Cortar salários, a saída falsa e fácil para o problema português
Quando a Standard&Poor's - uma instituição insuspeita de sofrer de inclinações esquerdistas - explica que cortar nos salários dos portugueses é uma medida pouco eficaz para pôr Portugal a crescer deveriam soar campainhas em algumas cabeças. Depois de o governo ter anunciado um corte salarial na administração pública, as associações patronais e alguns economistas procuram agora abrir a mesma porta no privado: se o Estado precisa e pode, argumentam, as empresas exportadoras precisam ainda mais e têm de poder. A comparação está errada e sugere um caminho economicamente pouco eficaz.
Primeiro: a comparação é errada porque o corte salarial no Estado surge como alternativa ao despedimento de funcionários públicos, proibido pela Constituição. O governo Sócrates vai deixar cair trabalhadores a prazo - que não beneficiam do lóbi dos sindicatos, empenhados sobretudo em defender os direitos adquiridos - mas sabe que terá de cortar na factura com pessoal permanente, baixando os salários. É uma má medida - um desincentivo ao mérito no Estado, cujos efeitos não foram pensados (veja-se o caso dos médicos) -, mas, depois de um ano perdido e com os mercados a gritarem, é a medida possível. No privado, contudo, existe a possibilidade de despedimento. A lei protege os trabalhadores no quadro, mas as empresas já aprenderam a contornar o problema recorrendo ao trabalho a prazo, sobretudo dos mais jovens. Podem ajustar não só aí - como se vê pelos 690 mil novos desempregados em 2009 -, mas também com renegociações do horário ou recurso ao trabalho parcial.
Segundo: o caminho do corte de salários nas empresas exportadoras é economicamente pouco eficaz porque ignora os verdadeiros e atávicos bloqueios portugueses ao crescimento. O capitalismo português é pouco educado, com o nível de instrução de 80% dos empregadores abaixo do secundário (50% em Espanha, 20% na União a 27). A sociedade é encorajada a fugir do desconforto da concorrência e a procurar refúgio na mediocridade igualitária - um valor desde cedo incutido na escola. Por receio de competir ou por incapacidade, a economia portuguesa foi conquistada por empresas não exportadoras, de serviços e comércio - 15 das 20 maiores em Portugal caem nesta categoria, muitas em sectores com escassa concorrência. As instituições da democracia são disfuncionais - o desgoverno público atira impostos para cima das empresas, o estado da justiça afasta investidores estrangeiros. Por tudo isto - que não menciona, mas conhece - a Standard&Poor''s explica que cortar salários, só por si, pouco resolve. Não é sequer o mesmo que baixar a contribuição social das empresas e subir o IVA - o que, pelo menos, poderia ajudar a estimular a poupança ao mesmo tempo que dava uma ajuda às empresas. Não. É uma solução míope e preguiçosa, com um efeito temporal limitado e que deixa tudo essencialmente na mesma. Pelo caminho, o custo social é grande.
A direita portuguesa - por onde tem de passar a resolução de problemas como o da concorrência - perde uma grande oportunidade ao não rejeitar claramente esta via e ao engolir, sem qualquer espírito crítico, as receitas de manual prescritas pelo FMI ou pela OCDE. Faz mal: um estudo de 2009 do Banco de Portugal mostra que só uma percentagem muito pequena (1,6%) de empresários cortaria salários caso as regras da contratação e a lei laboral o permitissem. Se poucos empresários admitem o corte - arrasador da motivação das pessoas - e se os problemas estruturais são outros, então talvez esteja na hora de abandonar de vez esta pretensa solução.
Primeiro: a comparação é errada porque o corte salarial no Estado surge como alternativa ao despedimento de funcionários públicos, proibido pela Constituição. O governo Sócrates vai deixar cair trabalhadores a prazo - que não beneficiam do lóbi dos sindicatos, empenhados sobretudo em defender os direitos adquiridos - mas sabe que terá de cortar na factura com pessoal permanente, baixando os salários. É uma má medida - um desincentivo ao mérito no Estado, cujos efeitos não foram pensados (veja-se o caso dos médicos) -, mas, depois de um ano perdido e com os mercados a gritarem, é a medida possível. No privado, contudo, existe a possibilidade de despedimento. A lei protege os trabalhadores no quadro, mas as empresas já aprenderam a contornar o problema recorrendo ao trabalho a prazo, sobretudo dos mais jovens. Podem ajustar não só aí - como se vê pelos 690 mil novos desempregados em 2009 -, mas também com renegociações do horário ou recurso ao trabalho parcial.
Segundo: o caminho do corte de salários nas empresas exportadoras é economicamente pouco eficaz porque ignora os verdadeiros e atávicos bloqueios portugueses ao crescimento. O capitalismo português é pouco educado, com o nível de instrução de 80% dos empregadores abaixo do secundário (50% em Espanha, 20% na União a 27). A sociedade é encorajada a fugir do desconforto da concorrência e a procurar refúgio na mediocridade igualitária - um valor desde cedo incutido na escola. Por receio de competir ou por incapacidade, a economia portuguesa foi conquistada por empresas não exportadoras, de serviços e comércio - 15 das 20 maiores em Portugal caem nesta categoria, muitas em sectores com escassa concorrência. As instituições da democracia são disfuncionais - o desgoverno público atira impostos para cima das empresas, o estado da justiça afasta investidores estrangeiros. Por tudo isto - que não menciona, mas conhece - a Standard&Poor''s explica que cortar salários, só por si, pouco resolve. Não é sequer o mesmo que baixar a contribuição social das empresas e subir o IVA - o que, pelo menos, poderia ajudar a estimular a poupança ao mesmo tempo que dava uma ajuda às empresas. Não. É uma solução míope e preguiçosa, com um efeito temporal limitado e que deixa tudo essencialmente na mesma. Pelo caminho, o custo social é grande.
A direita portuguesa - por onde tem de passar a resolução de problemas como o da concorrência - perde uma grande oportunidade ao não rejeitar claramente esta via e ao engolir, sem qualquer espírito crítico, as receitas de manual prescritas pelo FMI ou pela OCDE. Faz mal: um estudo de 2009 do Banco de Portugal mostra que só uma percentagem muito pequena (1,6%) de empresários cortaria salários caso as regras da contratação e a lei laboral o permitissem. Se poucos empresários admitem o corte - arrasador da motivação das pessoas - e se os problemas estruturais são outros, então talvez esteja na hora de abandonar de vez esta pretensa solução.
Opinião publicada no i
Fotografia: China Daily/Reuters