Não gostei de ler
O Meu Nome é Legião, de António Lobo Antunes. Borreguei na página 262, de 380. É um génio, pois, que escreve como mais ninguém, como aliás ele diz com razão. Ninguém escreve assim, tão em trança, a não ser as imitações baratas do mestre: enquanto conta a história os personagens vivem e pensam, e pensam sobre os seus pensamentos, como nós enquanto estamos aqui pensamos coisas que se transformam em pensamentos que nos pensam a nós. Naquele mundo, nós somos esses pensamentos, mais do que aquilo que nos acontece. Ninguém escreve tão bem como se estivesse dentro de uma pessoa a viver e a pensar, e a ser dominado pelos seus pensamentos, assaltado a toda a hora por reminiscências involuntárias. Reconhecer isto é uma coisa. Ler o livro até ao fim é outra: personagens sempre assaltadas pelos brinquedos de infância, pelas fachadas dos prédios dos subúrbios, pelos objectos da cozinha, por tudo numa eterna repetição... Parei a leitura quando os meus pensamentos passaram a dominar-me, como às personagens, e deixei de ter domínio sobre o livro e acrescentei mais umas tranças às tranças do livro e ficou tudo empeçado. Então, fui à estante, e peguei no Este País não é para Velhos, de Cormac MacCarthy, e não parei de o ler.