Obama e a fé no Santo Guevara

Com tanta comoção com a entrada da Bíblia no juramento do Obama, com o autocarro ateu, com o Cardeal Policarpo a avisar as meninas cristãs casadoiras e, last but not the least, com o milagre aéreo em Nova Iorque... lembrei-me de uma história que, não dando resposta directa a nenhuma destas coisas poderá, quem sabe, trazer ainda mais confusão.
Estou a bordo de um avião prestes a sair de Compostela para Tindouf, uma cidade argelina às portas do Sara e próxima dos campos de refugiados do Sara Ocidental. Encontro-me sentado no sempre indesejado lugar do meio, entre dois tipos da Juventude Comunista Portuguesa, gajos porreiros e reputados activistas ateus (só Deus sabe o caminho que me levou a estes preparos).
Um deles, o G., tinha aquele familiar pavor de voar, estando já a suar em bica perante a perspectiva de duas horas a bordo da caranguejola da Algerian Airlines. Tento acalmar o G., mas ele está mesmo pequenino, irredutível no seu medo.
O avião faz-se à pista, geme e acelera, os compartimentos das malas começam a abrir, alguns objectos mergulham sobre os passageiros e eu olho, a medo, para o G. Está tudo bem - de olhos fechados já vai com a medalha do Che Guevara (que levava ao pescoço tipo medalha da Virgem) nas mãos, encostada aos lábios. Com a graça do Che, a carcaça lá levantou vôo e a malta chegou sã e salva ao deserto argelino.
Mais tarde, claro, no conforto da terra firme, o G. e os companheiros mostraram numa animada discussão toda a sua cagança anti-espiritualidade, anti-Deus, anti-tudo. Lembrei-me do episódio no avião e perguntei o que tinha sido, então, toda aquela cena com a medalha. Não seria uma qualquer forma - primitiva, talvez - de transcedência, de apelo ao gasoso? Um acto de fé?
"Pois, sabes, eu estava mesmo à rasca e nem sei bem porque fiz aquilo - senti-me mesmo pequeno, sabes?"
"Claro que sei, G., claro que sei..."