Todas as gerações precisam de um hino - e a geração mais qualificada e entalada de Portugal arranjou um: "Parva que sou", dos Deolinda. Para quem (como eu) não foi aos concertos vale a pena ver na internet: cada linha irónica da vocalista Ana Bacalhau é abafada por palmas e gritos. No final, toda a plateia dominada por jovens, em Lisboa e no Porto, levanta-se num estrondoso aplauso. Os Deolinda tinham acabado de tocar num nervo.
A música alastrou pela internet como fogo num palheiro. As reacções dos "jovens" são de exaltação com o facto de alguém finalmente conseguir articular numa canção tudo o que lhes acontece na vida: os contratos de trabalho miseráveis ("Porque isto está mal e vai continuar/Já é uma sorte eu poder estagiar"), o contraste entre expectativas e realidade ("Que mundo tão parvo/Onde para ser escravo é preciso estudar") e a anestesia mimada ("Sou da geração ''casinha dos pais''/Se já tenho tudo, p''ra quê querer mais?"). Está lá quase tudo. Os Deolinda cantam sobre problemas reais de mais de um milhão de jovens com menos de 34 anos, entre trabalhadores a prazo, desempregados e inactivos.
Mas também os mais velhos ouvem e, na internet, logo surgiram as reacções típicas. À esquerda, entre elogios ao "grito da geração adiada" e apelos à revolta dos jovens, o cronista Daniel Oliveira escreveu na edição online do "Expresso": "A tese continuará a ser a mesma: a desgraça desta geração resulta dos "privilégios" dos mais velhos [...] Convenientemente, a desgraça da geração 500 euros é haver quem ainda não tenha as suas vidas a prazo." Já José Manuel Fernandes (ex-director do "Público") pediu no blogue Blasfémias um levantamento geral ("Levantem-se oh vítimas"), mas em sentido contrário ("dos direitos adquiridos!"). E explica, numa posição clássica da direita: "A nova canção dos Deolinda pode tornar-se no hino das gerações excluídas pelo Portugal dos ''direitos adquiridos'' e ''empregos para a vida'' [...] dos que se limitam a estar sentados sobre os seus empregos." Ambos os lados ignoram aspectos importantes.
A esquerda olha para o problema sempre do ângulo da igualdade/desigualdade e esquece-se do outro: os mais velhos, clientela política, pesam mais nas decisões de qualquer governo do que os jovens que, além de serem cada vez menos, fazem questão de se abster nas eleições. É por isto - e porque os eleitores são melhores pais do que eleitores - que existe um problema de justiça intergeracional: uma lei laboral que protege de tal forma o emprego individual permanente que contribui para que a flexibilização selvagem seja feita sobre quem entra no mercado; uma lógica de protecção social feita para o mercado de trabalho de há 30 anos e ignora os jovens precários; um Estado social que, com pezinhos de lã, se prepara para despejar a factura das pensões de reforma nestes mesmos jovens. A lista é longa.
A direita reconhece o fosso geracional - pelo menos enquanto está fora do governo - mas erra ao copiar cegamente dos manuais de economia e de gestão o ideal de flexibilidade total. Os bloqueios geracionais agravam a situação dos jovens, mas há mais além disso. Há um capitalismo eticamente pobre e pouco fiscalizado. Há uma filosofia crescente centrada no trabalho temporário, que agrava o fosso salarial entre o topo e a base. Há um paradigma de "reengenharia" permanente, que impõe às pessoas uma vontade contínua de mudança, com impacto forte no seu tempo e na sua narrativa de vida - é um choque que os jovens, mesmo com bons empregos, bem conhecem. A direita parece ignorar tudo isto.
Mas há um ponto em que ambos os lados erram em simultâneo: a educação e as expectativas. Nos anos 90, pais que nunca tiveram oportunidades sonharam ter filhos doutores e os governos fizeram a vontade: milhares pagaram em tempo e dinheiro cursos sem empregabilidade, numa lógica de ensino baseada na auto--estima. Pagaram para, no final, acabarem semi-escravizados por um mercado de trabalho sem ética, orientado para os interesses da maioria estabelecida. Falar de "jovens" significa abarcar tudo isto: e é mais simples fazê-lo a cantar do que no debate político.
Era uma vez um ministro de um governo sem maioria que decidiu afrontar os dois partidos que podiam salvar esse governo em caso de uma moção de censura da direita.
Se o ministro Lacão quisesse mesmo "a recuperação da confiança por parte dos cidadãos eleitores", como diz, não se metia pela conversa da redução do número de deputados. Até porque só na cabeça dele é que uma coisa tem que ver com a outra.
Se fosse mesmo isso a estar em causa, haveria outros caminhos, bastante mais eficazes: - Não prometer uma coisa em campanha e fazer o contrário depois das eleições - Não prometer em campanha aquilo que sabem não poder cumprir - Não dificultar o exercício do direito de voto - Não tomar medidas eleitoralistas com efeitos ruinosos - Não delapidar os recursos públicos com investimentos dispensáveis - Não permitir que os partidos políticos sejam exemplos acabados de corrupção, compadrio, tráfico de influências e dinheiro sujo - Não presumir que o exercício de um cargo político coloque o seu detentor acima do escrutínio público - Não tratar as pessoas como estúpidas
A lista podia continuar, e até me podia dar ao trabalho de, em cada item, fazer uma dúzia de links.
Parece que poupar uns cobres não é a única razão desta intempestiva proposta. É certo que surge embrulhada na narrativa da "crise" e da necessidade de "austeridade". Mas, pelos vistos, tem em vista sobretudo o Santo Graal das democracias modernas: combater o "divórcio", como se diz agora, entre eleitos e eleitores.
Confesso que me escapa esse passe de magia que pela redução do número de deputados consegue "aproximar os eleitos dos eleitores". Em todo o caso, não tenho nenhum fetiche com o número 230, nem qualquer repulsa pelo 180. No entanto...
O ministro Lacão coloca uma série de perguntas e eu embatuco logo nas duas primeiras: não sei se uma diminuição do número de deputados para 180 "manteria uma representatividade adequada" e a "proporcionalidade actual". O senso comum diz que, se há menos representantes, a representatividade é afectada. Mas para além desta lapalissada, não tenho dados que me permitam responder.
A boa notícia é que, se avançar a proposta feita pelo ministro a título pessoal (curioso número...), arranjam-se estudos "credíveis" e "sérios", de entidades "acima de qualquer suspeita", garantindo uma coisa ou jurando o seu contrário. É como os pareceres jurídicos - há para todos os gostos -, com a vantagem de que os números, como se sabe, são fracos: basta torturá-los e eles dizem o que quisermos.
P.S.: Em todo o caso, não deixa de ser comovente ler o ministro Lacão discorrer sobre a "agressividade retórica típica do Estado-espectáculo que vai progressivamente tomando conta do quotidiano da vida política".
Os cavaquistas mais empedernidos devem estar aborrecidos por se fazer jornalismo em Portugal, como mais uma vez prova o José António Cerejo, no Público. O silêncio é de ouro, deve continuar a pensar o professor Cavaco, arrependido de ter feito o comunicado de ontem, uma vez que as declarações têm destas coisas, uma coisa puxa a outra, e podem colidir com a realidade. O trabalho do Público de hoje contraria a teoria do "jornalismo suave" e ainda bem.
Entre a Tunísia e o Egipto está a Líbia, onde mora o mais velho dinossauro político por aquelas paragens, o coronel Muammar Qadaffi. Não se tem ouvido falar muito da Líbia - nem na Argélia... - mas este silêncio pode ter os dias contados. Aviso a São Bento: esta malta líbia pode não aguentar a tempo de financiar a nossa bela República.
- Digame? - Istoi? Rosé Luiz? - Si? - Fala o Rosé, die Lisbioa. Coimio istiás? - Bien, hombre. Qué pasa? - Olhia, estiavia aqui a vier ionde é que niós puediamos cortiare un pouquito miais nas diespiesas. Y niós aqui, viamos cortiari nios inquiéritios del INE. Passiamos a fiazer tiudo por telefione. - A si? Las estatisticas?! - Si, si, fica miutio más barato. Más biaratio, si me entiendies. - Anda, que bien. No me habia ocorrido. - Niós comeciámos con as estiatísticas do desiempriego. Atié dá jeito. Diá jeitio, si me compriendies (risos). - Muy bien, Rosé. Gracias. Seguiré el ejemplo en Los Censos nacionales. - Viés, quien te diá boias ideias, é aqui o "hiermano" piortuguies. Quien é amiguio, quien ié?
02 fevereiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Hoje sonhei que o Liedson falava português de Portugal e que o fazia com inatacável correcção. (Mesmo). Mas adiante. O homem está de saída, o que equivale a dizer que um dos poucos craques que o Sporting ainda tinha está de saída. Preço: 2 milhões. Dois. Parece que para o gajo que manda no futebol do Sporting este foi o preço para o clube se ver livre de um "problema". Tendo em conta o passado de "problemas" em Alvalade, tenho uma sugestão: enchamos 100% do plantel de coxos, muito agradecidos por jogar no Sporting, e pode ser que os problemas desapareçam de vez. Tal como o futebol do clube. Não haja paciência.
Na foto, dois dos problemas que o Sporting resolveu com o habitual brilhantismo celebram o segundo golo contra o Benfica, num inesquecível 5-3 em Alvalade para as meias finais da taça, em Abril de 2008. João Moutinho, capitão e problema, é agora o motor do meio campo FC Porto. Liedson, avançado e problema, sai para o Corinthians ao desbarato. Gestão do cacete.
O Presidente não quer segunda volta das eleições presidenciais porque isso sai caro. O ministro quer cortar 50 deputados no Parlamento por causa da austeridade. A democracia é uma flor frágil. E, pelos vistos, muito cara.
João Amaral Tomaz, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirma que "tem que ser Portugal a resolver os seus problemas" e que "o recurso a terceiros só se justifica se não formos capazes de nós próprios ultrapassarmos as dificuldades".
Ora bem:
1. Portugal está, há alguns meses, dependente dos financiamentos externos que consiga captar nos mercados ao preço que os credores decidirem ser razoável para compensar o risco que correm;
2. O Banco Central Europeu tem financiado a banca portuguesa, compensando o facto de as instituições financeiras nacionais não conseguirem captar recursos no mercado interbancário;
3. O Governo tem andado em visitas oficiais, sejam de Estado ou em"road shows" junto de potenciais investidores, para conseguir ajuda financeira sob a forma de compra de títulos de dívida pública portuguesa (sabe-se lá com que contrapartidas).
Posto isto, parece existirem duas evidências:
a) Portugal tem que resolver os seus problemas porque andar de chapéu na mão pelo Mundo fora não é solução de vida;
b) Pode não ser óbvio, o que não deixa de surpreender, mas a verdade é que Portugal já está há algum tempo a recorrer a terceiros precisamente porque não foi capaz, até agora, de evitar ou de resolver os seus problemas.
Para quem pensa como João Amaral Tomaz, o problema não está em pedir ajuda a terceiros mas em pedir ajuda a terceiros que ostentem a sigla FMI. Estão no seu direito. Mas, pelo menos, expliquem porquê.
Um concurso lançado pelo presidente do Instituto Português do Sangue foi ganho pelo filho do presidente do Instituto Português do Sangue. Se isto era uma questão de sangue, não se percebe por que motivo o concurso foi anulado. Enfim, se foi por vergonha na cara, compreende-se. Em certas situações, o sangue costuma concentrar-se nas bochechas. Malvado.
Ontem, numa pequena celebração familiar, dei por mim sentado à mesa do reputado Gemelli, em Lisboa. No Gemelli a qualidade do que se serve quase salva a petulância postiça, a falta de atenção e a falta de naturalidade com que se serve - quase.
Na melhor linguagem Zagat: entre entradas e sobremesas de valor (mas não deslumbrantes), acabei por gostar muito do casamento improvável entre baunilha e salmão fumado no prato de massa. E o risotto estava mesmo muito bom. Tudo foi regado com um bom tinto, a preço razoável, recomendado pelo anfitrião. E tudo estaria muito bem se para aproveitar uma boa refeição não precisássemos (aquelas quatro pessoas) de abrir a alma e baixar a guarda - de saber que a comida é boa, que a companhia é boa e que estão a tratar de nós com atenção discreta e eficaz. No Gemelli o anfitrião é um bom anfitrião, mas o resto do serviço é uma lástima: um replicant que escapou às balas do Harrison Ford e acabou ali a recitar pratos que obviamente não conhece, com voz sumida e maquinal, olhos postos num horizonte distante; e o pedante médio, de cara fechada e insuportavelmente condescendente, nada atento aos desejos dos clientes que lhe pagam o salário. Em resumo: no Gemelli come-se muito bem, a preços altos (45 euros por pessoa foi o resultado da experiência), num ambiente gélido (para o qual também contribui a decoração estilo contemporâneo-impessoal). Cada vez tenho menos paciência para estas merdas. A não repetir.
As meninas afegãs são forçada a casar e espancadas em público quando desobedecem. Saber que acontece é diferente de ver o que acontece. O cérebro é mais sensível às imagens do que às palavras que evocam as imagens. No fim deste vídeo fica uma sensação de enjoo. A humanidade foi sempre injusta, violenta e sem remissão. Ainda assim, o mundo tem melhorado aos poucos. Há uns séculos queimavam-se pessoas no nosso querido Rossio. As nossas sociedades já foram como isto que vemos no Afeganistão. Mas "ver" dá-nos a volta ao estômago e pensamos que ainda estamos na Idade Média.
Este cavalheiro tenta, há uma semana, ver no discurso de vingança de Cavaco o discurso de vitória de um Presidente. Está no seu direito.
Ninguém duvida que ele, tendo estado na festa da vitória com o fervor e a bandeirinha dos fiéis, tenha ouvido no tal discurso uma ou duas banalidades a que os jornalistas não deram importância - pela simples razão de que não a tinham. O soundbite do discurso de Cavaco era um relambório sobre "a vitória da verdade sobre a calúnia" e "a vitória da honra sobre a infâmia." A exortação que tinha para fazer a alguns portugueses era que denunciassem as fontes de umas notícias. O cavalheiro em questão acha que sim senhor, isto é digno de um Presidente na hora da vitória. Tenho todo o prazer em discordar.
Mas na sua cegueira de defender Cavaco, aparentemente também ficou surdo. E ouviu-me dizer esta noite na SIC-N não só o que eu não disse, mas o contrário do que eu disse. Ouviu-me imputar, imagine-se, "gravitas" a Almeida Santos - talvez quando comentei que as intervenções do dito têm o mérito, se não de nos fazer pensar a política, pelo menos de nos divertir.
Oh homem, quer chafurdar nas misérias do cavaquismo, faça bom proveito. Quer discordar de mim, vamos a isso. Mas acredite, não é sobre o dr. Santos que vamos discordar. Como teria percebido, se não tivesse os ouvidos cheios de merda.
Apesar do complicadómetro eufemístico do título marinheiro é de louvar o esforço de transparência da Marinha ao publicar as fotos do navio afundado, anunciado que daqui a meia hora terá um vídeo on-line sobre o assunto. É positivo, desde que não inviabilize a ida da imprensa do local.
Carlos Beato, presidente da câmara de Grândola (independente eleito em listas do PS), que apoiou pela segunda vez a candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República, escreve hoje um artigo intrigante no Público (sem link). Basicamente, argumenta que os 53% que o povo deu a Cavaco deviam fazer esquecer os casos SLN e casa da Coelha.
Citando: "Os políticos portugueses continuam a enveredar pela via mais fácil, que é a de partirem do princípio - absolutamente ridículo e cabotino, diga-se - de que as suas certezas são as únicas respostas às mais legítimas e sentidas dúvidas do povo. Ora, como uma vez mais se constatou, o povo tem algumas dúvidas, mas tem também muitas certezas".
No fim do texto, citou-se a si próprio, como não poderia deixar de ser, e meteu Salgueiro Maia ao barulho, e estranho seria que não o fizesse. No dia 25 de Abril de 1974, Carlos Beato era alferes do capitão Maia. Quando contou espingardas e avaliou as forças do Quartel do Carmo, disse a Salgueiro Maia: "E temos o povo meu capitão!"
Ora a minha questão é só esta: se Carlos Beato arriscou o pescoço no 25 de Abril para os políticos continuarem "unnacountable" ou tão "inscrutináveis" como eram no dia 24? Foi para isso? O povo dá o mandato. Mas porque o mandato é em nome do povo, o eleito tem obrigações éticas perante o povo de justificar politicamente determinados comportamentos e condutas, coisa que Cavaco se recusou a fazer. José Sócrates noutras ocasiões também se recusou a fazê-lo. Aliás, a maioria dos políticos recusa-se a fazê-lo, mas é pena que tenha o apoio moral dos alferes de Abril...
A dedicatória "aos jovens" da vitória eleitoral de Cavaco Silva é o exemplo supremo da hipocrisia de toda uma geração de políticos que, com palavras mansas, arruínam o presente e o futuro desses "jovens". Mostra ainda uma fantástica inconsciência da frustração acumulada por milhares de pessoas, pais e filhos, um caldo de desilusão que ferve sob o verniz da sociedade.
Cavaco Silva, o principal político português da sua geração, tem por bandeira a defesa da estabilidade. Acontece que o tipo de estabilidade que Cavaco defende - que perpetua um regime com instituições fracas, um Estado social que distorce o contrato implícito entre gerações a favor dos mais velhos e uma política laboral discriminatória - é incompatível com os interesses dos jovens a quem dedicou a sua vitória.
Para esses jovens há um choque grande entre as expectativas criadas - pela família e pela educação - e a realidade do país. A bolha especulativa no ensino superior, iniciada na era de Cavaco, significou cursos sem empregabilidade, anos e dinheiro lançados ao vento. A geração mais qualificada de sempre em Portugal não tem oportunidades de trabalho que correspondam às expectativas e é a cobaia da globalização e das mudanças no paradigma do emprego, suportando com a sua precariedade a protecção conferida aos outros. Porque não conseguem o primeiro emprego ou porque saltam entre empregos precários, este jovens não são alvo das atenções generosas do Estado social quando estão desempregados. A razão: não têm "carreira contributiva", como os que estão dentro do círculo protegido. Este é o mesmo Estado social que prolongou as generosas regras de cálculo das pensões, que atribuiu centenas de milhares de pensões sociais e expandiu os gastos da Segurança Social ao arrepio da transformação demográfica - tudo elementos da factura que, a somar à conta do despesismo público, será paga pelos mesmos jovens lá mais à frente.
Estes problemas de justiça geracional, transversais à Europa social, têm sido amortizados em Portugal pela ajuda financeira da família, pela emigração e pela anestesia da cultura de entretenimento. Mas não se pode ignorar o risco que o país enfrenta ao discriminar uma geração inteira. Estes jovens, traídos no seu enorme e muitas vezes artificial amor-próprio, não terão contemplações com a geração seguinte, nem com a anterior (mais velha). Fora da política "séria", que nada lhes dá, são uma presa fácil para populistas eficazes.
A política não é a tábua de salvação para resolver o problema. Está limitada pela vontade dos eleitores e, em Portugal como noutros países europeus, as pessoas são melhores pais e avós que cidadãos. Mas a política tem de ser o ponto de partida para mudar a lei do trabalho e a respectiva fiscalização, para alterar a lógica de protecção social ou repartir o fardo social com os pensionistas. É a política que pode reforçar instituições como a justiça ou o parlamento.
Sobre este novo enquadramento de base para os "jovens", Cavaco Silva nunca se distinguiu como Presidente da República, função em que preferiu os avisos anódinos e a exaltação dos exemplos mais cómodos de "jovens de sucesso". Terá de fazer um segundo mandato espectacular para justificar esta dedicatória na noite eleitoral, o que é pouco provável. Com raras excepções, quer a sua geração política, quer a do actual primeiro-ministro, têm-se quedado imóveis, usando os jovens sobretudo para adornar discursos demagógicos virados para "o futuro da nossa nação" enquanto tratam da vidinha. São, também eles, melhores pais e avós do que políticos.
"A honra venceu a infâmia", proclamou Cavaco Silva, este domingo, no seu discurso da "vitória da verdade sobre a calúnia". Acusou os adversários: "Nunca se tinha visto os candidatos a descer a tão vil baixeza". Insinuou urdiduras: "Eles [os jornalistas] sabem quem meteu a campanha de calúnias e insinuações". Fez pedagogia: "Numa democracia debatem-se ideias e linhas de rumo". E concluiu: "Uma vez mais o povo não se deixa enganar"
Cavaco é como todos os outros políticos: não aceita que uma campanha negativa sobre si possa ser positiva para a democracia. Afinal o mau é bom? O mau não é bom, mas é positivo que os eleitores conheçam o lado negativo dos políticos que se dizem melhor que bons. Não foi Cavaco Silva a declarar que alguns tinham de nascer duas vezes para serem tão honestos quanto ele?
Falhou a Cavaco Silva um artigo de um professor de Harvard que José Sócrates também nunca leu, pois ambos partilham o discurso quando são alvo de notícias negativas em campanhas eleitorais.
William G. Meyer escreveu em 1996 um artigo na Political Science Quarterly com o título "In Defense of Negative Campaigning", onde defende que "as campanhas negativas são uma forma necessária e legítima de qualquer eleição". O artigo foi recentemente divulgado no twittter por Pedro Magalhães, investigador do ICS.
Segundo Meyer, a campanha negativa foca-se nas "fraquezas e defeitos" dos adversários, nos "erros que fizeram, nas falhas no seu carácter ou desempenho, nas más políticas que iam promover". Uma campanha negativa fornece aos eleitores "uma quantidade de informação que eles definitivamente precisam de conhecer quando decidem em que votar". Assim, escreve Meyer, "precisamos de saber os pontos fortes dos candidatos mas também precisamos de conhecer as suas fraquezas: as capacidades e as virtudes que não têm; os erros que cometeram, os problemas com que não lidaram; os assuntos de que preferem não falar."
Se um candidato "é desonesto, os eleitores precisam de ser informados", escreve o politólogo. No caso português, se um candidato diz que é duplamente mais honesto, deve ser duplamente escrutinado. O problema é que Cavaco não aceita o escrutínio público e só isso diz muito sobre ele. Até hoje, nunca respondeu com clareza a nenhuma questão sobre as acções da SLN nem sobre a permuta das casas no Algarve. Não se trata de insinuações: são factos publicados na imprensa e que levantam questões sérias e legítimas.
Ninguém na campanha de Cavaco leu Michael Pfau e Henry Kenski para decidir usar a tempo a técnica da "inoculação", e não deixar escorrer o fio viscoso da suspeita para o mandato presidencial. Estes dois investigadores fizeram experiências de campo e estudaram o efeito da "inoculação" para neutralizar campanhas negativas. É quando os candidatos tentam antecipar os ataques que provavelmente o seu adversário vão fazer, respondendo aos ataques antes de serem levantados pela oposição.
A campanha negativa foi muito positiva: deu-nos a conhecer melhor Cavaco. Se dúvidas persistem, a responsabilidade é inteiramente dele porque nunca as esclareceu.
O ponto de partida para saber se um gestor público ganha demasiado não é a comparação com o salário do primeiro-ministro, do Presidente, da chanceler alemã ou de Obama - isso é demagogia. Para avaliar há que começar por comparar o que é comparável: o pacote remuneratório total desse gestor com o equivalente para a mesma função noutras empresas, públicas (de outro país) ou privadas, olhando ainda para o desempenho. Assim, o facto de o presidente da TAP ganhar x vezes mais do que o Obama nada me diz - mas se ele ganhar 20% mais do que o CEO da Iberia já é de estranhar. Topam?
Será que vi bem? Será que me enganei no site? Não. É mesmo no site da Rádio Renascença que aparece uma rapariga decotada com este anúncio a dizer assim: "Ela: Olá. estás aí? Entra online e conversa comigo no chat!" Não havia nexexidade... tss...tss...
Às vezes esquecemo-nos que jornalismo é encontrar boas histórias e saber contá-las. Podem ser peças curtas e enxutas, e mesmo assim caber lá dentro uma história maior que a vida e um coração do tamanho do mundo.
É isso que faz este novo programa da Antena 1. Chama-se "Nós, Vencedores". São 4 minutos por dia. É a vitória do jornalismo sem peneiras.
26 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Ana Catarina Santos
Agora ficou claro porque é que os Deputados rejeitaram, afinal, que se substituíssem as pequenas garrafas de água mineral pela água da torneira no Parlamento. Vejam bem o efeito que um pequeno copo de água provoca num homem. Imaginem em 230...
O artigo de Negócios que em 2003 noticiou as reservas da Delloitte às contas do BPN. Como se viu, não valeu muito a pena. O jornalismo às vezes tem destas. Noticia-se um assunto na esperança de que não passe despercebido. Mas às vezes passa e com consequências graves.
Manchete do Diário Económico online: "PT conclui negócio com a Oi". Clicamos no título e abre o texto, repetindo o destaque: "PT conclui negócio com a Oi". Ante-título: "Exclusivo Diário Económico" Início do segundo parágrafo: "De acordo com as mesmas fontes, a assinatura do negócio não está ainda concluída."
Em que ficamos? Está concluído ou não está concluído? É que se não está concluído, está tudo na mesma e não há notícia. Muito menos para destaque em "exclusivo".
É por estas e por outras que são cada vez mais frequentes as críticas aos jornalistas pela falta de rigor e de credibilidade. Neste caso, com razão.
O ministro Rui Pereira pediu desculpa mas não esperou pela resposta. Eu costumo dizer ao meu filho mais velho de cinco anos, para não pensar que basta pedir desculpa quando faz um disparate daqueles, para se poupar ao castigo. Ele, humílimo, a dizer "mas eu já pedi desculpa". É preciso estar arrependido, explico eu, a pensar que o educo: para estar arrependido é preciso assumir o erro.
Se um ministro que pede desculpa é porque assume o erro, não pode desculpar-se à espera que alguém lhe responda sim desculpo. Dirá o ministro humílimo nas entrevistas: "Mas eu já pedi desculpa..." Não serve de nada porque ninguém lhe dá o castigo.
2.655 carros, carrinhas, viaturas de várias rodas, formas, até motas e nenhum veículo eléctrico, que se saiba, para o gabinete do PM, que devia começar a ir da Castilho a São Bento nessa grande invenção que vai fazer de nós um País da ponta por que na ponta já estamos. O Estado vai comprar, nunca é demais repeti-lo, 2.655 carros e gastar 35 milhões de euros no glorioso ano de 2011. É o que faz falta, é ter a malta bem montada, os cavalos bem arreados, que não podendo sê-lo resta-nos mesmo parecê-lo.
Poupa-se dinheiro, sim. Mas quem faz estes genéricos? Qual a percentagem de substância activa que cada um tem? Com que frequência são fiscalizados pelo Infarmed (a tal instituição cujo ex-presidente, Vasco Maria, disse há poucos anos não ter meios para fazer o seu trabalho)? E quais são as consequências do desrespeito pelas patentes, hipocritamente tolerado pelos governos? E o que restará do papel do médico se o farmacêutico tiver poder para dar o que quiser aos clientes? E como se tece a relação entre as empresas de genéricos e as farmácias?
Os genéricos trazem vantagens no preço, quer às famílias, quer ao Estado (aos contribuintes) que comparticipa os medicamentos. Mas há ainda muitas perguntas a gritar por respostas.
24 janeiro 2011
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
No discurso de Jerónimo de Sousa, no discurso de Francisco Lopes, em comentários como este. Boa parte da esquerda [com as devidas excepções] que se auto-consagra no Olimpo da moralidade e que tem a certeza inabalável sobre aquilo que o "povo" quer - aquilo que é melhor para "o povo" - não disfarça a azia quando esse mesmo povo a) elege um candidato de outras latitudes políticas, b) se abstém, urinando de grande altitude sobre todas as candidaturas políticas, incluindo obviamente as da esquerda. A democracia é muito linda e tal, mas tem destes inconvenientes - as pessoas votam se quiserem e escolhem entre aquilo que lhes põem à frente.
O lamentável discurso de vitória de Cavaco Silva dá bem a medida do seu sentido de Estado e dimensão para o cargo: ZERO. Miguel Sousa Tavares tem razão, aquela intervenção foi o "facto político da noite". Um discurso à medida de Cavaco: mesquinho, revanchista, sem grandeza nem futuro. Tudo o que não deve ser um PR, ainda para mais no momento em que acaba de ser reeleito para mais cinco anos no cargo.
Registe-se, em particular, o apelo do Presidente reeleito para que os jornalistas denunciem as fontes das notícias sobre as acções do BPN e a casa de férias de Cavaco (vulgo, casa da aldeia do BPN). Para quem não saiba, trata-se de notícias fundadas em dúvidas legítimas sobre o passado de Cavaco, mas que o próprio se recusa a esclarecer, julgando agora que a vitória de ontem resolveu o assunto. Não resolveu.
Cavaco, quando conjurou o que era manifestamente uma campanha negra contra Sócrates - o caso das escutas - ficou muito incomodado ao ver denunciada a fonte. E tinha boas razões para isso; o que o DN fez é uma mancha no jornalismo português. Agora, perante o que abusivamente chama "campanha suja", o mesmo Cavaco quer que os jornalistas façam a Sócrates aquilo que não gostou que lhe fizessem a ele.
Estamos conversados sobre o homem. É isto um Presidente?
PS: Só fica uma dúvida sobre o discurso de ontem: foi o último acto do ajuste de contas com Sócrates ou foi o primeiro?
Cavaco Silva qualificou hoje de "grande vitória" a sua reeleição como Presidente da República e dedicou-a aos jovens, "futuro da nossa pátria", a quem prometeu tudo fazer para que "reencontrem motivos para acreditar em Portugal".[Lusa]
Vai ter de ser um segundo mandato do cacete para conseguir cumprir esta.
10,6% das pessoas que se dignaram sair para o frio votaram a desperdiçar votos. Não, não desperdiçaram: os brancos e nulos não contam como votos validamente expressos, mas expressam um sentimento forte de quem faz questão de exercer um dever de cidadania e exigir: arranjem lá alguém de jeito para a próxima, senão eu voto no candidato Coelho. Cuidado e medo... Quando um cidadão destes tem esta votação significa que, se quiser, pode eleger deputados. E, se eleger deputados... onde isto está a chegar...
Tudo somado: Nobre + Coelho + brancos + nulos dá 25% dos votos, ou seja, um quarto das pessoas que foram votar estão contra o sistema. Não tenham cuidado, ou as coisas podem vir a correr muito mal.
25% do eleitorado que vota acha que o regime está esgotado. Os partidos que pensem nisto, mas na história portuguesa os regimes nunca se auto-reformam. Fiquem de olho na tropa.
Passaram mais de doze horas sobre o desfecho das eleições presidenciais. Cavaco foi reeleito à primeira volta. Constato que, apesar dessa feliz notícia, os juros da dívida ainda não começaram a descer. Noto que, apesar dessa notícia funesta, ainda vivemos em democracia. Concluo que os argumentos da campanha eleitoral talvez tenham sido ligeiramente exagerados.
A maioria silenciosa venceu e bateu todos os recordes em presidenciais. De um ponto de vista cínico, uma abstenção elevada destas significa a maturidade da democracia: quem não vota aceita que os outros escolham por si e no fim aceita o resultado sem protestos. De um ponto de vista realista, revela decepção, ignorância, protesto, passividade, desinteresse, revolta com a classe política, um voto não exercido contra a hipocrisia e o "mais do mesmo" enquanto à volta de cada um tudo piora.
Ganhou. Um independente fora do sistema com uma péssima campanha que consegue este resultado só pode pensar em formar um partido ou manter-se no activo político. Meio milhão de descontentes com o sistema deram-se ao trabalho de ir votar para escolher Nobre. Significa que há espaço político para lá dos partidos.
O poeta vale mais sozinho do que acompanhado, o que diz tudo sobre o desgaste do Governo, do Partido Socialista e do próprio Alegre. Perder 200 mil votos quando se é apoiado por dois partidos é uma dupla, tripla derrota. É claro que Sócrates não o disse: mas Alegre o quis, Alegre o teve. Com aquela soberba aparente, a derrota é toda dele. É um conforto para Sócrates que assim anula mais um adversário com um abraço de urso. Mais: o Bloco de Esquerda assim não cola. Uma vez que o BE se aburguese ao lado do PS, desaparece.
Há cinco anos, no CCB, houve gravidade, encenação e cerimonial, com Cavaco a falar no pequeno auditório, onde entrou rígido, mão dada com a mulher, ao mesmo tempo que imensa gente corria para Belém. O Presidente eleito encaixava no seu próprio guião e tinha um discurso mobilizador.
Agora, na reeleição, houve pouco entusiasmo e ausência de cerimonial, uma banalidade em linha com os resultados, menos 500 mil votos e uma triste campanha. Cavaco fez um discurso oficial sem rasgo nem novidade, quando era necessário do PR uma retórica de mobilização nacional para aguentar as dificuldades graves que o País vai viver durante o seu mandato. Parece que o País do discurso do PR não é o País em que vivemos. Quando a seguir falou aos poucos que se dignaram ir ao CCB festejar, fez um péssimo discurso, populista e que lhe vai sair caro. Convidou os jornalistas a revelarem as fontes das notícias sobre si, em vez de se oferecer para as explicar melhor. "A honra venceu a infâmia", foi a frase da noite. Resumindo, Cavaco sentiu-se ungido pelo povo, ou seja, não tem mais nada a dizer quando lhe falta dizer tudo.
Lavados os cestos da vindima, tanto faz, Cavaco ganhou e agora vai ter a prova de fogo. Tem menos credibilidade que há cinco anos, menor base de apoio, mais distância do Governo, um País muito pior e não tem uma reeleição pela frente. Vamos ver...
Perfil de Manuel Alegre, hoje no El Pais. "Manuel Alegre sigue, probablemente, convencido de que la sociedad socialista es un objetivo por el que merece la pena luchar. Un hombre de pasiones que no cree en la literatura aunque sí en la poesía, su gran pasión junto a la política, "como una forma de relación mágica con el mundo".
Perfil de Cavaco Silva, hoje no El País: “La estampa, el talante, la mirada, los discursos, los silencios, la pompa, transmiten distancia. Distancia incluso de quienes van a escuchar a su candidato en un mitin, o tratan de rozar su mano en la calle. Cavaco Silva no es un político carismático y él lo sabe.”
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