Livros: o auto de fé do mercado
Há alguns anos ouvi a escritora Rosa Montero contar como em Espanha a vida útil de um livro é cada vez mais curta. O escritor – genial, razoável, mau, não interessa – trabalha, a editora põe no mercado. Com o cocktail certo de factores o livro passa pela montra, passado uns dias vai para a banca das novidades, depois para a prateleira ordenada alfabeticamente, para por fim (salvo excepções) ser arquivado no esquecimento. Este ciclo está a ser acelerado pela publicação em massa de livros novos e pela voragem da vida moderna, que dá prazos de validade cada vez mais curtos a tudo. O problema hoje é que até o esquecimento custa dinheiro – Montero contou então que os livros acumulados em armazéns são incinerados pelas editoras, numa espécie de auto de fé do mercado.
Isto a propósito do reaquecimento da polémica com a Leya, que destruiu em Fevereiro milhares de livros – morte por guilhotina, segundo sei. Diz a Leya que é impossível manter o custo de armazenagem. Diz o governo que a destruição é um massacre. Digo eu que tudo isto é mais uma daquelas tragédias de merda da civilização moderna.
A Leya gosta de livros, mas não tanto que se arrisque a perder dinheiro com eles (ou a puxar pela cabeça e pensar em formas de aproveitá-los). O governo gosta de se mostrar indignado (como se não soubesse que esta é uma prática corrente de muitas editoras), mas não tanto que se arrisque a gastar dinheiro na colocação de alguns desses livros em Timor ou em Moçambique ou, até, no escritório do Dr. Eduardo dos Santos. E muita gente gosta de se mostrar escandalizada, mas não tanto que comece a gastar tempo e dinheiro a ler livros.
Merecem todos beber vinho de combate vedado com cápsulas de alumínio até ao resto da vida.
5/3/10 19:23
Acho que o castigo recomendado é demasiado severo. Eu tenho interesses por afinidade regional no negócio da cortiça... Mas anuncio-me aqui disponível para dar uma volta pelos armazéns da Leya e de outras editoras para as aliviar de tamanho fardo, dando bom uso aos volumes que tanto atrapalham o comércio dos livros.