos um dos, chamemos-lhes assim, debates parlamentares mais agressivos de que há memória entre PS e PSD.
O PSD queria saber se Sócrates subscrevia as teses da "espionagem política" de Vieira da Silva. O PM não respondeu a isto mas devia. Fugiu, mas fez um ataque de animal feroz e ferido, acusando o PSD de irresponsabilidade democrática por querer saltar por cima das decisões das mais altas instituições judiciais - por querer divulgar escutas que o Supremo mandou destruir. Esta é uma maneira suave de pôr a coisa tendo em conta o tom em que a discussão se passou.
Ferreira Leite falou duas vezes. Não é uma tribuna, já sabíamos. Mas na terceira intervenção do PSD teve de ser Aguiar-Branco a ir à dobra. É o reconhecimento de que a líder do partido não tem capacidade para enfrentar o PM. Não esteve mal.
Louçã: hábil, prosaico e sem rodriguinhos. "O sr. PM fez queixa crime contra a espionagem política denunciada pelo seu ministro?"
ADENDA: O comentário de Ricardo Costa no telejornal do almoço é lapidar. Ninguém esteve bem na questão das escutas, nem PS nem PSD. E o debate foi mau demais. Mas era inevitável, digo eu.
É sexta-feira na little town America. George W. Bush vivia num rancho em Crawford. Apesar da fama mundial, o lugar é apenas uma pequena aldeia de 705 habitantes. E esta noite havia um dérbi de futebol entre liceus: os Pirates de Crawford, que tinham sido campeões do Texas (o Texas tem 23 milhões de habitantes), jogavam contra os Bulldogs de McGregor, a vila vizinha, com 10 mil habitantes. Grande festa! Os 705 habitantes estavam nas bancadas a gritar pelos Pirates.
Foto: VM
Há um ano, durante a campanha para as presidenciais, a republicana Sarah Palin apresentava-se invariavelmente como uma hockey mom. Naquela noite, o estádio de Crawford estava cheio de football moms and dads. O público vibrava ali com mais energia do que num Benfica-Sporting. Aquela gente tem espírito de comunidade. As televisões conservadoras estavam sempre a falar dos little town America values, coisa alegadamente abstracta para Obama...
Foto: VM
Imagino que os liceus daqui não sejam muito grandes - embora Bush, Putin e Blair tenham discursado no pequeno liceu de Crawford - mas toda a gente está envolvida na noite de sexta-feira desta América das aldeias. São os alunos que jogam futebol americano, as cheerleaders da escola agitando puffs, gritando Pi-ra-tes! ou do outro lado Ouf! Ouf! Bull-dogs!, e fazendo exibições de ginástica nos intervalos, mais as bandas filarmónicas estudantis. Pirates e Bulldogs têm jogadores, treinador, cheerlears e banda que toca à vez, conforme ataca a sua equipa. No mínimo é animado. E cada aluno leva pais, avós, primos, antigos alunos, professores, tudo atrás. Quando a minha equipa de basquete da secundária lá da vila jogava contra escolas de outras vilas, mobilizava mais ou menos as nossas namoradas e pouco mais. Ali há repórteres de imprensa local, rádios e televisões regionais...
Foto: VM
O problema do futebol americano é entendê-lo. Bem me explicaram as regras, a conquista das linhas, o touch down, mas confesso que entendi menos da coisa do que um americano que vê soccer e não percebe como é que os europeus gostam de um desporto em que raramente se marca um ponto. Ali marcam-se muitos pontos num jogo que aos olhos de um europeu está sempre parado. O rapaz desta foto respondeu a todas as perguntas que lhe fiz com um "Yes, sir! No, sir!" Pensei que era por ele estar a fazer a pré-recruta dos Marines, mas não. No Texas a educação assim obriga.
Foto: VM
Prteston Lynn, professor de inglês do liceu de Crawford ajudou-me a parar esta sua aluna para a foto. Conversámos ao longo do jogo. Falou-me dos escritores americanos. Não conhecia nenhum escritor português. Perguntou-me se morria muita gente nos estádios de futebol portugueses por causa dos hooligans. Raio de pergunta. O professor Lynn é um homem afável, conservador e evangélico da Assembleia de Deus que votaria com gosto na evangélica Sarah Palin, mas teria dificuldade em engolir John McCain.
Foto: VM
No fim da noite, os campeões perderam. Os Pirates de Crawford foram cilindrados pelos Bulldogs de McGregor: 42-14.
Compreende-se que a maioria das pessoas culpem as políticas públicas pelo desemprego recorde de 10,2% e exijam "soluções" ao governo e aos partidos – compreende-se isto num país em que a) o governo assume uma meta quantificável de criação de empregos (os tais 150 mil) e b) todos os governos se gabam da descida do desemprego (quando tal acontecia).
No entanto, será sempre bom lembrar o alcance limitado do governo – nunca as políticas públicas poderão resolver o problema do desemprego estrutural em Portugal (que já vai em 7%). Quando muito podem proteger os desempregados com subsídios ou conter a subida do desemprego com investimentos públicos – o que já não é pouco. Mas a descida real do desemprego faz-se com a recuperação dos nossos principais parceiros comerciais, com uma indústria competitiva e exportadora, com capitalistas corajosos e bem preparados para arriscar, com uma sociedade que volte a pôr o trabalho (e não só os "apoios") no centro dos seus valores.
O governo pode apenas ajudar – eliminando o desperdício na despesa pública, acabando com mama das empresas do regime, promovendo uma concorrência real em Portugal, dando exigência e disciplina às escolas, agindo na justiça, etc. etc. Ah, e gerindo muito melhor as expectativas dos portugueses sobre a economia. Um governo português que fizesse uma boa parte disto (ou desse início ao processo, que é de longo prazo) seria um óptimo governo – e teria autoridade moral para cobrar aos privados o resto da factura. Tudo o resto mora na demagogia dos políticos e na ilusão dos eleitores.
Adenda: É por isto que um Pacto para o Emprego entre governo e partidos da oposição seria no essencial apenas uma boa oportunidade para fotografias e apertos de mão.
Depois das acusações de "espionagem política" de Vieira da Silva aos agentes da justiça, que hoje tentou justificar no Parlamento, eis que um importante deputado do PS sugere que Manuela Ferreira Leite conhecia o teor das escutas entre o PM e Vara, pois há meses que acusava José Sócrates de mentir sobre o caso TVI/PT.
A má fé na política irrita-me quando vejo políticos a enganar as pessoas com tanto descaramento e falta de seriedade. Esta era a manchete do Expresso no dia 27 de Junho: "Governo já conhecia negócio PT/TVI desde o início do ano". Será que o Expresso escreveu esta notícia porque também ouviu as escutas, ou porque há verdades demasiado evidentes que são mais leves que a mentira e que por isso flutuam melhor?
Posto isto, só uma nota: com esta acusação a MFL, o deputado Ricardo Rodrigues assume que o PM mentiu mesmo ao Parlamento, o que já não é mau. Agora, para ser consequente, este representante na Nação devia convidar o PM a pronunciar-se sobre o tema na AR.
Talvez Ulysses dos Franz Ferdinand tenha sido a música pop que ouvi mais vezes este ano. Esta gripe obriga-me a estar em casa a ouvir discos em vez de ir ao Campo Pequeno.
Tenho a gripe. Deve ser A. O meu filho teve porque os meninos da sala dele tinham. Sou doente crónico. E tomo remédios para a doença crónica. Sou grupo de risco. Com o filho doente, tomei Tamiflu, dose profilática. Quando parei a mezinha adoeci após dois dias. Mandei um SMS ao meu médico. Não respondeu. Fui ao hospital. Ao atendimento da Gripe A, no S. Francisco Xavier. Havia pouca gente à espera. Achei-me com sorte. Cheguei antes das 11h30 da manhã. Só saí de lá às 20h30 da noite, nove horas depois. Os companheiros de infortúnio usavam máscara. Viam-se-lhes olhos febris. Tossiam. Cuspiam pulmões. Senhoras de meia idade irritadas praguejavam como marinheiros. Comi um croissant ressequido de uma máquina e foi só. Estavam duas médicas jovens de serviço. A que me atendeu viu na minha doença crónica um mistério. Esperei duas horas para ser atendido. Mais uma para fazer análises e raio X. Mais três para saber o resultados das análises. Mais uma para voltar ao consultório, onde os doentes eram atendidos aos dois de cada vez, separados por um biombo de pano rosa. Receitaram-me mais Tamiflu. Dose milagrosa, dose terapêutica, o dobro da dose anterior. Prometeram-me mais meia hora. Para o remédio chegar da farmácia hospitalar à urgência demorou hora e meia. Hora e meia de desespero de quem espera doente há sete horas. Chovia a cântaros. Fiz o teste da gripe A. Se o teste for positivo ainda me telefonam a dizer. Se for negativo não dizem nada. E não sabem quanto tempo demora a comunicar o resultado. Mesmo assim, faço os sete dias de quarentena. Se não tiver nada fico os sete dias da quarentena em casa à espera de um telefonema. A jovem médica também não passa baixas médicas. Isso é com o médico de família do centro de saúde. Como sou um privilegiado, não tenho médico de família. Tenho médico particular. Portanto, não vou interromper a minha quarentena para ir ao centro de saúde pedir um atestado a um médico que não conheço para uma doença que não sei se tenho. E talvez nem venha a saber. Nada nesta história bate certo. Só um ser cruel podia inventar um sistema destes para nos atormentar na doença.
O hospital trata-nos da saúde, mas alguém nos trata do hospital?
Guarda-freios: João Cândido da Silva Vítor Matos Bruno Faria Lopes Luís Miguel Afonso Pedro Esteves Adriano Nobre Filipe Santos Costa Ana Catarina Santos