Nem Kafka nem Salomão
O problema torna-se filosófico, quando fazemos as perguntas fundadoras sobre as nossas instituições: isto serve para quê?, ou aquilo nasceu para servir a quem? Os tribunais surgiram, com certeza, para aplicar uma certa justiça que havia de estar vertida nas leis através das quais os homens justos queriam regular a nossa convivência, a partir de uma certa ideia de bem. Ora, a razão e ser das instituições para aplicar a Justiça perde-se quando a pureza do mecanismo prevalece sobre o bom senso e a ideia de bem. É quando passam essa linha que os processos se tornam inspiradores de romances, e, logo, kafkianos.
A decisão do Supremo em não aceitar o "habeas corpus" de Luís Matos Gomes, pai adoptivo da menina Esmeralada, traça essa linha (ver esta notícia no Público e a respectiva caixa). O Supremo diz que não se vai substituir de ânimo leve às instâncias ou censurá-las "por haverem levado a cabo alguma ilegalidade". Portanto, agora eu, como povo, que reconheço o direito aos tribunais de aplicar a lei em meu nome e em função das leis da República, que emanam dos representantes do povo, fico estupefacto. O homem está preso por ter cometido um crime, mas o Supremo diz que não vai fazer nada de ânimo leve mesmo que ele tenha sido preso com base numa decisão ilegal: o crime não era aquele pelo qual ele foi condenado e o processo não foi exemplar em tudo, como prova a decisão do Constitucional. Ora, os juízes do Supremo (três contra um) sobrepuseram os meios aos fins. Ou seja, deram mais valor ao "seu" sistema que à ideia de bem que o justifica.
Vale a pena ler esta opinião citada na tal caixa da notícia do Público: «Em declarações ao PÚBLICO, a professora universitária Clara Sottomayor também frisou que "a justiça é administrada em nome do povo e, neste caso, não teve em conta a consciência moral do povo". Fez ainda questão de salientar que o habeas corpus serve para tutelar os direitos e as liberdades dos cidadãos perante o exercício abusivo do poder punitivo do Estado".»
Nem mais. E note-se, não estou aqui a defender que o pai adoptivo é que tem o direito de ficar com a criança, ou vice-versa. Aí sim, a ideia de bem e de justiça é difícil de aplicar. Deve haver algum juiz nes País com bom senso que não precise de tomar decisões como a do rei Salomão.
A decisão do Supremo em não aceitar o "habeas corpus" de Luís Matos Gomes, pai adoptivo da menina Esmeralada, traça essa linha (ver esta notícia no Público e a respectiva caixa). O Supremo diz que não se vai substituir de ânimo leve às instâncias ou censurá-las "por haverem levado a cabo alguma ilegalidade". Portanto, agora eu, como povo, que reconheço o direito aos tribunais de aplicar a lei em meu nome e em função das leis da República, que emanam dos representantes do povo, fico estupefacto. O homem está preso por ter cometido um crime, mas o Supremo diz que não vai fazer nada de ânimo leve mesmo que ele tenha sido preso com base numa decisão ilegal: o crime não era aquele pelo qual ele foi condenado e o processo não foi exemplar em tudo, como prova a decisão do Constitucional. Ora, os juízes do Supremo (três contra um) sobrepuseram os meios aos fins. Ou seja, deram mais valor ao "seu" sistema que à ideia de bem que o justifica.
Vale a pena ler esta opinião citada na tal caixa da notícia do Público: «Em declarações ao PÚBLICO, a professora universitária Clara Sottomayor também frisou que "a justiça é administrada em nome do povo e, neste caso, não teve em conta a consciência moral do povo". Fez ainda questão de salientar que o habeas corpus serve para tutelar os direitos e as liberdades dos cidadãos perante o exercício abusivo do poder punitivo do Estado".»
Nem mais. E note-se, não estou aqui a defender que o pai adoptivo é que tem o direito de ficar com a criança, ou vice-versa. Aí sim, a ideia de bem e de justiça é difícil de aplicar. Deve haver algum juiz nes País com bom senso que não precise de tomar decisões como a do rei Salomão.
3/2/07 15:43
"A consciência moral do povo"
Isto tem que se lhe diga, pois "a consciência moral do povo" foi completamente moldada e condicionada pela comunicação social.
O sargento foi elevado a uma condição de heroí/vítima, ao, pro-activamente, ter demonstrado o seu amor pela criança, mantendo-a longe e impedindo o pai adpotivo de a ver, durante os últimos anos.
Por outro lado, o pai biológico, que não foi pro-activo (leia-se, não irrompeu pela casa do sargento adentro para ir buscar a sua filha), "limitou-se" (que idiota!) a confiar no sistema e nos tribunais, nos meios legais e legítimos. E desta forma, foi tomado com vilão pela comunicação social que assim, mais uma vez, conseguiu indrominar as consciências da sociedade.
E por esta razão não se pode falar com essa facilidade, sobre "consciência moral do povo", até porque, em relação ao "povo", raramente se fala de justiça - fala-se sim, de vingança. Daí existir a instituição "tribunal".