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elevador da bica

Santo Domingo

Portugal não é muito diferente dos países com uma valente marca judaico-cristã. Mas, no caso específico do dia da missa, é pior. Isto de ter uma pausa semanal fixa tem as suas vantagens. Aparentemente estamos todos de acordo. Por um dia, suspende-se a realidade. Ocupamos as nossas mentes com o futebol, com os passeios pela natureza, com a reclusão domicilária, com vidas ficcionadas, com a chuva, com bolos e chá. Mas não deixa de ser bizarro que, com o Portugal a arder, primeiro-ministro sob suspeita de atentar contra o Estado de direito, guerra civil na justiça, comunicados da PGR mais sugestivos que esclarecedores, de repente, neste cenário dantesco... toda a gente suspende funções, ideias, reflexões, decisões, reuniões, esclarecimentos. É uma recuperação daquela prática das guerras, em que se parava uns dias para recolher os mortos e tratar dos feridos. Neste caso, recolhe-se a dignidade morta, trata-se da dignidade ferida e, segunda-feira, pela fresquinha, recomeça-se a ser indigno com força renovada.

Não me lembro se sempre foi assim, mas não me lembro de me parecer tão surreal. Nos últimos tempos, parece-me que tem vindo a ser ainda maior o contraste entre o mundo real e o mundo suspenso ao domingo. Provavelmente pela mediatização galopante da sociedade, com jornais, rádios e fóruns de TV a ditarem o ritmo da sociedade, da política, da economia, das opiniões. Nalguns países, os jornais têm a sua edição mais rica precisamente ao domingo. Em Portugal, vai-se à missa, ao futebol e os jornais, as televisões e as rádios são apenas um repositório de informação nacional irrelevante. Única vantagem: o noticiário internacional ganha uma exposição inexistente nos outros dias, como que a dizer "Portugal está a descansar, vamos ver o que se passa por esse mundo fora". Uma pequena amostra do Natal, quando todos dissecamos ao pormenor uma enxurrada no Equador, novas explosões em Bagdad ou aquela criança de 12 anos que ainda usa chupeta numa cidade remota dos EUA.

Existe uma regra de ouro no crime organizado de inspiração cristã, seja a própria máfia, seja em gangs urbanos de Baltimore ou Detroit: não se mata no domingo de manhã. É o mínimo. Em Portugal, mata-se. E durante todo o domingo. Matam-se células cerebrais, de preferência na região do juízo crítico.

“Santo Domingo”