Obama e a desilusão da política espectáculo
Obama voltou a fazer história, ao tornar-se no primeiro presidente norte-americano a ir a um 'talk-show' – o eleito foi o 'Tonight Show' da NBC, apresentado por Jay Leno. Ouvi alguns jornalistas e analistas explicarem que esta foi uma oportunidade para o presidente vender o seu plano de combate à crise aos americanos e ventilar um pouco mais daquela fúria fácil contra os bónus milionários pagos pela AIG. Vi uma reportagem com gente acampada à porta dos estúdios da NBC, à espera de vislumbrar a estrela presidencial Obama. E tentei ver o video da 'entrevista' no You Tube, mas confesso que foi difícil filtrar as opções - é que na estrada para a Casa Branca Obama apareceu nos programas da Ellen, do Letterman, da Oprah e do Jay Leno.
Tudo isto pede uma leitura do clássico "Amusing Ourselves do Death", de Neil Postman. Estamos a um passo de nos divertirmos até à morte cerebral, avisava Postman em 1985. Quem tinha razão era mesmo Aldous Huxley, e não George Orwell – a melhor maneira de estupidificar e manipular um povo não é a repressão totalitária e o bloqueio à informação; é, sim, afogar as pessoas em informação e adorná-la até à irrelevância como uma forma de entertenimento.
Pelo que li no Times, Barack Obama falou com Jay Leno sobre a crise, fez piadas sobre "those folks in Washington" e alternou entre um tom sério (enquanto falava sobre os problemas da economia) e um ar mais casual (sobre, por exemplo, o novo cão da Casa Branca). A tirada mestra, dizem os analistas, foi a comparação entre os políticos em Washington e o American Idol, um reality show.
Em qualquer cultura os conceitos de verdade e de inteligência são validados pelas formas de comunicação dominantes. E, hoje, a forma de comunicar passa cada vez mais pela imagem (o meio) e o entretenimento (que o meio favorece). A política, a economia e a religião são alguns exemplos de temas transformados em fast food para a televisão. O meio não favorece a reflexão e cria novas e paupérrimas formas de discurso público e de verdade.
Tudo isto pede uma leitura do clássico "Amusing Ourselves do Death", de Neil Postman. Estamos a um passo de nos divertirmos até à morte cerebral, avisava Postman em 1985. Quem tinha razão era mesmo Aldous Huxley, e não George Orwell – a melhor maneira de estupidificar e manipular um povo não é a repressão totalitária e o bloqueio à informação; é, sim, afogar as pessoas em informação e adorná-la até à irrelevância como uma forma de entertenimento.
Já se percebeu que a mudança prometida por Obama não chegará aqui - o mais competente político-do-espectáculo, conhece a realidade e joga com ela. Afinal, a política e a economia estão mais na arte da representação do que em qualquer tipo de ciência.