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As escutas e o escrutínio

O artigo do Sol de ontem prova mais uma vez como para vivermos em democracia é essencial uma imprensa livre. O caso revela-nos mais uma vez um retrato muito triste do que vai por detrás do pano neste País sem solução. O que os jornais devem fazer é escrutinar, escrutinar, escrutinar. Foi o que o Sol fez.

Neste caso, o escrutínio foi realizado em várias frentes:

1- Justiça: se houve aqui violação do segredo de justiça, também se levantou um valor mais alto que o justificou. A Justiça é um poder democrático, não é uma vaca sagrada e é tão escrutinável quanto os outros poderes. E tanto as escutas como os despachos dos magistrados e da PJ levantam as maiores dúvidas sobre a decisão do PGR e do Supremo. Qualquer cidadão médio lê aquilo e percebe que havia assunto para investigar. Se a Justiça não funciona porque não tem meios é uma coisa. Se não funciona porque não quer ou porque tem entraves incompreensíveis, o assunto é grave e torna-se uma questão de regime, sendo do interesse público a sua publicidade.

2 - Governo e Sócrates: as conversas relatadas não são diálogos filosóficos sobre um plano para controlar uma televisão e outros media. No que se refere à TVI, as conversas são acompanhadas por factos que se desenvolvem na realidade segundo os planos dos conspiradores, portanto há um contexto e uma ligação à realidade. Era obrigatório uma investigação que apurasse a veracidade daquela cabala. Que o primeiro-ministro minta ao Parlamento já se sabia, mas a isso estamos habituados. O mais grave era que Sócrates caucionasse o plano dos escutados para limitar a liberdade de imprensa. Devia ser apurado nas instâncias próprias se o primeiro-ministro era mesmo o chefe máximo do estratagema ou se os senhores envolvidos eram apenas dois mitómanos agindo como free-lancers. Do ponto de vista político - o que nada tem a ver com a questão judicial - as escutas oferecem-nos um retrato assustador sobre a forma como o poder funciona e devia haver um apuramento de responsabilidades. Portanto, se a Justiça não resulta, era imperioso que algum partido com coragem avançasse com um inquérito parlamentar.

3 - Empresas privadas: a forma como parecem ser manipuladas empresas semi-públicas ou privadas deixam-nos estarrecidos. Os accionistas da PT acham aquelas conversas normais? Também pelo ponto de vista empresarial o assunto devia ser investigado pelas entidades competentes, porque não é o interesse dos accionistas que está a ser salvaguardado.

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