Freakpolitics - o que diz o lado improvável dos políticos (13)
A vantagem dos repetentes
Cavaco chumbou no 6º ano e Marcelo repetiu a 4ª classe. A ministra diz que os chumbos não são benéficos, mas o ano perdido por eles foi ganho
Quem diria que o brilhante Marcelo Rebelo de Sousa repetiu a 4ª classe? Quem diria que o bem comportado Aníbal Cavaco Silva chumbou no 6º ano? Isabel Alçada, ministra da Educação, defende que os chumbos “quase nunca são benéficos” e, além disso, são caros. Mas ninguém arriscaria que Marcelo ou Cavaco foram prejudicados. Talvez tenham sido beneficiados.
O caso de Marcelo é excepcional: apesar de ser um dos melhores alunos da sua escola, como faz anos em Dezembro não tinha a idade regulamentar para fazer o exame ao liceu quando acabou a primária. Mas também havia um problema político: como o pai era sub-secretário de Estado da Educação, não quis beneficiar o filho com um acesso irregular ao exame da 4ª classe. Assim, pediu para o marcelinho ficar retido mais um ano.
O menino Aníbal teve um chumbo tradicional comum às crianças que vão da aldeia para a cidade e passam horas longe de casa: foi com 13 anos para Faro, uma metrópole ao pé de Boliqueime, e passou o ano a jogar futebol, bilhar e matraquilhos em vez de estudar a matéria do primeiro ano do Curso Geral de Comércio.
É claro que Marcelo foi para o Liceu no ano seguinte, tornando-se de imediato numa referência para os professores. Não só era inteligente e culto, como era mais velho do que os colegas, o que lhe dava uma maturidade que se transformou em vantagem. No seu livro Outliars, o norte-americano Malcom Gladwell explica como crianças mais velhas (apenas uns meses) têm vantagem sobre as mais novas, seja em desportos ou na Matemática. E cita dois economistas que “descobriram que, entre os alunos do quarto ano, as crianças mais velhas obtêm pontuações entre quatro e doze pontos percentuais acima das mais novas”.
Aníbal chumbou e teve o seu castigo. O senhor Teodoro, o pai, obrigou-o a trabalhar todo o Verão de 1953 na agricultura. Não o repreendeu com a violência de que o rapaz estava à espera, mas “se não queria estudar, tinha de ir trabalhar”, escreveu Cavaco nas memórias. “Aquela reprovação marcou-me profundamente”. A lição serviu-lhe para a vida.
O chumbo de Marcelo tornou-se vantajoso porque a maturidade lhe deu uma vantagem competitiva. E como sucesso gera sucesso, o ano perdido pode tê-lo diferenciado ainda mais dos colegas. Já o chumbo de Cavaco resultou numa lição de moral que o rapazinho nunca esqueceu. Resultado: chegaram os dois a catedráticos e o resto da história é conhecida. Não parece que o ano perdido lhes tenha atrasado a vida ou traumatizado a cabecinha.
Crónica publicada no site da SÁBADO.
Cavaco chumbou no 6º ano e Marcelo repetiu a 4ª classe. A ministra diz que os chumbos não são benéficos, mas o ano perdido por eles foi ganho
Quem diria que o brilhante Marcelo Rebelo de Sousa repetiu a 4ª classe? Quem diria que o bem comportado Aníbal Cavaco Silva chumbou no 6º ano? Isabel Alçada, ministra da Educação, defende que os chumbos “quase nunca são benéficos” e, além disso, são caros. Mas ninguém arriscaria que Marcelo ou Cavaco foram prejudicados. Talvez tenham sido beneficiados.
O caso de Marcelo é excepcional: apesar de ser um dos melhores alunos da sua escola, como faz anos em Dezembro não tinha a idade regulamentar para fazer o exame ao liceu quando acabou a primária. Mas também havia um problema político: como o pai era sub-secretário de Estado da Educação, não quis beneficiar o filho com um acesso irregular ao exame da 4ª classe. Assim, pediu para o marcelinho ficar retido mais um ano.
O menino Aníbal teve um chumbo tradicional comum às crianças que vão da aldeia para a cidade e passam horas longe de casa: foi com 13 anos para Faro, uma metrópole ao pé de Boliqueime, e passou o ano a jogar futebol, bilhar e matraquilhos em vez de estudar a matéria do primeiro ano do Curso Geral de Comércio.
É claro que Marcelo foi para o Liceu no ano seguinte, tornando-se de imediato numa referência para os professores. Não só era inteligente e culto, como era mais velho do que os colegas, o que lhe dava uma maturidade que se transformou em vantagem. No seu livro Outliars, o norte-americano Malcom Gladwell explica como crianças mais velhas (apenas uns meses) têm vantagem sobre as mais novas, seja em desportos ou na Matemática. E cita dois economistas que “descobriram que, entre os alunos do quarto ano, as crianças mais velhas obtêm pontuações entre quatro e doze pontos percentuais acima das mais novas”.
Aníbal chumbou e teve o seu castigo. O senhor Teodoro, o pai, obrigou-o a trabalhar todo o Verão de 1953 na agricultura. Não o repreendeu com a violência de que o rapaz estava à espera, mas “se não queria estudar, tinha de ir trabalhar”, escreveu Cavaco nas memórias. “Aquela reprovação marcou-me profundamente”. A lição serviu-lhe para a vida.
O chumbo de Marcelo tornou-se vantajoso porque a maturidade lhe deu uma vantagem competitiva. E como sucesso gera sucesso, o ano perdido pode tê-lo diferenciado ainda mais dos colegas. Já o chumbo de Cavaco resultou numa lição de moral que o rapazinho nunca esqueceu. Resultado: chegaram os dois a catedráticos e o resto da história é conhecida. Não parece que o ano perdido lhes tenha atrasado a vida ou traumatizado a cabecinha.
Crónica publicada no site da SÁBADO.
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