Andar a mexer em arquivos dá nisto: parece que o tempo passa, mas não saímos do mesmo lugar. Estas notícias são todas de uma primeira página do Expresso, em 10 de Dezembro de 1977.
1) Sócrates marcou as más notícias para a hora em que o Benfica jogava para a Champions (em Maio, o PEC 2 também foi anunciado quando o País celebrava a conquista do campeonato). O Benfica tem costas largas, está visto. Eu, por mim, ia no carro e só queria ouvir o relato do Benfica na rádio. Não pude. Está visto, o povo tem que sofrer, como explicou o magnífico Almeida Santos, que já nem se dá ao trabalho de disfarçar.
2) "Chegou o momento de agir", anunciou Sócrates. Chegou só agora. Aqui há uns meses o mesmo Sócrates jurava que o mundo tinha mudado em duas semanas, ou em três, conforme lhe apetecia, mas isso não lhe deu nenhuma pista sobre a necessidade de agir então. "Nenhum movimento especulativo fará o Governo mudar de plano", jurava Sócrates; "mudar o PEC mina a confiança", "seria um erro" suspender o TGV e o novo aeroporto, jurava Sócrates. Agora, só agora, "chegou o momento de agir". Tarde piaste.
3) "Eu engano-me, mas não engano", dizia Teixeira dos Santos em Fevereiro, para explicar o "engano" de ter previsto para 2009 um défice quase quatro vezes (4!) abaixo do verificado. Engano é um gajo querer ligar à amante e ligar à mulher. Engano é pôr sal no café em vez de açúcar. Engano é o César Peixoto fazer uma jogada de jeito. O que se tem passado com Teixeira dos Santos, Sócrates & Cia não é engano. É incompetência, má fé, irresponsabilidade e chico-espertismo.
4)"Depois de mim virá quem de mim bom fará". Há anos que é o meu provérbio popular favorito. Aposto que também é o de Manuela Ferreira Leite.
No momento em que posto este texto é meia noite de 30-09-10. Passaram 4 horas sobre o anúncio de José Sócrates de que "chegou o momento de agir". Esta rapaziada ainda nem piou. É comovente. Por momentos quase acredito que eles pensam mesmo aquilo que têm andado a escrever este tempo todo.
O ministro das Finanças diz que "tudo fará" para cumprir as metas orçamentais. O secretário de estado do Orçamento diz que "tudo fará" para não deixar fugir o défice. O PS diz que está disposto "negociar tudo o que for necessário" para ver aprovado o OE/2011. O Presidente da República pede "todos os esforços" aos partidos para passarem o OE/2011. Os sindicatos dizem que vão "fazer tudo" para combater estas políticas.
É muito bom até aos 50 segs – e é ainda melhor depois dos 1:05 mins. Pode ser uma inspiração para a apresentação das metas de 2011 por Teixeira dos Santos. Versão com tradução está aqui.
27 setembro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
No verão de 2009, o PS apresentava um programa de governo, coordenado por António Vitorino, em que a palavra “apoio” aparecia 136 vezes – mais do que “despesa”, com oito singelas aparições. O buraco orçamental já galopava a caminho do recorde de 9,4% do PIB, mas isso não travou o “programa com ambição de futuro”. Nele estavam “as três prioridades muito claras” do segundo mandato de Sócrates: “relançar a economia e promover o emprego”, “reforçar a competitividade” e “desenvolver as políticas sociais”. Havia obras públicas, havia “confiança”, havia um choque social. É verdade que ninguém lê estes programas, mas nós, jornalistas, pegamos neles e, com mais ou menos sentido crítico, filtramos as ideias principais para as massas.
O PS acabou por perder a maioria absoluta, mas ganhou as eleições. Mas logo depois veio a Grécia. E veio a revelação de que o défice orçamental português tinha explodido para 9,4%. E veio a crise da dívida, com os mercados malvados. Sócrates explicou: “O mundo mudou”. E o seu governo – com um elenco de segunda linha montado para não desafiar a autoridade do chefe – ficou sem programa. Ironicamente, a mesma crise que forçou Sócrates a descer à realidade, terreno onde não tem rumo, funciona como o seu seguro de vida - é a crise que trava a demissão do ministro das Finanças, que trava uma moção de censura da oposição inexperiente, que impede o fim anunciado de um governo minoritário cada vez mais paralisado. Até quando?
Quando a Irlanda crescia, exortava-se Portugal a seguir-lhe o exemplo - deixando de lado o facto de os irlandeses terem uma grande diáspora (com dinheiro e influência) em países ricos e, sobretudo, de estarem a crescer às costas de uma grande bolha imobiliária.
Agora que o governo irlandês corta o défice orçamental (com um acordo inédito com os sindicatos) há quem não tenha o esforço em grande conta. Argumento? Tanto esforço para nada, dizem: a Irlanda está em recessão e tem um défice a caminho de 25%. O problema do argumento? Ignora que o país tem nas mãos um buraco chamado Anglo Irish Bank, um gigante da banca que ruiu com o fim da bolha especulativa, e que vai custar um mínimo de 25 mil milhões de euros. Ignora, de uma forma geral, que o colapso repentino de uma bolha no imobiliário deixa inevitavelmente uma economia de rastos durante alguns anos - a Irlanda, tal como a Espanha, está a pagar esse preço.
Uma grande diferença para Portugal? Visto daqui, parece-me que em Dublin há quem tenha percebido mais depressa do quem em Lisboa o alcance desta crise da dívida. Vamos ver quem consegue pôr primeiro a economia a crescer.
Carolina Patrocínio, a mandatária do PS para a Juventude nas legislativas de há um ano - mas mais conhecida por só comer melancia e uvas se a empregada lhes tirar as pevides - está de volta. Aqui se transcreve a notícia do Jornal da Região (Oeiras):
"Afastada do pequeno ecrã há já algum tempo, Carolina Patrocínio dedicou-se nos últimos meses a concluir o mestrado em Media e Jornalismo, em que desenvolveu uma tese sobre 'Comunicação Política'. Um tema 'escolhido em conjunto com a orientadora' do curso e depois de ter tido várias aulas sobre a matéria." (itálico meu)
José Sócrates faz escola. Diz que ele também se licenciou em engenharia depois de ter "várias aulas sobre a matéria".
Ok, ok, não pode criticar sem propor alternativas, ou então parecemos os partidos da oposição, que se lembram sempre de exigir mais uma despesa, mas raramente explicam onde cortam nos gastos. Então é assim: sem complicar, e tendo como base a lista da Rolling Stone que referi no post abaixo, saltam, sem pestanejar, "Come together", "Hey Jude" e "I Want to Hold Your Hand", uma escolha inenarrável como segunda melhor música dos Beatles. Essas três vagas seriam devidamente colmatadas com os já referidos "Across the Universe" e "The Long and Winding Road", e ainda entrava no top ten o "She´s Leaving Home". Assim, sem pensar muito no assunto. Chama-se a isto, presumo, oposição construtiva.
(Sim, é verdade, este post foi só uma desculpa para publicar esta canção)
Oliver Stone filma bem as torres de marfim onde trabalham os magos de Wall Street – torres de espelhos, onde os machos-alfa da finança apenas vêem o seu reflexo; torres enormes, do tamanho da ganânica, que mal deixam ver além do mundo virtual que dentro delas se constrói (por uma nesga vê-se um navio da economia real a passar).
A sequela do fabuloso Wall Street não está à altura – a historieta paralela à caricatura do fim da crise financeira é risível e o final naufraga em moral hazard – mas vale a ida ao cinema. Já não há um Bud Fox, mas Gekko ainda é Gekko. E a ganância, vinte anos depois, é muito maior.
Michael Douglas (Gordon Gekko), apropriadamente fotografado pela Vanity Fair
Sei que estou a meter a foice em seara alheia e que há neste blogue gente licenciada, pós-graduada, mestrada, doutorada e catedrática no assunto em questão: The Beatles. Em todo o caso, cá vai. A Rolling Stone, que já não é o que era, mas ainda é qualquer coisa, fez a lista das "top ten Beatles songs of all time" (na verdade, a lista que está online é apenas um décimo da lista total, publicada em papel, das melhores cem músicas dos rapazes). Como bom treinador de bancada, quero aqui insultar o árbitro: quem foi a besta que fez uma lista das 10 melhores canções dos Beatles e deixou de fora "Across the Universe" e "The long and winding road"? Se fossem mas é fazer listas de candidatos às autárquicas...
(Só para não ser completamente previsível, escolhi o Across the Universe numa versão muito estimável da Fiona Apple. Mas aqui está o original, que é melhor do que qualquer versão.)
17 setembro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
As intervenções de Cavaco e Alegre sobre a fiscalização europeia prévia do Orçamento mostram como o país político ainda não percebeu o que significou a entrada no euro
Nada exemplifica melhor a inconsciência do poder político português em relação à situação económica do país que o pseudodebate sobre a maior fiscalização da Comissão Europeia e do Ecofin sobre o Orçamento do Estado. Entre esquerda e direita o panorama é vasto e por isso vale a pena procurar intervenções simbólicas: nas palavras do Presidente da República, Cavaco Silva, e do seu desafiador principal, o socialista Manuel Alegre, temos bons exemplos de como o país não tem ainda a noção do que representou a sua entrada na zona euro.
Para Alegre, o facto de Portugal submeter a sua estratégia orçamental à avaliação externa "não agrada", porque se trata de "uma competência específica e exclusiva da Assembleia da República". Há, depreende-se, uma inaceitável perda de soberania, que, com o candidato-poeta em Belém, supostamente não passaria. Esta não é a posição do partido de Alegre, o PS, mas é a do seu candidato e de toda a esquerda parlamentar. Pena que esta linha de argumentação ignore que a partilha de uma moeda representa, por si só, uma partilha de soberania - algo que ficou evidente na crise grega, que ameaçou a estabilidade financeira de Portugal e de toda a zona euro, mas já tinha ficado patente muito antes, quando prescindimos do poder de cunhar moeda e de dominar as taxas de juro. Não ouvimos Alegre, nem quem defende posições semelhantes, protestar contra a descida drástica das taxas de juro trazida pelo euro, que permitiu que sucessivos governos (sobretudo do seu partido) se endividassem na década passada para expandir o Estado social e o clientelismo político. Mas agora que a factura do contrato do euro aparece - engordada pela irresponsabilidade gastadora de vários governos e pela incapacidade do Parlamento -, Alegre e a esquerda esquivam-se. Ficamos elucidados.
E o que responde Cavaco e boa parte da direita parlamentar? Para o Presidente da República, as novas medidas de fiscalização já estavam previstas nos tratados. Está tudo como antes. O "semestre europeu" é só um "nome pomposo" para fazer aquilo que Ecofin e Comissão já podiam fazer ao abrigo dos tratados - a diferença é de calendário. Pena que o Presidente não tenha acrescentado que esta fiscalização implicará níveis diferentes de intromissão na vida de cada país. A regra é simples: quanto mais infractor e preocupante o país, maior a interferência. Por isso não será apenas uma discussão a priori sobre os grandes números e a tendência das contas - isso é para os cumpridores, como a Alemanha e a Holanda. Como se viu pelos humilhantes recados que o partido de Angela Merkel mandou a Lisboa esta semana, os planos de Portugal, Grécia e Espanha serão fiscalizados com alguma profundidade - e podem surgir "recomendações de política" a um nível mais detalhado, difíceis de evitar. A perda de soberania será maior do que Cavaco e muitos economistas e líderes políticos do centro-direita estão dispostos a admitir, o que é lamentável (porque mascara a situação real do país), mas compreensível - estes foram os homens que conseguiram pôr Portugal no euro, mas que depois não o souberam orientar.
Entre estes dois pólos - que convidam os portugueses a fazer aquilo em que são especialistas, assobiar para o lado - vai a política do país vivendo. Lá fora, os investidores gostam porque recebem juros mais altos e a Europa olha com condescendência. Terá de dar uma lição ou outra de política orçamental. Entre a humilhação e o alívio, nós, contribuintes, agradecemos.
Não consigo imaginar exemplo mais caricato e, em simultâneo, mais revelador da incompetência e desespero de Gilberto Madaíl e dos restantes responsáveis da Federação de Futebol do que esta iniciativa de contratar treinadores ao jogo.
Depois das partidas de Outubro, caso Mourinho aceite o convite, segue-se quem? Vilas-Boas, para fazer mais um par de jogos, e Jesus, se tiver recuperado a estrelinha, para fazer outros dois? Por que não arranjar um treinador para as primeiras partes e outro para as segundas? Por que motivo insondável esta lamentável gente se mantém no poder há tanto tempo e parece que por lá se vai manter?
15 setembro 2010
:: Guarda-freio: Ana Catarina Santos
O Presidente do PSD não resistiu e antes de dar a conhecer a proposta de revisão constitucional à Comissão Política, ao Grupo Parlamentar do PSD e à própria Assembleia da República, preferiu apresentá-la primeiro aos jornalistas. Para isso, convidou a imprensa para um pequeno-almoço, onde tentou explicar a proposta, desmistificar os “papões”, utilizando as suas palavras, “desintoxicar” a opinião pública e, no fundo, seduzir os jornalistas. Curiosamente, Passos não convidou os jornalistas que habitualmente acompanham o PSD, que era o que faria sentido. Convidou os directores dos órgãos de comunicação social. Revela duas perversidades: a primeira, uma profunda falta de respeito institucional pelos órgãos do partido e pelo próprio órgão de soberania que é o Parlamento (e os deputados eleitos); a segunda, uma curiosa interpretação do poder vertical exercido nas redacções.
14 setembro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
Tanto cinzento e depois isto. No JN, há um jornalista chamado José Miguel Gaspar que descreve assim – grandiosamente – a cena de mais um acidente na estrada:
Como ficou, todo estampado de costas, o atrelado tombado de lado na encosta, carga espalhada e os 12 rodados indignamente virados ao ar, o grande Scania R440, um muito possante semi-reboque, vermelho vivo, novo, parecia um Transformer que correu horrivelmente mal. Bastava ver-lhe a cara que é a sua cabina - pareceu ter levado um soco do céu: testa de vidro partida, grelha metida pelas fuças adentro, todo amarrotado como papel, um sem-número de fios e mecânicas vísceras, a escorrer, à mostra de todos. Metia dó, como um escaravelho que capota e não se pode levantar. Mas, mais do que isso, metia medo. [Aqui]
... ou o ministro das Finanças, em roadshows para investidores e entrevistas para os mercados, está a dar o corte dos benefícios fiscais em 2011 como exemplo da determinação do governo em combater o défice? Já há acordo para o Orçamento do Estado?
Isto é mais um Governo partido que um partido de Governo. Umas semanas depois de Ana Jorge ter feito o auto-elogio às contas do seu ministério, as críticas de Teixeira dos Santos feitas em Hong-Kong à gestão do SNS são mortais. Numa situação normal, um deles devia sair. Perante o puxão de orelhas do ministro de Estado, Ana Jorge tinha a obrigação de pôr o lugar à disposição do PM e este poderia demitir: a) os dois; b) um dos dois. O artigo 189º da Constituição é sobre "solidariedade governamental", um laço que parece frouxo num momento em que a rédea das finanças devia estar curta e tensa. Ao que parece, Teixeira dos Santos tem de fazer avisos públicos a um colega, uma coisa estranha. Não tem ido aos Conselhos de Ministros?
Tão diferentes que as coisas eram há apenas um ano - em Setembro de 2009, Teixeira dos Santos falava bem alto num comício do PS no Porto, fazendo um dos discursos mais inflamados e inspirados de toda a campanha eleitoral. Agora, enquanto José Sócrates e o PS cavalgaram pelo Estado social para combater a ameaça laranja, o ministro do Estado e das Finanças emudeceu durante um tempo recorde de um mês e meio. Percebe-se porquê: se o deixarem fazer o seu trabalho, Teixeira dos Santos é o homem do corte no Estado social. Mais: é o homem que, ao subir a cada vez maior factura dos impostos, nos acorda do torpor conseguido pela propaganda política.
Ontem, em Macau - onde foi pedinchar aos investidores internacionais mais uns milhões de euros para a depauperada República -, o ministro rompeu de forma elucidativa o silêncio que durava desde 24 de Julho. Com o talento para a circularidade verbal que se lhe reconhece, lembrou que, depois das subidas do IRS e do IVA este ano, a redução do défice no próximo vai voltar a depender de uma subida da receita - por outras palavras, de uma tesourada nos benefícios fiscais. Falou também de cortes na despesa - em suma, menos dinheiro no nosso bolso. Não admira que o ministro que tira coisas aos portugueses fique em silêncio enquanto o chefe do governo anuncia, contra todas as evidências, que continuará a dar.
Mas o fim do blackout de Teixeira dos Santos é um aviso: ele está a contar com os 450 milhões de euros do corte nos benefícios fiscais. O aviso não é só para os portugueses e o PSD (que garante chumbar uma proposta que inclua o fim das deduções fiscais), mas também para o PS de Sócrates, que terá de negociar em dois tabuleiros: com Passos Coelho e com o seu ministro, que não quererá voltar a ceder.
É que neste segundo mandato Teixeira dos Santos está a perceber que tirar coisas aos portugueses é mais difícil sob a liderança de um primeiro-ministro sem maioria absoluta. Mesmo com o desequilíbrio das contas em níveis recorde e o país a depender financeiramente do Banco Central Europeu, a vontade do ministro das Finanças já foi atropelada várias vezes. Aconteceu com a lei das finanças regionais, com o dinheiro que não ia mas que afinal acabou por ir para as universidades, com os gastos da cultura, com o anúncio da travagem das obras públicas desmentido no mesmo dia pelo ministro da pasta. O clima azedou. No PS há quem esteja farto do que considera as teimosias do ministro. No governo há oposição aberta aos cortes necessários. Na postura do ministro há cansaço evidente e credibilidade desgastada, quer pela gestão do resultado orçamental de 2009, quer pelo arrastar de pés na consolidação orçamental até Julho deste ano.
A situação ilustra bem a paralisia política que tomou conta do país depois das legislativas de há um ano. O PSD segura a espada sobre o governo e gere politicamente a hora da decapitação. O governo, cujo programa eleitoral irrealista foi aniquilado pela crise, gere o país de forma a causar o mínimo de perturbação, para poder enfrentar as eleições que se adivinham. O presidente da República gere, como sempre, a sua carreira política. Pelo meio há uma crise de dívida soberana gravíssima, que ninguém parece estar a ver - e um ministro das Finanças com menos força, logo quando se pedia o contrário. É por isso que Teixeira dos Santos, ministro de Estado e das Finanças, é, na verdade, o ministro do Estado a que isto chegou.
Que dirá o PCP das declarações de Fidel Castro sobre o esgotamento do modelo económico cubano a uma revista imperialista americana que até dá pelo nome de Atlantic? Esperamos pelos editoriais inflamados do Avante!, acusando El Comandante de perigosos desvios sociais-democratas.
Com a visita anónima dos senhores da Standard & Poor's ao parlamento português para ouvirem prestação de Emanuel dos Santos, secretário de Estado do Orçamento, é muito acertado o título "Portugal sob vigilância apertada das agências de rating", no Negócios de hoje. Espero que as agências de notação continuem a aparecer e que visitem um dos debates quinzenais com o primeiro-ministro, para perceberem como este continua a ser uma nação de poetas que evitam ter os pézinhos na terra suja e preferem pairar em balões de sonho sobre uma realidade abjecta. Notariam também que o standard costuma ser very poor...
09 setembro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
... para o secretário de Estado do Orçamento, a questão central não é cortar a despesa pública – como fizeram, seguramente com manigâncias várias, os nossos companheiros de drama na Grécia, na Irlanda e em Espanha – mas impedir que ela se descontrole. E assim se percebe que o facto de a despesa estar a subir 2,7% seja um acontecimento encarado como uma coisa boa.
Talvez por estarem animados pela época que assinala o início do ano lectivo, os alegres deputados do CDS-PP estrearam-se na Sala do Plenário da Assembleia da República com um ar e uma atitude joviais. Na Comissão Permanente desta quinta-feira, em que se fazia o debate sobre vários temas sérios para o país, como a execução orçamental, as prestações sociais e o desemprego, a linha da frente da equipa de Paulo Portas parecia estar no primeiro dia de aulas de uma escola secundária. Os deputados Cecília Meireles, Nuno Magalhães e Teresa Caeiro, pelo menos estes, mastigavam alegremente pastilhas elásticas enquanto o líder da bancada, Mota Soares, tentava passar a mensagem do partido. Mota Soares bem se esforçava, mas os olhares e atenções teimosamente não conseguiam descolar daqueles movimentos mecânicos dos maxilares dos parlamentares. E mastigavam e mastigavam… Umas vezes, distraídos, de boa aberta; outras, de lábios colados. O entretenimento oral dos deputados do CDS era intercalado com sorrisos e pontuado aqui e ali com os obrigatórios “muito bem!”, podendo visualizar-se a bolinha branca que, com a língua, empurravam para o lado, junto aos molares, para proferirem tais palavras de incentivo ao discurso. Quase que juro que consegui ver um pequeno balão branco de pastilha a sair da boca do deputado Nuno Magalhães, revelando uma habilidade e destreza de sopro extremas. O acto em si não é ilícito, é certo. Mas creio que os deputados deviam prestar alguns esclarecimentos. Desde logo, se as ditas seriam “Tridente”…
O cantor de ópera
O que dizem os estudos sobre os cérebros treinados na música como o de Pedro Passos Coelho e de que lhe serve isso na política.
Não sabemos o que diria o júri do Ídolos, mas Pedro Passos Coelho tem voz de barítono e canta ópera, frequentou aulas de canto com uma professora profissional e até foi aprovado num casting de Filipe la Féria para o musical My Fair Lady. É uma biografia em processo de cristalização, que faz parte do marketing do líder do PSD, para não parecer apenas mais um cinzentão de fato a pedir votos.
Investigações recentes sobre o cérebro dos músicos podem ajudar a perceber melhor quem é Passos Coelho. Por exemplo: o treino musical tem efeito no cérebro e faz aumentar o número de células de massa cinzenta no córtex. Oliver Sacks, o famoso neurologista norte-americano, escreveu no livro Musicofilia (Relógio d’ Água, 2008) que um anatomista teria alguma dificuldade em identificar o cérebro de um artista visual ou de um escritor ou de um matemático, mas podia reconhecer facilmente o cérebro de um músico.
De que serve então a Passos ter cabeça de cantor de ópera?
Primeiro, tem uma boa noção de performance, como um actor em palco: em 2009, Boris Kebler, um cientista alemão, estudou 10 cantores profissionais de ópera e 21 estudantes de canto, verificando que, enquanto cantavam, activava-se o córtex somatosensorial (que recebe informação do tacto, vibração, temperatura, ou dor mas que também influencia a empatia ou a capacidade de simulação). A equipa de Kebler especulou sobre se o facto de a ópera envolver cantar e actuar ao mesmo tempo obrigava os artistas a desenvolveram mais recursos para monitorizar a expressão do seu corpo durante a actuação.
As pessoas com formação musical também têm melhor memória verbal, apontou outro estudo de neurologistas da Academia Chinesa de Ciências, publicado na revista Neuroscience. Indivíduos que tinham aprendido piano desde os 7 anos conseguiam memorizar mais palavras do que as pessoas sem formação musical. O estudo sugere que há um efeito do treino musical no sistema nervoso e que a prática até ajuda a reorganizar o cérebro: os músicos da experiência usavam áreas do cérebro para processar informação verbal que estariam destinadas à informação visual.
Assim, segundo a experiência de Kebler (publicada na revista Cerebral Córtex, de Oxford) Passos Coelho pode ter desenvolvido um autocontrolo superior à média com o seu treino a cantar ópera, do qual pode tirar partido em público. Para um político é uma arma valiosa. Passos parece que nunca se enerva, coloca a voz para dar credibilidade às palavras e, por isso, tanto adversários como eleitores devem estar atentos e desconfiados porque o córtex somatosensorial direito dele ajuda-o a criar empatias, mas também rege a sua capacidade de simulação. Em suma, é um actor treinado.
Quanto à capacidade de memorização verbal, pode ser a força ou a fraqueza de um político. Não se trata apenas da vantagem de poder falar sem teleponto. Trata-se de se lembrar bem do que já disse, para não ziguezaguear tanto como nas últimas semanas a propósito da dramatização em volta do Orçamento do Estado.
Afinal nem sempre somos os pigs da Europa. The Guardian escreveu ontem uma longa peça sobre o sucesso da política não repressiva de combate à toxicodependência em Portugal, como o título: "What Britain could learn from Portugal's drugs policy". O assunto está agora a ser debatido no Reino Unido. E os próprios ingleses dizem que podem aprender alguma coisa connosco. A peça não o diz, mas esta foi uma das políticas implementadas por José Sócrates quando foi ministro-adjunto de Guterres. O homem já fez coisas bem feitas.
Isto dá vontade de rir. "O Governo aprovou ontem em Conselho de Ministros os prazos máximos para o pagamento de bens alimentares por grandes superfícies a pequenos produtores", escreve Nuno Aguiar no i de hoje. O prazo máximo fixado é de 120 dias.
Se o Estado fixasse para si mesmo um prazo de 120 dias para pagar aos seus fornecedores sem ficar a dever juros de mora não estávamos bem, mas passaríamos a estar menos mal. Tendo em conta os prazos de pagamento do Estado, é óbvio que nenhum órgão estatal tem moral para fazer cumprir uma disposição destas, portanto, a isto chama-se uma medida sem vergonha. De resto, tudo bem...
Como é que se sente? Acha que vai ser condenado? Vai recorrer? Porque é que vai de óculos de sol? Porque é que coçou o nariz, é uma mensagem para alguém? Porque é que está a andar tão rápido? Porque é que atravessou a relva e não veio pelo passeio? Com quem está a falar ao telemóvel? Porque é que pediu uma bica curta, dormiu mal? Que conclusões tira à entrada para esta sessão? Gosta mais de fiambre ou de queijo? Porque é que as suas calças têm virola?
...que os professores norte-americanos estão em guerra por causa das avaliações. Afinal, não é só por aqui que a avaliação dos professores gera polémica. Nos Estados Unidos, há professores em manifestações de Washington a Los Angeles por causa de um método de avaliação estatístico chamado do "valor acrescentado". Notícia no New York Yimes. É claro que o facto de a ex-ministra da Educação que criou a polémica da avaliação dos professores em Portugal presidir à Fundação Luso-Americana não tem nada a ver com o assunto...
01 setembro 2010
:: Guarda-freio: Bruno Faria Lopes
No Sushi Rio, na insuportavelmente exposta zona "Meninos do Rio" [Lisboa], o que se serve não é mau, mas o serviço é trágico – como em muitos outros negócios do género, há gente a menos e a gente que há, embora bem intencionada, não percebe nada de serviço. "A culpa não é nossa temos pessoal a menos", dizem, como se quem paga tivesse alguma coisa a ver com isso. Sentença: aguardar por melhores dias.
No Piazza di Mare [Lisboa] a situação é pior: o que se serve oscila entre o razoável e o medíocre, o serviço segue o exemplo (com alguns chefes de sala de nariz ridiculamente empinado) e o preço é pesado. Está ali à frente do rio Tejo, mas tem música e tem muita gente (urbanóides e outras espécies mais ou menos arrivistas). Sentença: evitar a todo o custo.
A testosterona de Passos e Sócrates
Os altos níveis de testosterona na política potenciam as crises, assim como nos mercados financeiros fazem subir as bolsas
Pode ter sido do sol algarvio ou das vistas na praia. Os líderes do PS e do PSD abriram o ano político com os níveis de testosterona altíssimos, um perigo para a estimada estabilidade. A rentrée foi feita de masculinidades. O primeiro foi Pedro Passos Coelho, no Pontal: dramatizou com o Orçamento do Estado e desafiou o PS para o ringue, ao apelar ao Governo para “devolver a palavra aos portugueses” até ao dia 9 de Setembro, enquanto o Presidente tem “os seus poderes intactos” para dissolver o Parlamento. É de homem.
Uns dias depois, em Mangualde, José Sócrates respondeu com virilidade: “Não nos metem medo esse tipo de ameaças, o PS está há muito tempo na política para se deixar assustar por ameaças ou o que parece um torneio de afirmações categóricas feitas para afirmações pessoais”. Também é de homem.
Nesta luta pelo lugar de macho alfa, parece haver maiores concentrações de testosterona que de cortisol – uma hormona mais adequada aos tempos em que eles dançavam o tango.
O professor e investigador John Coates, do departamento de neurociência da Universidade de Cambridge, estudou a presença da testosterona e do cortisol nos traders dos mercados financeiros. Ele próprio foi trader 12 anos, tendo passado por bancos como Goldman Sachs, Deutche Bank ou Merril Lynch. Num estudo intitulado “From molecule do market: steroid hormones and financial risk-taking”, verificou que os traders com altos níveis de testosterona pela manhã faziam mais dinheiro ao longo do dia. E achou que podia haver um efeito semelhante ao dos desportistas, em que um bom resultado aumenta a testosterona, estimulando a confiança e a disponibilidade para correr riscos.
John Coates acha que excesso de testosterona nas salas de mercados aumenta a possibilidade de se criarem “bolhas” financeiras, com aconteceu com as dotcom no início da década. Já na política, as descargas de testosterona – o excesso de confiança de Pedro Passos e o peito feito de José Sócrates – aumentam sobretudo a possibilidade de crises políticas. Mas calma. A bolha não vai rebentar já.
Depois vem o cortisol. Coates também descobriu que, quando o mercado cai, o stresse faz segregar cortisol, uma hormona que afecta a memória e leva a recordar precedentes negativos, podendo conduzir a um comportamento mais prudente. Segundo ele, muito cortisol pode levar um mercado em baixa a entrar em crash.
Afinal, depois das primeiras descargas hormonais, talvez os níveis de cortisol tenham aumentado em Passos e Sócrates. O Governo já veio dizer que “tudo é negociável” no Orçamento e o PSD até aceita cortes nas deduções a partir do 6º escalão do IRS. Se os rapazes estão de novo preparados para dançar o tango, é porque se assustaram, entraram em stresse ou aquilo não era testosterona: era pura bravata.
Portugal foi o único dos PIGS (Portugal, Ireland, Greece, Spain) onde o défice subiu e a despesa não diminuiu, noticiou hoje um ilustre ascensorista no i. O défice desceu de forma acentuado nos outros Países que estão sob vigilância internacional menos no nosso cantinho. Inexplicável. Isso diz muito sobre o Governo: ou não quer, ou não consegue ou não liga. Mas fica bem, em cima dos cromados, cada vez mais de tanga, a nossa República.
Guarda-freios: João Cândido da Silva Vítor Matos Bruno Faria Lopes Luís Miguel Afonso Pedro Esteves Adriano Nobre Filipe Santos Costa Ana Catarina Santos