Freakpolitics - o que diz o lado improvável dos políticos (5)
O estrangeiro sem vergonha
Os problemas de Sócrates com as línguas estrangeiras revelam toda uma biografia do primeiro-ministro
Quando vemos o primeiro-ministro humilhar-se publicamente a tentar falar inglês ou espanhol, pensamos que José Sócrates não tem vocação para línguas estrangeiras. Pode até ser verdade que não tenha esse talento, mas esta inabilidade revela-nos mais. Diz-nos muito sobre a sua história de vida: um jovem preguiçoso, sem auto-exigência, que pouco pensou no futuro nem imaginou que chegaria onde está hoje.
Não era suposto que Sócrates fosse um Emil Krebs, um linguista alemão que falava 68 línguas (1867-1930), cujo cérebro foi estudado em 2003 por neurologistas do Centro de Pesquisa Jülich, na Renânia Vestfália. Os cientistas compararam o cérebro de Krebs com o de 11 indivíduos normais e concluíram que o linguista tinha a área de Broca – zona do cérebro associada à linguagem – mais desenvolvida. Do estudo, sobrou um mistério: Krebs já tinha uma área de Broca evoluída, ou desenvolveu-a com o esforço de musculação cerebral ao longo da vida?
Eva Fernandez, uma linguista norte-americana da Universidade de Nova Iorque, analisa o caso do brasileiro Carlos do Amaral Freire – o maior linguista vivo capaz de traduzir 60 línguas. Ela acha que o segredo está mais na transpiração que na vocação: os poliglotas “apenas têm de trabalhar mais arduamente do que nós”, diz Fernandez citada num artigo da Psychology Today. Stephen Krashen, professor emérito da UCLA e especialista no ensino línguas, também acredita que os poliglotas apenas trabalham mais.
Quando estava no lugar que hoje é de Sócrates, António Guterres deslumbrava plateias ao falar fluentemente francês, inglês e espanhol. Marcelo Rebelo de Sousa, à época líder do PSD, acrescentava-lhe o alemão. Têm a área de Broca desenvolvida? Talvez. Mas eles foram dos alunos brilhantes na sua geração, esforçaram-se por aprender, estudaram ao longo da vida, foram exigentes, ambicionaram chegar onde chegaram e até onde nunca conseguiram chegar. Sócrates é inteligente. Não é por falta de inteligência que não sabe línguas. Mas foi ele que escolheu fazer Inglês Técnico numa universidade duvidosa.
Os problemas de Sócrates com o inglês e o espanhol (até agora fomos poupados ao seu francês) são fruto de um percurso académico desequilibrado, de um jovem que acordou tarde para a necessidade de ter as competências certas. O seu exemplo podia ter inspirado as Novas Oportunidades.
Mas Sócrates tem uma qualidade em comum com os poliglotas: não tem vergonha de falar línguas em público. No entanto: sabe que fala mal, mas prefere passar uma vergonha tremenda a assumir a sua ignorância. Isso também diz muito sobre ele, do bom e do mau.
Crónica publicada no site da SÁBADO.
Os problemas de Sócrates com as línguas estrangeiras revelam toda uma biografia do primeiro-ministro
Quando vemos o primeiro-ministro humilhar-se publicamente a tentar falar inglês ou espanhol, pensamos que José Sócrates não tem vocação para línguas estrangeiras. Pode até ser verdade que não tenha esse talento, mas esta inabilidade revela-nos mais. Diz-nos muito sobre a sua história de vida: um jovem preguiçoso, sem auto-exigência, que pouco pensou no futuro nem imaginou que chegaria onde está hoje.
Não era suposto que Sócrates fosse um Emil Krebs, um linguista alemão que falava 68 línguas (1867-1930), cujo cérebro foi estudado em 2003 por neurologistas do Centro de Pesquisa Jülich, na Renânia Vestfália. Os cientistas compararam o cérebro de Krebs com o de 11 indivíduos normais e concluíram que o linguista tinha a área de Broca – zona do cérebro associada à linguagem – mais desenvolvida. Do estudo, sobrou um mistério: Krebs já tinha uma área de Broca evoluída, ou desenvolveu-a com o esforço de musculação cerebral ao longo da vida?
Eva Fernandez, uma linguista norte-americana da Universidade de Nova Iorque, analisa o caso do brasileiro Carlos do Amaral Freire – o maior linguista vivo capaz de traduzir 60 línguas. Ela acha que o segredo está mais na transpiração que na vocação: os poliglotas “apenas têm de trabalhar mais arduamente do que nós”, diz Fernandez citada num artigo da Psychology Today. Stephen Krashen, professor emérito da UCLA e especialista no ensino línguas, também acredita que os poliglotas apenas trabalham mais.
Quando estava no lugar que hoje é de Sócrates, António Guterres deslumbrava plateias ao falar fluentemente francês, inglês e espanhol. Marcelo Rebelo de Sousa, à época líder do PSD, acrescentava-lhe o alemão. Têm a área de Broca desenvolvida? Talvez. Mas eles foram dos alunos brilhantes na sua geração, esforçaram-se por aprender, estudaram ao longo da vida, foram exigentes, ambicionaram chegar onde chegaram e até onde nunca conseguiram chegar. Sócrates é inteligente. Não é por falta de inteligência que não sabe línguas. Mas foi ele que escolheu fazer Inglês Técnico numa universidade duvidosa.
Os problemas de Sócrates com o inglês e o espanhol (até agora fomos poupados ao seu francês) são fruto de um percurso académico desequilibrado, de um jovem que acordou tarde para a necessidade de ter as competências certas. O seu exemplo podia ter inspirado as Novas Oportunidades.
Mas Sócrates tem uma qualidade em comum com os poliglotas: não tem vergonha de falar línguas em público. No entanto: sabe que fala mal, mas prefere passar uma vergonha tremenda a assumir a sua ignorância. Isso também diz muito sobre ele, do bom e do mau.
Crónica publicada no site da SÁBADO.
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